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2.4 PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL

2.4.2 Tipos de participação pública

Em uma gestão eficiente, que considere os princípios de governança, os custos associados à participação das partes interessadas também devem ser contabilizados. Uma forma de minimizar estes custos e agilizar o processo de participação seria utilizando as ferramentas virtuais ao alcance de grande parte da população.

Kingston e Ravetz (2005) acreditam que o sistema de participação eletrônica pode apoiar e melhorar o diálogo aberto e transparente no planejamento e regeneração espacial urbana, pois com este sistema os cidadãos poderiam discutir novas propostas ou identificar questões relacionadas ao espaço e ao local dentro de sua comunidade de forma ágil e praticamente sem custos. Para eles esta ferramenta pode ser usada para facilitar todos os diferentes tipos de processos de participação pública.

Kohn e Moraes defendem que “a internet fez o cidadão potencialmente interagente e agente comunicador. Ele não só passou a ter um acesso maior a informação como pode participar dela diretamente, opinando e interagindo ao mesmo tempo em que a recebe” (KOHN; MORAES, 2007, p. 06).

Ao contrário, Marcondes (2007) acredita que o domínio público virtual, destinado à veiculação da informação e comunicação pública considerando que todos disponham de condições econômicas, educacionais e tecnológicas para participar, é uma ilusão. A autora defende que o espaço virtual por si só não conseguirá garantir maior participação e interatividade entre os indivíduos.

As (tecno)estruturas comunicacionais não são suficientes para fortalecer a democracia ou o movimento deliberativo. A tecnologia por si só, não transforma o cidadão pacato num ativista social, também não determina o procedimento da interação comunicativa, tampouco garante ou promove a reflexão crítico-racional; tão-somente facilita o armazenamento e a circulação dos estoques informativos e agilizam as buscas por uma diversidade de fontes informativas (MARCONDES, 2007, p.4)

Corroborando esta visão, não se pode deixar de considerar que mesmo estando popularizada, a internet ainda não alcança a maioria das pessoas. Segundo a União Internacional de Telecomunicações (UIT), 75% da população do planeta ainda não tem acesso à rede mundial de computadores (CHADE, 2010). Comunidades mais distantes dos centros urbanos, pessoas com idade mais avançada e com baixa escolaridade são alguns exemplos de população ainda não familiarizadas com o uso de internet, ou seja, dificilmente participariam do processo neste formato.

Reed (2008) ressalta a importância da existência da liderança e do líder para que os processos participativos sejam efetivos.

Pioneiramente, Arnstein (1969) trouxe à discussão situações de participação em que as pessoas eram de algum modo incluídas, porém sem terem o direito de se manifestar ou, de fato, influenciarem nos processos de tomada de decisão. Nesse sentido, a literatura aborda esta questão como uma tipologia estabelecida por diferentes graus de participação (ARNSTEIN 1969; GOETZ; GAVENTA, 2001; LAWRENCE, 2006).

De acordo com Arnstein participar efetivamente é ter poder para exercer papel ativo nos processos e “existe uma diferença fundamental entre passar pelo ritual vazio da participação e dispor de poder real para influenciar os resultados do processo” (ARNSTEIN, 1969, p. 216, tradução nossa).

Ainda, a autora classifica os modelos de participação através do que chamou de „Escada de Participação Cidadã‟. Esse modelo utiliza metaforicamente uma escada constituída por oito degraus, graduados de acordo com o grau de participação permitido, sendo que cada degrau representa nível diferente de envolvimento da comunidade.

Desta forma esquemática, possibilitou-se entendimento da relação entre participação e poder. Subindo-se a escada, mais poder é dado aos membros da comunidade no processo de tomada de decisão e, consequentemente, maior engajamento na participação.

A Figura 4 apresenta a escada da participação cidadã, segundo Arnstein (1969):

Figura 4 – Escada da participação cidadã e modelos de participação.

De acordo com Arnstein (1969), informar os cidadãos dos seus direitos, responsabilidades e opções, embora representasse um primeiro passo em direção à legítima participação do cidadão, torna-se sem validade quando “[...] a ênfase está na mão única da informação – dos técnicos para o cidadão -, sem que haja um canal de comunicação que permita o retorno, e menos ainda que haja poder de negociação” (ARNSTEIN, 1969, p. 219, tradução nossa).

Ainda, atenta que quando a divulgação da informação ocorre nos estágios finais do planejamento, há pouca possibilidade do programa, já definido por aqueles que detém o poder, ser modificado.

Quanto à consulta, a autora alerta que se não houver integração com outras formas de participação, este “degrau da escada” não oferece nenhuma garantia de que as ideias dos cidadãos serão, de alguma forma, consideradas. Para ela:

[...] os tomadores de decisão restringem as contribuições dos cidadãos apenas a este nível, a participação permanece apenas um ritual de fachada. As pessoas são vistas basicamente como abstrações estatísticas e a participação é medida pelo número de pessoas presentes nas reuniões, quantos folhetos foram distribuídos ou quantas pessoas foram entrevistadas (ARNSTEIN, 1969, p. 219, tradução nossa).

Esta forma de promover a participação social é a adotada por muitos gestores na área de recursos hídricos, a título de exemplo, cita-se o modelo de participação pública empregado na elaboração/revisão dos planos de região hidrográfica em Portugal, cujos relatórios são disponibilizados no endereço eletrônico da Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

Arnstein (1969) acredita que a participação pública promovida apenas por informação e consultas públicas é uma forma de mascarar a „não participação‟. De acordo com o modelo proposto pela autora, o participar efetivamente pressupõe poder para exercer papel ativo nos processos, influenciando nas decisões finais e não apenas as endossando.

Teixeira (1997) defende que devem haver diversos tipos de mecanismos e canais articulados, permitindo processos de tomada de decisão acessíveis à sociedade civil.

A existência destes canais permite que a participação não se reduza a episódicas mobilizações que, apesar do seu papel expressivo no processo, poderiam significar mero simbolismo participativo, objeto de manipulação pela mídia e elites populistas, sem nenhum impacto ou influência nas decisões políticas (Teixeira, 1997, p.190). Neste mesmo sentido, Pateman (1992) defende que a participação só ocorre quando cada grupo de indivíduos tem oportunidade de contribuir com a decisão final. Para Avritz (2008, p. 45) “[...] é possível diferenciar pelo menos três formas através das quais os cidadãos

ou associações da sociedade civil podem participar do processo de tomada de decisão política”.

O autor coloca que há desenhos participativos denominados na literatura como „de baixo para cima‟, desenhos institucionais de partilha do poder que são constituídos pelo próprio Estado com representação da sociedade civil e desenho institucional de ratificação, cujo instrumento de participação é a audiência pública (AVRITZER, 2008).

Para este autor, os desenhos variam em pelo menos três aspectos: “[...] na maneira como a participação se organiza; na maneira como o Estado se relaciona com a participação e na maneira como a legislação exige do governo a implementação ou não da participação” (AVRITZER, 2008, p. 44).

De acordo com Kingston e Ravetz (2005, p. 04) o envolvimento dos stakeholders na tomada de decisão pelo governo é definido da seguinte forma:

Informação e transação: o governo informa os cidadãos (caracterizando um processo unidirecional); Consulta: o governo consulta os cidadãos (as respostas dos cidadãos são geralmente predeterminadas pelo governo através de opções de perguntas fechadas e de escolha múltipla); Envolvimento Deliberativo: o governo envolve os cidadãos no processo de consulta (os cidadãos são encorajados a deliberar sobre questões antes da resposta final); Participação ativa liderada pelo governo - o governo instiga a consulta, mas retém poderes de decisão; Participação ativa liderada pelos cidadãos - os cidadãos estão ativamente envolvidos nos processos de tomada de decisões ao lado do governo; as decisões do cidadão tornam-se vinculativas; os cidadãos compartilham a propriedade e a responsabilidade sobre os resultados (KINGSTON; RAVETZ, 2005, p. 04, tradução nossa).

Os Comitês de Bacia implantados no Brasil foram criados sob a égide deste último tipo de envolvimento, ou seja, participação ativa liderada pelos cidadãos.

Neste sentido, o Department of Water Affairs no Relatório da Estratégia Nacional para os Recursos Hídricos africanos defende que “[...] a gestão da água deve operar dentro de um ambiente social, econômico e ecológico e para uma gestão efetiva e integrada dos recursos hídricos, a consulta „de cima para baixo‟ deve ser substituída pela participação cidadã” (DWA, 2013, p. 15, tradução nossa).

No que diz respeito a gestão dos recursos hídricos, Bontempo et al. (2012) comentam sobre os avanços alcançados, evoluindo para abordagens mais participativas de forma a buscar “[…] uma parceria entre o Poder Público, os usuários e as comunidades locais, propondo o equilíbrio entre os requisitos técnicos das obras [de recuperação dos rios] e as expectativas sociais da população em geral” (BONTEMPO et al., 2012, pp. 4-5).

Para Rauschmayer, Paavola e Wittmer (2009), um dos desafios da Gestão Integrada de Recursos Hídricos (GIRH) é montar estrutura de gestão cooperativa, que perpasse o triângulo das comissões legislativas, agências reguladoras e grupos de interesse especial (como industrial e ambiental) e, ainda leve em consideração todos os atores diretamente afetados.

As questões que envolvem a governança são de extrema complexidade, porém podem determinar o grau de sucesso ou insucesso na implementação da GIRH, por este motivo deve ser encarado como fator prioritário pelo Estado, se realmente houver interesse na efetividade da gestão.

Abers et al. (2009) argumentam sobre a necessidade de inclusão política para uma democracia deliberativa e afirmam:

[...] a deliberação somente será efetiva se desigualdades econômicas e de poder não desvirtuarem o processo decisório. Não somente o processo decisório deve ser aberto a todos os grupos sociais, mas deve também superar a tendência de predomínio da influência de atores sociais mais poderosos na tomada de decisão (ABERS et al., 2009, p. 117).

Ainda, embasando este pensamento, cita-se novamente a escada da participação cidadã de Arnstein (1969) que deixa claro que os degraus consulta e informação, colocados pela autora como tokenismo, não geram participação plena.

Valle (2002) quanto ao empoderamento do cidadão coloca:

[...] se o movimento de renovação do regime jurídico da Administração Pública vem se inspirando em um resgate da importância da pessoa do administrado, é fundamental que ele tenha uma possibilidade real – e não meramente formal – de interseção, de desempenho de seu próprio papel (VALLE. 2002, p.77).

Afirma que a vontade de participar vem do conhecimento “[...] quem conhece, porque conhece, necessariamente deseja participar, seja para partilhar seu conhecimento, seja para multiplicá-lo, seja para subordinar a atuação da Administração a esse mesmo saber” (VALLE, 2002, p. 77).

A autora argumenta que o controle social da Administração Pública resulta dessa vontade de participar.

Controle social – junto com outros conceitos como os da consensualidade, subsidiariedade e transparência da Administração Pública – nada mais são que frutos dessa pretendida sociedade participativa, aquela que não se conforma em se fazer representar no processo de formação das decisões, mas que quer em concreto, nele influir [...] (VALLE, 2002, p.77).

E ainda, que “controle social e transparência da Administração Pública guardam relação visceral”, sendo assim, de vital importância para a boa gestão administrativa envolver os administrados (VALLE, 2002, p.79).