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4.2 ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS

4.2.1 Análise do perfil dos membros dos comitês de bacia

Com o intuito de traçar o perfil predominante dos membros dos comitês gaúchos em relação ao gênero, etnia, escolaridade e renda familiar fazendo-se um paralelo com o perfil apresentado pelo Estado.

Das 178 respostas recebidas nesta investigação, obteve-se percentual de 71,8 % de respondentes masculinos e 28,2 % feminino.

O percentual obtido demonstra, claramente, o predomínio do gênero masculino na representação das categorias dentro dos 22 comitês que responderam ao questionamento.

Laigneau (2004, p. 61) relata percentuais na ordem de 77% para os comitês do Rio Grande do Sul em 2003. Empinotti (2010), por sua vez, cita que obteve o percentual de 79% de homens nos 18 organismos de bacia estudados no Projeto Marca D‟Água realizado em 2004 e, na investigação em curso, obteve-se o percentual de 71,8%, de forma que os dados aqui apresentados foram corroborados pelos referidos autores.

Ainda sobre a temática de gênero, faz-se uma reflexão sobre o papel das mulheres nestes organismos, que além de constituírem minoria, poucas assumem papeis de presidentes nestes organismos. Realizou-se o levantamento da ocupação dos cargos de presidente e vice na última gestão para os 25 comitês do RS e constatou-se que o segmento feminino integrante na diretoria, normalmente, ocupa o cargo de secretária executiva e não de presidente. Em julho de 2018, apenas 5 comitês tinham mulheres na presidência, representando um

percentual de 20 % de mulheres e 80% de presidentes homens. Já na secretaria executiva o percentual de mulheres eleva-se para 72%, sendo este cargo indicado pelo presidente eleito, remunerado e limita-se às atividades burocráticas, que não envolvem poder de decisão.

Constatação semelhante foi obtida em pesquisa conduzida por Empinotti (2010), na qual a autora inferiu, com base em seus resultados, que o esperado na gestão de recursos hídricos seria encontrar mulheres apenas em papeis coadjuvantes, de apoio e logística, e não como as principais tomadoras de decisão.

Já com relação ao grau de escolaridade observa-se o percentual de 4% dos representantes com formação inferior ao ensino médio (fundamental completo ou incompleto e ensino médio incompleto), como pode ser visualizado no Gráfico 8.

Gráfico 8 – Percentual de membros conforme seu grau de instrução.

Fonte: Elaborado pela autora.

O grau de estudo dos representantes nos comitês é superior ao encontrado na realidade do estado.

Quanto a influência do conhecimento técnico científico na tomada de decisão participativa, concorda-se com o que foi posto por Abers et al. (2010) sobre a necessidade de se ter cuidado para não promover debates demasiadamente técnicos que excluam os demais participantes do processo decisório. No mesmo sentido, pactua-se que cientistas, tecnólogos e leigos devem se envolver num processo de aprendizagem recíproca por ensaio e erro nesses espaços descentralizados e participativos de planejamento e gestão (FRANK, 2010), sendo por isso importante a participação de pessoas com alta escolaridade nestes fóruns no sentido de promover a troca de saberes.

Nesse sentido, Lemos et al. (2010, p. 192) atentam para o problema causado pelo “[...] sequestro do conhecimento por gestores técnicos e o seu uso de forma elitista [...]”, causando sentimento de incapacidade em alguns envolvidos com menor grau de estudo, levando-os a alienação do processo de participação.

Ademais, os entrevistados com ensino médio perfazem 10,3%, sendo que destes, 0,6% cursaram escola técnica profissionalizante e 5,7% iniciaram uma faculdade. Mais da metade do universo amostrado possui nível superior, atingindo o percentual de 85,7%.

Ainda, pela observação do Gráfico 8, pode-se verificar que 31,4% dos entrevistados possuem ensino superior e 54,3% pós-graduação (especialização, mestrado ou doutorado).

Somente o percentual de 3,9% dos respondentes tem grau de instrução inferior ao ensino médio (fundamental completo ou incompleto e ensino médio incompleto).

Utilizam-se, para complementar a análise destes resultados, as observações de Abers et al. (2010) de que grupos populares escolhem os membros de maior nível educacional e social para representá-los em conselhos, porque os mesmos entendem que aqueles são mais capazes de discutir nestes fóruns. A citação do trabalho de Abers et al. (2010) também justifica a predominância do perfil econômico, social e educacional elevado dos integrantes dos comitês.

Acredita-se que este fato possa ser positivo se houver sensibilidade dos integrantes com alta escolaridade no sentido de não utilizarem linguagem técnica em demasia, que possa refletir em retração na minoria representante detentora de uma escolaridade inferior. Caso isso não ocorra, o reflexo pode ser negativo, resultando na retirada do processo ou apatia por parte daqueles com menor instrução, no universo de detentores do saber, protagonistas no rumo das discussões. Com esta análise não se está diminuindo a importância de qualificar esses fóruns com membros com alta escolaridade, mas questionando-se a necessidade de condução da reunião em linguagem acessível para todos.

Ainda, deve-se levar em consideração a existência de riqueza de saberes não acadêmicos, que também devem ser valorizados. Além disso, esses fóruns são espaços para o exercício da cidadania, constituindo-se em arenas políticas para construção de consensos, não exclusivamente para debates técnicos.

Corroborando essa ideia, Jacobi e Barbi (2007) colocam que a influência de outros fatores além dos técnicos, como aqueles de caráter político, econômico e cultural tornam o processo mais complexo, de forma que o estilo de gestão assume uma lógica sociotécnica.

Quanto à etnia, do total de respondentes que representam os 25 Comitês do RS, obteve-se o percentual de 93,7% de caucasianos (Gráfico 9).

Gráfico 9 – Percentual de representantes por etnia.

Fonte: Elaborado pela autora.

A palavra etnia deriva do grego ethnos, que significa "povo que tem os mesmos costumes". A questão de etnia envolve aspectos mais complexos que a simples declaração da cor de pele, por este motivo, deve-se ter em mente que não foi objetivo desta pesquisa aprofundar o tema, mas de maneira simplificada constatar a predominância ou não de um grupo étnico.

De fato, constatou-se que grupos pardos, pretos e indígenas não têm representação consistente nos comitês gaúchos.

Embora existam povos indígenas em oito bacias hidrográficas do RS, conforme observado por Laigneau (2005), citado no capítulo 2, na amostra de respondentes nenhum se declarou indígena.

Ainda em relação aos povos indígenas verificou-se pela análise das atas dos comitês integrantes dos casos de estudo (atas de posse das categorias), que os mesmos não destinavam assento para integrante indígena, contrariando a legislação federal. Salienta-se que dos três comitês investigados apenas o Santa Maria não possui comunidade indígena, não contrariando a legislação federal. Esse fato era motivado por deficiência na legislação gaúcha, que não previa a inserção desse segmento, sanada por meio da Resolução nº 230 (CRH, 2017), a qual inseriu a categoria Especial das Comunidades Tradicionais, assim, contemplando indígenas e quilombolas. Contudo, acredita-se que somente a previsão legal

não será suficiente para mudar essa situação. É necessário que os comitês de bacia planejem estratégias para despertar o interesse e para viabilizar economicamente a participação destes segmentos.

Salienta-se ainda, nessa reflexão, que o Rio Grande do Sul contrasta do restante do país, sendo um Estado majoritariamente branco (81,5% da população); os grupos pardos e pretos, embora tenham aumentado nos últimos anos, representam apenas 18,2% e somente 0,5% se declararam índios30.

A renda familiar dos respondentes pode ser observada no Gráfico 10, sendo que 27,6% declararam possuir renda acima de 10 salários mínimos e 25,3% de 2 a 4 salários, concentrando-se nestas duas faixas mais da metade do universo amostrado. 2,2% têm renda familiar abaixo de 2 salários mínimos.

Gráfico 10 – Renda média dos integrantes dos Comitês do Rio Grande do Sul.

Fonte: Elaborado pela autora.

Portanto, considerando-se os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o Rio Grande do Sul (RS), verifica-se que mais de 50% da população tem renda mensal abaixo de dois salários mínimos (52,9% recebe até R$ 1.635 mil)31, que o percentual dos que recebem entre dois e dez salários mínimos é de 25,9%, e que os que têm rendimentos

30 MELLO, Itamar. Aumenta proporção de negros na população gaúcha, aponta IBGE. 2017. Gaúcha ZH Comportamento, 24 nov. 2017. Dados disponíveis em:

<https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2017/11/aumenta-proporcao-de-negros-na-populacao- gaucha-aponta-ibge-cjadvcfym0fpe01mxniljl5kh.html>. Acesso em: 25 jul. 2018.

31

IBGE (2017) Disponível em: < https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/panorama> . Acesso: 04 out. 2018. 0 10 20 30 40 50 Não Informou Abaixo de 2 salários minimos De 2 a 4 salários minimos De 4 a 6 salários minimos De 6 a 8 salários minimos De 8 a 10 salários minimos Acima de 10 salários minimos

acima desse valor contabilizam apenas 2,2% dos gaúchos, pode-se concluir que a renda apresentada pelos integrantes dos comitês gaúchos é elevada, não refletindo a realidade do Estado32.

Do total de respondentes femininos, 24,5% possuem ensino superior, 71,4 possuem pós-graduação e 4,1% têm nível de escolaridade equivalente ao ensino médio. Para este gênero, não houve registro de escolaridade abaixo do ensino médio. Somente 4% das mulheres declararam-se de etnia parda, o restante deste universo, ou seja, 96% das respondentes se declararam brancas.

Quanto à renda das mulheres que responderam à pesquisa, 6,1% destas recebem menos de 2 salários mínimos; 24,5% recebem na faixa de 2 a 4 salários e mesmo percentual,18,4%, nas faixas de 4 a 6 e acima de 10 salários. As demais faixas salariais somadas resultaram no percentual de 32,6%.

Entre os 71,8% questionados do gênero masculino, apenas 1,6% se declararam de etnia negra e 4,8% de etnia parda. O restante, representando 93,6% dos respondentes masculinos são de etnia branca. Ainda dentro da amostra do gênero masculino, 50% têm pós- graduação; 33.3% graduação; 11,1% ensino médio e 5,6% tem escolaridade menor do que o ensino médio.

Constata-se que 32,5% possuem renda acima de 10 salários mínimos, sendo esta faixa salarial a de maior percentual, seguida da faixa de 2 a 4 salários com 23,8%. Verifica-se a concentração de mais de 50% dos questionados nestas duas faixas. As demais faixas somadas perfazem 43,7%.

A visualização dos gráficos apresentados torna evidente a tendência do predomínio de pessoas do sexo masculino e com escolaridade alta, sendo este o perfil dominante nos comitês rio-grandenses. Este perfil também foi observado para os comitês brasileiros pesquisados pelo projeto Marca d‟Água (ABERS, 2010).

Salienta-se que os fóruns participativos devem ser espaços de acesso à tomada de decisão por parte de uma diversidade de grupos sociais para que se efetive a construção de capital social.

32 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Dados disponíveis em:

<https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2013/09/mais-da-metade-da-populacao-do-rio-grande-do-sul- recebe-ate-dois-salarios-minimos-diz-ibge-4283206.html>. Acesso em: 24 jul. 2018.