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2.3 A GESTÃO DAS ÁGUAS

2.3.5 Comitês de gerenciamento de bacia hidrográfica

Seguindo a tendência mundial, nos últimos vinte anos, o Brasil vem implantando seu próprio sistema de gerenciamento de recursos hídricos, proposto pela Lei 9.433 de 08 de janeiro de 1997, conhecida como Lei das Águas (BRASIL, 1997). Esta Lei foi inspirada pela experiência francesa, cujo princípio básico é a gestão por bacia hidrográfica com a participação dos segmentos da sociedade interessados nos recursos hídricos e a cobrança pela utilização da água. De maneira semelhante ao modelo francês, a participação da sociedade no sistema de gestão brasileiro ocorre através de Comitês de Bacia.

Os Comitês de Bacia passaram a fazer parte do sistema de gestão de recursos hídricos após a promulgação dessa lei, sendo que, desde então, estão sendo implantados no país. Podem ser tanto comitês federais como estaduais, dependendo se envolvem rios fronteiriços (formam fronteira em dois ou mais estados) ou transfronteiriços (que atravessam fronteiras, cruzando dois ou mais países ou estados) em que a gerencia pertence à União. Já os rios cuja nascente e foz estejam localizadas no mesmo território ou Estado, ficam a cargo da administração estadual (CALHMAN, 2008).

Os Comitês de Bacia Hidrográfica são organismos colegiados que integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Em latim committere quer dizer cometer, confiar , deste modo, significa encarregar uma tarefa; o fórum em que é delegada autoridade a um grupo que se reúne para discutir sobre o interesse comum do uso da água na bacia (ANA, 2011).

De acordo com a Agência Nacional de Águas “[...] é por meio de discussões e negociações democráticas, que esses comitês avaliam os reais e diferentes interesses sobre os usos das águas das bacias hidrográficas. Possuem poder de decisão e cumprem papel fundamental na elaboração das políticas para gestão das bacias, sobretudo em regiões com problemas de escassez hídrica ou na qualidade da água” (ANA, 2018).

Os membros que compõem o colegiado são escolhidos entre seus pares, sejam eles dos diversos setores usuários de água, das organizações da sociedade civil ou dos poderes

públicos. A composição diversificada e democrática dos Comitês contribui para que todos os setores da sociedade com interesse sobre a água na bacia tenham representação e poder de decisão sobre sua gestão.11

Para a OCDE (2015, p. 16) embora os “[...] Comitês de Bacias Hidrográficas tenham poderes deliberativos fortes, eles têm limitada capacidade de implementação”.

Mascarenhas (2008, p. 145) referindo-se ao Comitê de Bacia do Rio São Francisco (CBHSF) coloca que para o comitê “[...] desempenhar seu papel de articulador de políticas e integrador de ações [...]”, negociando pactos para obtenção de soluções integradas, é preciso dotar o comitê de condições, como a implantação da agência de bacia.

Na visão da ORASECOM (2017), as organizações de bacia hidrográfica são estabelecidas para promover a cooperação e resolver os conflitos, sendo encarregadas das atividades de monitoramento, pesquisa, coordenação e regulação das bacias; planejamento e gestão financeira e, desenvolvimento e gerenciamento da infraestrutura. Sem embargo, salientam que se trata de fator crítico a necessidade de que essas organizações tenham poderes de tomada de decisão e execução, não se limitando às funções consultivas.

A esse respeito:

Uma entidade de bacias deve ser capaz de cumprir com um papel de facilitador e coordenador da governabilidade sobre espaços territoriais delimitados por razões naturais. Dentro e entre esses territórios se originam uma série de interesses e conflitos entre os usuários dos recursos naturais, especialmente a água, e destes com o entorno. Hoje em dia os territórios são governados só sobre limites político- administrativos, o que não serve para as necessidades de gestão de recursos naturais com a finalidade de conservação e produção. A dificuldade de governar sobre as bacias, ou sobre outros territórios delimitados por razões naturais, é precisamente por que se sobrepõem limites jurisdicionais sobre os limites naturais (DOUROJEANNI; JOURAVLEV, 2001, p.17, tradução nossa).

Subijanto et al. (2013), baseados na experiência da Bacia do Rio Brantas, na Indonésia, em relação à atuação dos organismos de bacia, concluem ser fundamental o capital humano e que este é desenvolvido precipuamente pela aprendizagem. Ainda defendem que,

[...] a capacidade de uma organização para executar seus papéis e funções e cumprir as suas tarefas e responsabilidades é naturalmente dependente da sua capacidade de construir e gerir o desenvolvimento. A seleção de estratégias e métodos adequados, cultura organizacional e liderança, bem como o apoio político do Governo, e por último, mas não mais importante, o "espírito" interior das pessoas, são os principais fatores de sucesso no desenvolvimento de capacidades dos organismos de bacias hidrográficas (RBOs) (SUBIJANTO et al., 2013, pp. 189-190, tradução nossa).

11

Portal dos Comitês de Bacia Hidrográfica. Disponível em: <http://www.cbh.gov.br/GestaoComites.aspx> Acesso em: 02 Out. 2018.

Para o sucesso da gestão, de forma eficiente e eficaz naquela bacia, os autores ressaltam “[...] a importância da gestão participativa, que incentivou os funcionários de nível superior, médio e inferior para participar de discussões e estarem envolvidos nos processos de tomada de decisão” (SUBIJANTO et al., 2013, pp. 189-190, tradução nossa).

Gallego-Ayala e Juizo (2014) conduziram pesquisa sobre a importância da participação dos stakeholders dentro da gestão dos recursos hídricos revelando heterogeneidades nas preferências individuais dos grupos de interesse em relação aos objetivos de gerenciamento.

Durante o século XX, as pesquisas sobre os tipos de instituições de água diminuíram em comparação com trabalhos desenvolvidos em outras categorias de pesquisas com água. No entanto, o design e a criação de instituições de água inovadoras serão fundamentais para que as práticas de gestão da água e do meio ambiente sejam sólidas. Esta necessidade de instituições inovadoras torna-se clara quando se reconhece que muitas das instituições de gestão e governança da água existentes foram criadas no século XIX (VAUX JR, 2002, p. 05, tradução nossa).

Para Cânepa e Grassi (2001b) o movimento de modernização da gestão dos recursos hídricos no Brasil teve início mesmo antes da promulgação da Constituição de 89.

Segundo os autores, três fatos importantes marcaram este movimento: a criação pelo Governo Federal dos Comitês de Estudos Integrados em algumas das mais importantes bacias de rios federais; a iniciativa do governo gaúcho, em 1981, de criar, mediante decreto, sistema estadual de recursos hídricos, atendendo a exigência para captação de recursos financeiros federais destinados à irrigação; e, o Seminário Internacional de Gestão de Recursos Hídricos, realizado em 1983, na capital do país, em promoção conjunta de diversos ministérios.

[...] o Seminário Internacional de Gestão de Recursos Hídricos, realizado em Brasília, em março de 1983, em promoção conjunta do DNAEE (MME), da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA/MINTER) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ/SEPLAN) e do CEEIBH. Este encontro, que contou com a presença de especialistas internacionais da Inglaterra, França e Alemanha (com profunda experiência em seus respectivos países), foi de extrema importância ao deflagrar, em escala nacional, um amplo debate sobre a modernização da gestão dos recursos hídricos. Em particular, no Rio Grande do Sul, sua repercussão foi muito grande entre todos aqueles que procuravam apreender e sistematizar a experiência internacional e suas possíveis lições em termos de aplicação à gestão de nossas águas (CÂNEPA; GRASSI, 2001b, n.p.).

Seja de âmbito federal ou estadual, o gerenciamento dos recursos hídricos não é tarefa fácil, pois envolve diversos atores e forças políticas por vezes antagônicas, que disputam o poder e os diversos usos dos recursos hídricos.

Ademais, Matzenauer (2003, p. 226) define o comitê de bacia como sendo: “[...] um órgão colegiado, legalmente instituído, cujo objetivo principal é desenvolver a descentralização das decisões sobre a gestão dos recursos hídricos da bacia, com atribuições de caráter deliberativo e consultivo”.

Mauro, Mageste e Lemes (2017) salientam o cárater normativo, consultivo e deliberativo dado aos comitês de bacia pela Lei Federal nº 9433/97 possibilitando a governança das águas:

Criadas as orientações para que se estabeleça a governança das águas, tais atribuições são ainda mais fortalecidas quando a mesma Lei determina que caiba aos Comitês de Bacias Hidrográficas, entre outras, as responsabilidades de administrar em primeira instância os conflitos surgidos na Bacia Hidrográfica onde atuam. Nessas condições os CBHs possuem autonomia para atuar no território como agentes de regulação, exercendo um tipo de governança que se fortalece na atribuição de aprovar os planos de bacias hidrográficas (MAURO; MAGESTE; LEMES, 2017, p. 477).

Para estes autores, os comitês de bacia não estão exercendo suas funções na governança, faltando “[...] efetivos compromissos com a compreensão da importância dos recursos hídricos nas estruturas centrais dos governos, dos usuários de recursos hídricos e da sociedade civil” (MAURO; MAGESTE; LEMES, 2017, p. 477).

Nesse sentido, referindo-se a um dos papeis fundamentais do comitê:

A mediação de conflitos de uso da água, que expressa a capacidade do comitê de exercer sua competência de arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos e o reconhecimento, pela sociedade da bacia, de que o comitê é o espaço para negociação de conflitos de uso da água pode ser vista como um indicador importante de evolução do trabalho de um organismo de bacia” (SILVA, 2005, p. 55).

Para Palma (2017),

A falência de sistemas nacionais de gestão ambiental está, em grande parte, associada à não-aplicação efetiva de um sistema de governança, além de conhecidos problemas de carência de recursos humanos e financeiros e de falta de coordenação e integração institucional. Em um contexto de governança, é valorizado o processo decisório baseado em princípios democráticos e na participação popular nas decisões, exigindo, portanto, um processo de reforma legalinstitucional que permita a abertura à gestão ética e participativa (PALMA, 2017, p. 132).

Assim, os Comitês de Bacia, que têm a missão de promover a gestão descentralizada e exercer a governança, deveriam contar com a colaboração de todos os atores envolvidos (usuários, população e governo), somando forças para melhoria da qualidade das águas e para garantia de sua disponibilidade, compatibilizando os diversos usos e resolvendo os conflitos dentro da bacia.

Na prática, isso não se verifica, provavelmente em decorrência do descrédito por parte das instituições envolvidas quanto ao peso das decisões destes colegiados ou por estratégia da política vigente, visto que, na maioria dos casos, os Comitês não contam com toda a estrutura implantada - carecem das agências - que seriam o braço técnico que daria respaldo as suas decisões.

Sem o apoio técnico, estes colegiados são desconsiderados pelo poder público - União e Estado - no momento decisório de grandes obras como: hidrelétricas, transposição de água entre bacias, entre outras. Esta atitude do Estado gera o descrédito dos comitês perante os grandes usuários da água e a sensação de impotência entre seus membros, que adquirem consciência do seu papel meramente formal de ratificar as decisões de um Estado ainda burocrático e centralizador do poder.

Corroborando esta afirmação, Martinez e Olander (2015) colocam:

Não surpreendentemente, a participação foi criticada por não viver de acordo com suas filosofias e tem sido argumentado que a participação é meramente uma estratégia de guichê de compras para legitimar as decisões já tomadas. Estudos identificaram relações de poder e conflitos como dois principais constrangimentos que emergem de processos participativos, que precisam ser levados em conta (MARTINEZ; OLANDER, 2015, p. 58, tradução nossa).

A título de exemplo, cita-se a transposição do rio São Francisco, cuja posição do Comitê contrária à obra, não foi considerada. Os interesses de alguns grupos ainda se sobrepõem ao bem comum, sendo a participação do colegiado totalmente descartada quando não ratifica decisões já estabelecidas. Nesse sentido Henkes (2014), sobre a transposição do rio São Francisco cita que:

Foram inúmeras ações judiciais propostas para impedir a execução do Projeto de Transposição do rio São Francisco tanto pelas falhas apresentadas no licenciamento quanto pela inaceitabilidade da obra por parte da comunidade científica e dos povos afetados, haja vista os danos ambientais comprovados (HENKES, 2014, p. 503). A autora relata a tentativa do governo de aprovar rapidamente, mesmo com as irregularidades no licenciamento, que foi contida pela ação do judiciário:

Ainda com as ações judiciais contra a transposição em trâmite, foi anunciado (novembro de 2004), em regime de urgência, uma reunião do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), para o dia 30/11/2004, tornando possível deliberar sobre o projeto em uma única reunião. A matéria não tinha sido objeto de análise pelas Câmaras Técnicas do Conselho, o que para Bahia (2006, p. 2-3) evidenciava o cunho eminentemente político da decisão a ser tomada. O CNRH defendia sua competência para deliberar sobre o projeto,

amparado pela Lei n. 9.433/97, art. 35, III. Também foi divulgada a realização de nove audiências públicas com início em 06/12/2004, com o objetivo de apresentar o EIA/RIMA à sociedade (HENKES, 2014, p. 503).

Henkes (2014, p. 504) coloca que “[...] todas as liminares foram negadas e o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) aprovou o Projeto de Transposição do rio São Francisco na reunião ocorrida dia 17/01/2005 [...]” e todas as ações em trâmite, cujo objeto fosse o projeto ou seu licenciamento, foram remetidas ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O que se deseja ressaltar sobre a referida obra foi a total ausência de participação pública nas decisões, não só pela desconsideração ao comitê de bacia, como a participação por meio de informações ao público, o que fica evidente no texto de Henkes (2014):

A licença de instalação foi concedida sem a realização das audiências públicas recomendadas pelo Ministro Sepúlveda Pertence. Dispensável mencionar que as audiências são necessárias para dar publicidade aos estudos do projeto que não tinham sido apresentados quando da concessão da licença prévia. Seria a oportunidade para a sociedade participar, efetivando o direito-dever constitucional à participação (art. 225 da CF/88). Com a licença de instalação em mãos, o Ministério da Integração Nacional deu início às obras da transposição (HENKES, 2014, p. 507).

Com toda a polêmica em torna da referida obra, no XVI Encontro dos Comitês de Bacia Hidrográfica do Brasil (ENCOB)12, que ocorreu em 2014 em Maceió, Estado do Alagoas, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco organizou uma exposição manifestando sua contrariedade à imposição da referida obra (Figura 3).

12 Encontro dos Comitês de Bacia Hidrográfica do Brasil. Disponível em: <https://www.encob.org/>. Acesso

Figura 3 – Museu ambiental casa do “Velho Chico” - XVI ENCOB

Fotografia: Acervo pessoal da autora.

Acerca do descaso com as deliberações do comitê, Flores e Misoczky (2008) acreditam que é indicativo de que as decisões tomadas por estes colegiados não são consideradas como definitivas pelo Estado e colocam sua percepção quanto à investigação realizada no Comitê do Lago Guaíba:

O comitê é responsável pela elaboração de um plano que deve passar pela instância de órgãos fiscalizadores do governo, ou seja, tem sua a ação restrita pela lei. Essa premissa sugere que o descaso dos representantes do governo no comitê se dá justamente pelo fato de que as definições das plenárias não são definitivas, e retornam ao crivo do governo mesmo que em instâncias diferentes (FLORES; MISOCZKY, 2008, p. 122).

Ainda, apontam que a parcela de 20% de representação que cabe ao Estado não é ocupada no comitê do Lago, argumentando que a ausência reflete na gestão participativa:

[...] na medida em que as deliberações do comitê não são implementadas sem a sanção de outros órgãos do estado, como o Departamento de Recursos Hídricos da Secretaria do Meio Ambiente, parece haver uma ênfase na decisão final, e um menosprezo do processo de gestão participativa (FLORES; MISOCZKY, 2008, p. 127).

Não obstante, aludem que o processo participativo deve deliberar sobre os caminhos do bem comum, de forma a proporcionar ganhos à sociedade e aos indivíduos ressaltando a importância do comprometimento do órgão promotor com o processo. Deve ser feita a estruturação de uma demanda e, posteriormente, a geração de soluções (FLORES; MISOCZKY, 2008).

Laigneau (2014, p. 59) relata em sua tese que, ao ministrar curso na África, mencionou sobre suas experiências na França quanto à solidariedade entre municípios de uma bacia hidrográfica, que permitia a elaboração de programas contra enchentes. Esta solidariedade não é percebida nos municípios gaúchos, nem nos comitês de bacia, onde predominam as decisões centradas em questões partidárias, eleitoreiras, ou, nestes últimos, questões econômicas de alguns segmentos. Os comitês de bacia, enquanto espaços políticos de discussão, deveriam amenizar essa tendência à concorrência, enquanto que, teoricamente, proporcionam aos atores locais, o poder de decisão.

A experiência mostra que os conflitos em relação à água, presentes em vários momentos da história e em diversos territórios, mostram-se como fonte de criatividade e cooperação.

Ernandorena (2012) expõe que,

[...] o atual momento histórico exige outras perspectivas, não só frente aos conflitos emergentes, mas também em relação às maneiras ortodoxas de resolução, de onde se extrai a necessidade da concepção de estruturas que conduzam a novas reflexões e atitudes, assoalhando um caminho no qual possa prevalecer o diálogo e a construção de consensos, e não um obsoleto, autoritário, ineficaz, e por vezes tendencioso, regramento estatal (ERNANDORENA, 2012, p. 14).

Ainda, chama a atenção para a definição interessante dada pelos chineses para a palavra conflito:

[...] a expressão conflito é composta por dois sinais superpostos: um quer dizer perigo e, o outro, oportunidade. O perigo é permanecer um impasse que retire as energias individuais; a oportunidade é considerar as opções e abrir-se a ocasiões que permitirão novas relações entre os indivíduos e inventar meios de solucionar os problemas cotidianos (ERNANDORENA, 2012, p. 19).

Os atores participantes na gestão das águas devem corrigir os desvios de linguagem da mídia, reconduzindo as expressões a uma forma correta, visto que o acesso aos recursos hídricos não deve ser entendido como fator de guerra, mas como fonte de cooperação entre as pessoas e os países. E, o objetivo pode ser alcançado através da gestão integrada e participativa, que leva à construção de consensos, construídos pelos comitês.

Para Pereira e Formiga-Johnsson (2005),

[...] o sistema de gestão dos recursos hídricos transcende o papel de mero instrumento gerencial na medida que gera e mantém relações políticas, com base em processos científicos de tomada de decisão, mas também, exige, para o seu funcionamento, a construção do consenso e de decisão sustentada pela confiança entre os atores (PEREIRA; FORMIGA-JOHNSSON, 2005, p. 56).

Igualmente, menciona-se a necessidade de criar espaços para pactos pela gestão entre todos os atores sociais da bacia:

A gestão compartilhada dos recursos hídricos requer, necessariamente, compatibilizar os diversos conflitos de interesses e demandas. Deve-se evitar, sobretudo, tensões e embates conceituais e jurídicos. A gestão compartilhada requer, portanto, entre outros aspectos, a criação de ambientes institucionais adequados à resolução, à negociação e à superação dos problemas e das lacunas existentes nos arcabouços jurídico-legais. Esses ambientes são formados pela trama de múltiplos fatores, dentre os quais são decisórios: a convergência de objetivos; o entendimento por todos os atores das questões e desafios envolvidos; a criação de laços de confiança através de um processo de gestão ético, transparente e democrático, que conduza à equidade, racionalidade e eficiência na tomada de decisões; e a construção de um sentido de identidade da bacia, um sentido de unidade de atuação harmônica, de co-responsabilidade e co-dependência (PEREIRA; FORMIGA- JOHNSSON, 2005, p. 61).

Pela lei federal brasileira, a participação de todos os envolvidos deveria ser assegurada através da criação dos Comitês de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica, que reúnem: Usuários da água; População da bacia e Poder Público (BRASIL, 1997, art.1, inciso VI).

No entanto, alguns autores acreditam que a lei federal não garantiu a efetiva participação de todos:

[...] indica que a participação não deverá ser de todos/as, a não ser de maneira nominal. No Brasil, as categorias de participantes são taxativamente enumeradas e verifica-se que a lei garante 80% do espaço para duas categorias de representantes: a) os dos poderes públicos que emanam do poder político executivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios (40 % do total); b) os das atividades econômicas (outros 40%) que correspondem aos usos reputados dominantes e são chamados de usuários. Os que pensam que a sociedade civil deverá ter alguma influência associada a um poder de decisão real, haverão de constatar que o conceito de sociedade civil recebe uma aplicação numérica mais do que modesta (20% do total de participantes), nas definições da lei (COSTA, 2007, p.25).

No âmbito federal, a lei deixou a critério de cada comitê estabelecer, em seu regimento, o número de representantes de cada setor, apenas limitando a representação dos poderes executivos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios pela metade do total de membros (BRASIL, 1997, art. 39, parágrafo 1º), ou seja, representantes do governo podem atingir no máximo 50% do total. Entretanto, a bem da verdade, os estados não acolheram a intenção do legislador federal de demandar poder ao comitê de bacia, ao deixar a proporção aberta para definição em seus regimentos, de maneira que a maioria dos Estados disciplinou este tema estabelecendo o percentual de cada setor na sua própria lei.