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2.3 A GESTÃO DAS ÁGUAS

2.3.1 Gestão, gerenciamento e governança

Estes três conceitos se desenvolvem numa relação intrínseca e muitas vezes utilizados de forma equivocada como sinônimos.

A palavra “gestão” é muito utilizada no domínio da administração, significando ato de conduzir ou gerenciar projetos ou atividades que precisem ser geridas. De acordo com Leite (2015), quando a expressão é utilizada em relação aos recursos hídricos, não é muito diferente, podendo ser entendida como o conjunto de procedimentos organizados para resolver os problemas relacionados ao uso e controle da água.

Assim, a gestão mostra-se como um termo mais amplo e possui como um dos princípios fundamentais incentivar a participação e estimular a responsabilidade dos envolvidos no processo.

Lanna (1997, p.744) define gestão como "[...] atividade analítica e criativa voltada a formulação de principios e doutrinas, ao preparo de documentos orientadores e normativos, a estruturação de sistemas gerenciais e a tomada de decisões que tern por objetivo final promover o inventario, uso, controle e proteção dos recursos hídricos".

O mesmo autor já havia definido o termo gerenciamento de bacia hidrográfica como parte integrante da gestão de recursos hídricos, como sendo “[...] um instrumento que orienta o poder público e a sociedade, no longo prazo, na utilização e monitoramento dos recursos ambientais - naturais, econômicos e sócio-culturais -, na área de abrangência de uma bacia hidrográfica, de forma a promover o desenvolvimento sustentável” (LANNA, 1995, p.18).

Face a isso pode-se concluir que gerenciar os recursos hídricos consiste por em prática o planejamento do gestor, trabalhando com diversos processos naturais e sociais, com a abordagem sistêmica, tendo por objetivo compatibilizar e garantir água para os múltiplos usos, para as atuais e futuras gerações.

Portanto, o gerenciamento é um termo mais restrito, envolvendo um responsável por organizar, planejar e executar, cuidando do processo, planejando as ações e delegando as tarefas.

O gerenciamento das águas no âmbito da sua bacia hidrográfica, de forma descentralizada e participativa, é um procedimento de política de governança relativamente recente, sendo por isso necessários mais estudos e ajustes para sua efetividade. Apesar da legislação apontar nesse caminho, ainda não há consenso de que a forma como vem sendo conduzido esse gerenciamento seja a solução para a crise hídrica. No entanto, a tendência mundial tem sido para criação de instâncias com a participação de todos os atores envolvidos, em alguns países através de associações (como Associação Regional do Ruhr na Alemanha), Comitês de Gerenciamento de Bacia Hidrográfica (França, Brasil).

De acordo com Lanna (2001, p.15) o gerenciamento de bacia hidrográfica deveria ser considerado como “[...] o resultado da adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento sob a intervenção do gerenciamento ambiental”.

No entanto, há confusão no uso do termo, muitas vezes utilizando-o para se referir ao gerenciamento isolado de um único recurso ambiental, como por exemplo, a água. Lanna (2001) ainda ressalta que o termo gerenciamento de bacias hidrográficas também é

equivocadamente utilizado como um de seus instrumentos: o manejo de bacias hidrográficas que, conforme o mesmo autor, diz respeito “[...] à promoção de melhorias de uso dos recursos naturais em uma bacia hidrográfica, geralmente de pequenas dimensões, com a participação da comunidade” (LANNA, 2001, p.16).

Desta forma, o gerenciamento de bacia hidrográfica faz parte do gerenciamento ambiental, superando o conceito de manejo de bacia (LANNA, 2001, p.16).

Para o autor, confundir o gerenciamento de bacia com o seu manejo, significa: “[...] estabelecer-se uma redução conceitual, política, administrativa e geográfica ao gerenciamento de bacias hidrográficas” (LANNA, 2001, p.16).

Grigg (1998, p. 3, tradução nossa) conceitua gestão dos recursos hídricos como “a aplicação de medidas estruturais e não estruturais para controlar sistemas de recursos hídricos naturais e feitos pelo homem, para fins humanos e ambientais benéficos” e a gestão integrada de recursos hídricos como “uma estrutura para planejar, organizar e controlar sistemas de água para equilibrar todas as visões e metas relevantes das partes interessadas”.

O autor coloca ainda que observando como as decisões de gestão de água são tomadas e como os sistemas de água são controlados pode-se elucidar sobre os estágios e a saúde da democracia. Ainda, salienta que alguns fracassos em modelos anteriores “mostram os méritos de uma abordagem mais participativa e descentralizada” (GRIGG, 1998, p. 5, tradução nossa).

Dourojeannin e Jouravlev (2001) entendem que a gestão da água está condicionada as ações de captar, regular, controlar, aproveitar e tratar este recurso, fazendo uso de obras hidráulicas. O objetivo principal é regular a oferta com a demanda de água, bem como realizar o controle e mitigação dos efeitos extremos. Também o controle da qualidade da água e a drenagem urbana têm feito parte das preocupações dos gestores da água.

Para os mesmos autores, a gestão integrada dos recursos hídricos envolve a integração com outros tópicos, cujo objetivo principal é fomentar o desenvolvimento sustentável, assim precisa conciliar pelo menos as metas de crescimento econômico, equidade e de sustentabilidade ambiental, no entanto dizem:

Na prática estes ideais são mais declarativos do que efetivos. Se verbalizam nos discursos, porem raras vezes se levam para a prática. Frases como incorporar a dimensão ambiental, tomar em consideração o gênero, os indígenas e os mais pobres (combater a pobreza e gerar empregos) velar pelos direitos humanos, combater a discriminação, incorporar a globalização e outra série de aspirações para o bem da humanidade, se expressam facilmente, porem são impossíveis de atingir, quando se

carece de estratégias para alcançá-las (DOUROJEANNI; JOURAVLEV, 2001, p.10, tradução nossa).

Para os autores a gestão integrada pode ser definida em função da forma de integração podendo ser: integração dos diferentes componentes da água ou das diferentes fases do ciclo hidrológico; a integração dos interesses dos diversos usos e usuários da água, a integração da gestão da água com o desenvolvimento econômico, social e ambiental e a integração da gestão da água, terra e outros recursos naturais e ecossistemas relacionados. (DOUROJEANNI; JOURAVLEV, 2001).

Araújo et al. (2015, p. 816), ao discorrerem sobre essa simbiose hidrográfica, consideram que “[...] o equilíbrio entre quantidade e qualidade da água é atualmente o principal enfoque da gestão de recursos hídricos. Portanto, dada a diversidade de usuários e partes interessadas, a gestão integrada tornou-se um paradigma”.

A Gestão Integrada dos Recursos Hídricos é, acima de tudo, uma filosofia. Como tal, oferece um quadro conceitual orientador com o objetivo de gestão sustentável e desenvolvimento de recursos hídricos. O que exige é que as pessoas tentem mudar suas práticas de trabalho para olhar o quadro maior que envolve suas ações e percebam que estas não ocorrem independentemente das ações dos outros. Ela também busca introduzir o elemento da democracia descentralizada na forma como a água é gerenciada, com ênfase na participação dos interessados e na tomada de decisões no nível mais adequado (CAP-NET, 2008, p. 07, tradução nossa).

Quanto ao conceito de Gestão Integrada dos Recursos Hídricos, Araújo et al. (2015) entendem como:

[...] gestão integrada de recursos hídricos (GIRH) é um processo que promove o desenvolvimento e gestão coordenada da água, terra e recursos relacionados, a fim de maximizar o bem-estar econômico e social de uma forma equitativa sem comprometer a sustentabilidade de ecossistemas vitais (ARAÚJO et al., 2015, p. 816).

Para Rauber e Cruz (2013):

A gestão integrada de bacias tem como fim, então, favorecer o desenvolvimento sustentável desde o momento em que concilia o aproveitamento dos recursos naturais da bacia e permite manejar os recursos com o objetivo de evitar conflitos e problemas ambientais. Assim, a equidade pode ser atingida mediante o processo de decisão com participação dos diferentes agentes de decisão, ou seja, pela representação da sociedade nos Comitês de Bacias Hidrográficas (RAUBER; CRUZ, 2013, p.127).

Em relação à gestão integrada de bacias hidrográficas, Watson (2004, p. 243) menciona que “[...] o momento decisivo foi alcançado em 1992 quando foram desenvolvidos os Princípios de Dublin para a gestão da água e a Agenda 21 foi publicada”.

Ainda defende que a gestão integrada da bacia implica na colaboração, sendo “pouco provável que esta colaboração se dê em um processo livre ou isento de conflitos” (WATSON, 2004, p. 247), mas deve ser sustentado na negociação e facilitação, a fim de manter as partes interessadas inclusas. Para o autor:

Tem sido amplamente assumido que as organizações vão colaborar prontamente, a fim de abordar conjuntamente, uma questão ou problema que afeta os seus interesses comuns. Na prática, as decisões de prosseguir a colaboração, ou mesmo a rejeitar abordagens de outras organizações, são susceptíveis de serem desencadeadas por uma grande variedade de mudanças nas condições contextuais (WATSON, 2004, p. 247).

Desta forma, para o autor a colaboração é uma forma de implementar a gestão integrada, pois a partir da colaboração haverá opções de acordos e soluções mais efetivas e igualitárias.

O envolvimento das partes interessadas pode “[...] gerar confiança entre o governo e a sociedade civil, o que pode levar a relacionamentos colaborativos de longo prazo” (CAP- NET, 2008, p. 27, tradução nossa).

Para Hering e Ingold (2012) o grande desafio da gestão integrada dos recursos hídricos (GIRH) é

[...] criar uma estrutura de gestão cooperativa que vá além do triângulo dos comitês legislativos, agências reguladoras e grupos de interesse especial (por exemplo, industrial e ambiental), mas que leve em consideração todos os atores diretamente afetados pelos déficits [...] (HERING; INGOLD, 2012, p. 1235, tradução nossa). Para as autoras essas questões relacionadas com a governança são complexas, mas também podem determinar o grau de sucesso na implementação da GIRH.

Para Ribeiro (2016, p. 18) “[...] a literatura de governança dos recursos naturais e gestão das águas é vasta, heterogênea, complexa e, por vezes, confusa e até mesmo caótica”.

Isso posto traz-se o conceito de governança, um sistema de ordenação que só funciona quando aceito pela maioria, fenômeno mais amplo do que governo, embora esteja ligado às instituições governamentais, tem caráter não governamental e envolve a ação conjunta de Estado e sociedade na busca de soluções e resultados para problemas comuns (ROSENAU, 2000).

Gomes e Merchán (2017) acreditam ser difícil elaborar um conceito único para a governaça, pois para eles o conceito está associado ao contexto utilizado e a perspectiva teórica, relatando além da pluralidade conceitual, a pluralidade filosófica.

Casajus-Murillo et al. (2017, p. 684) colocam a “[...] governança como uma nova forma de regulação dos conflitos, caracterizada pela interação e cooperação de múltiplos atores articulados em rede para promoverem o desenvolvimento de projetos coletivos”.

Entende-se aqui governança através do conceito proposto por Diniz (1999):

[...] governança, por outro lado, diz respeito à capacidade governativa em sentido amplo, envolvendo a capacidade de ação estatal na implementação das políticas e na consecução das metas coletivas. Refere-se ao conjunto de mecanismos e procedimento para lidar com a dimensão participativa e plural da sociedade, o que implica em expandir e aperfeiçoar os meios de interlocução e de administração do jogo de interesses. [...] pressupõem um Estado dotado de maior flexibilidade, capaz de descentralizar funções, transferir responsabilidades e alargar, em lugar de restringir, o universo de atores participantes, sem abrir mão dos instrumentos de controle e supervisão (DINIZ, 1999, p. 164, tradução nossa, grifo nosso).

Já Hooper (2010, p. 468, tradução nossa) considera o termo governança como “[...] o processo de tomada de decisão na gestão da bacia hidrográfica em todos os setores e escalas”.

Ainda, quanto ao termo governança, Jacobi, Fracalanza e Silva-Sanchez (2015) utilizam:

[...] o conceito de governança, que se baseia na premissa de ser resultado da ação de múltiplos atores, dentre os quais o Estado que, sem dúvida, é o mais importante. Configura-se assim o exercício deliberado e contínuo de desenvolvimento de práticas cujo foco analítico está na noção de poder social que media as relações entre estado, sociedade civil e agentes econômicos, e que podem ampliar os mecanismos de democracia participativa. O tema “governança” insere-se nas novas tendências da administração pública e de gestão de políticas públicas, principalmente quando se considera a possibilidade de incluir novos atores sociais no processo decisório no intuito de promover melhoria na gestão e avançar na democratização desses processos [...] (JACOBI; FRACALANZA; SILVA- SÁNCHEZ, 2015, p. 62).

No entendimento de Campos e Fracalanza (2010, p. 368) a governança pode ser definida como “[...] um processo em que novos caminhos, teóricos e práticos, são propostos e adotados visando estabelecer uma relação alternativa entre o nível governamental e as demandas sociais e gerir os diferentes interesses existentes”.

Em relação a governança, Crespo e Cabral (2010) enfatizam:

[...]que acção pública deve ser baseada numa concertação entre todos os parceiros de um projecto territorial. Trata-se de estabelecer procedimentos que permitam desenvolver trocas entre todas as partes, de enfrentar problemáticas comuns, de construir progressivamente um consenso e de estabelecer proposições de decisão. A avaliação constitui igualmente um utensílio de primeira importância. Bem conduzida, ela pode permitir de melhor enfrentar a complexidade crescente das políticas urbanas, de reforçar a transparência da acção pública, de formar o julgamento dos cidadãos e de proporcionar o debate democrático (CRESPO; CABRAL, 2010, p 29).

Ainda para os autores “a governança deixou de ser exclusiva ou até principalmente um mero instrumento de estratégia, tornando-se num fim em si mesma, num tema material ou substancial de mudança, num sector autónomo da doutrina e da prática da modernização prioritária” (CRESPO; CABRAL, 2010, p 29).

Neste sentido, no que diz respeito à gestão integrada e de forma participativa, Gonçalves, Paim e Marinato (2011) acreditam que:

[...] a implementação dos princípios de gestão integrada, participativa e descentralizada apresenta-se como um desafio constante aos atuais sistemas de gerenciamento de recursos hídricos e sua operacionalização é um desafio científico, político e institucional ainda não solucionado (GONÇALVES; PAIM; MARINATO, 2011, p. 01).

Ainda os mesmos autores lançam aos Comitês de Bacia a tarefa de condução dos processos de elaboração e implementação dos instrumentos de gestão, a fim de garantir a efetividade e cumprimento dos acordos produzidos ao longo dos processos de elaboração dos instrumentos. Todavia, no atual contexto de gerenciamento dos recursos hídricos, os Comitês de Bacia apresentam diversas dificuldades para colocar em prática a enorme responsabilidade de deliberar sobre os usos futuros das águas em uma bacia hidrográfica, principalmente com a ausência da agência que prestaria o suporte técnico necessário.

Para se alcançar uma boa governança em relação à gestão da água faz-se necessário considerar aspectos como: “[...] previsibilidade, participação, transparência, equidade, responsabilidade, coerência, capacidade de resposta e tomada de decisão integrada e ética” (DWA, 2013, p. 15, tradução nossa).

De acordo com Cánepa e Grassi (2001a) a priorização do planejamento como forma de atuação, definida em Lei, determina que alguns ritos sejam seguidos, como:

[...] a definição de objetivos de qualidade e quantidade a serem atingidos e conservados, traduzidos no processo de enquadramento legal das águas em classes de uso; a elaboração do plano de bacia que corresponderá ao caminho para atingir aqueles objetivos e a fixação dos critérios e de parâmetros para a aplicação dos instrumentos de gestão (outorga e cobrança); o acompanhamento e a fiscalização dos procedimentos gerenciais e a avaliação continuada dos resultados, assim como a mediação, em todos os passos, nas negociações entre partes e entre os interesses particulares e os coletivos e ainda a garantia da publicização de todo o processo (CÁNEPA; GRASSI, 2001a).

Ainda, segundo estes autores, isto proporciona aos Comitês de Bacia a possibilidade de uma atuação permanente e renovada.

Setti et al. (2000, p. 31) relatam que “[...] quando a água está disponível em abundância ela pode ser tratada como bem livre, desprovida de valor econômico”. No entanto,

quando há grande demanda e conflitos entre usos, ela precisa ser gerenciada como recurso dotado de valor econômico e também precisam ser preservadas as funções hidrológicas, biológicas e químicas dos ecossistemas aquáticos.

No sentido de promover a implantação desse sistema no Brasil, foi criada a Agência Nacional de Água (ANA), entidade federal responsável pela implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e da coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, o que ocorreu, efetivamente, depois da promulgação da Lei n° 9.984 de 17 de julho de 2000 (BRASIL, 2000). Esse Sistema é constituído por um conjunto de mecanismos jurídico-administrativos, compostos por leis e instituições, pelos: Conselho Nacional de Recursos Hídricos, Conselhos Estaduais e do Distrito Federal e Comitês de Bacias Hidrográficas.

A Lei nº 9.984/2000 foi alterada recentemente pela Medida Provisória nº 844, de 6 de julho de 2018, que atualizou o marco legal do saneamento básico e alterou as atribuições da ANA, delegando-lhe competência para editar normas de referência nacionais sobre o serviço de saneamento (BRASIL, 2018).