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Em seu tratado, Palladio faz criações renovadas nos esboços de seus projetos, no uso de certas razões proporcionais para determinar as dimensões das salas que compõem as plantas baixas de suas encomendas para os nobres vicentinos – as villas palladianas. Essas obras de arte causam enormes discussões entre estudiosos. São todas marcadas por uma matemática e uma arquitetura própria de Palladio. Algumas são mais conhecidas que outras, mas estão erguidas, em sua grande maioria, na região agrícola de Vêneto, na Itália, cidade de Vicenza.

Ao projetar suas vilas, Palladio foi buscar os aconselhamentos de Vitrúvio (2002). Este lembra que, quando a obra apresenta um aspecto perfeitamente magnífico, o

“proprietário regozija-se das despesas que teve; quando mostrarem que foram habilmente

executadas, os elogios serão destinados ao talento do artesão; entretanto, quando a elegância da obra haurir sua autoridade das proporções e das simetrias, a glória então caberá ao

arquiteto” (VITRÚVIO, 2002, p.157).

O certo é que Palladio conseguiu pôr em prática esse ensinamento e dar provas do aprendizado que adquiriu na Academia de Trissino, em seus projetos da Villas, como o da Villa Emo (Figuras 6 e 7), em Fanzolo.

Figura 6 – Villa Emo: vista exterior

Figura 7 – Villa Emo: vista interior

Fonte: Wundram; Pape, 2004

No Livro II – Quatro Livros de Arquitetura –, encontra-se o registro histórico das belas edificações das Villas Palladianas, apresentado por Andrea Palladio. Nesse livro, está perpetuado seu estado de espírito aberto para a influência da teoria clássica musical de Platão, oriunda da teoria clássica pitagórica.

Em sua obra Timeu, Platão (2001), ao dialogar sobre a criação do universo realizada pela divindade, fala da verdade de uma unicidade e de uma proporção entre as coisas do universo e as do mundo. Diz ele:

Ora se o corpo do universo apresentasse apenas uma superfície plana, sem profundidade, bastaria um meio para ligar seus dois termos com ele mesmo; mas, como o mundo tinha de ser sólido, e como os sólidos são ligados sempre por duas mediedades, não por uma, a divindade pôs a água e o ar entre o fogo e a terra, deixando-os, tanto quanto possível, reciprocamente proporcionais, de tal maneira o que o fogo é para o ar, o ar fosse para a água, e o que o ar é para a água, a água fosse para a terra, com o que ligou e compôs a estrutura do céu visível e tangível (PLATÃO, 2001, p. 68, 32 a).

É essa a visão de Platão sobre o modo como os quatro elementos – água, fogo, ar e terra – formam o corpo do mundo e como são harmonizados pela proporção. Essa doutrina abordada por Palladio pode ter sido concretizada nos projetos, como as das villas desse arquiteto.

Veremos, a seguir, como a tradição humanista de Platão encontra-se embutida no método de Palladio.

2.4.1 A tradição humanista oriunda de Platão: como ela está embutida no método de Palladio

A história da música ocidental no período renascentista, na Itália de Andrea Palladio, evidencia um crescente interesse por música instrumental e, consequentemente, pelo surgimento de notáveis músicos, compositores e teóricos desse campo, tais como: Franchino Gaffurio (1451-1522), Lodovico Fogliano (1445-1522), Adrian Williart (1490-1562), Bernardino Cirillo (1530-?) e Gioseffo Zarlino (1517-1590), entre outros que foram contemporâneos de Andrea Palladio.

Segundo Grout e Palisca (1997), dos inúmeros e brilhantes teóricos da música, no período renascentista, foi Franchino Gaffurio que teve ao seu dispor algumas traduções em latim de obras clássicas da cultura grega e conseguiu incorporar conhecimentos adquiridos em suas obras como Theorica musice (Teoria da música), de 1492, Practica musice (Prática da música), de 1496, e De harmonia musicorum instrumentorum opus (Obra sobre os instrumentos musicais e a harmonia), de 1518. Tais produções, de grande relevância, tratavam de assuntos teóricos exclusivos da música e da harmonia. Grout e Palisca (1997, p.186) acrescentam:

Os escritos de Gaffurio foram os que maior influência tiveram na música de finais do século XV e início do século XVI e, a par das traduções e comentários publicados acerca de algumas das obras acima indicadas, estimularam um novo florescer do pensamento sobre temas como os modos, a consonância e a dissonância, o propósito e parâmetro do sistema tonal, a afinação, as relações entre música e palavra e a harmonia da música, do homem, do espírito e do cosmos.

Sobre essa discussão, Grout e Palisca (1997, p. 183) advertem que “[...] a experiência

de redescoberta da antiga cultura greco-latina avassalou a tal ponto a Europa dos séculos XV

e XVI, que não podia ter deixado de afetar o modo como as pessoas concebiam música”. Eles

prosseguem dizendo que, apesar de não ser possível um contato direto com a própria música da antiguidade, ao contrário do que acontece com os monumentos da arquitetura, com a escultura e com a poesia, um repensar do papel da música à luz daquilo que poderá ler-se nas

obras dos antigos filósofos, poetas, ensaístas e teóricos musicais não é apenas possível, mas também, para muitos, seria urgentemente necessário.

O humanismo incorpora-se à teoria musica ocidental ressurgida em manuscritos de antigos tratados gregos, entre os quais estão:

Os tratados de Bacchius Senior, Aristides Quintiliano, Claúdio Ptolomeu, Cleónides, Euclídes, e um ou outro atribuído a Plutarco. Também conhecidos na época eram o capítulo sobre a música dos Problemas do Pseudo-Aristóteles, os Deipnosofistas de Ateneu, obra que contém uma longa passagem sobre a música, os oito livros da

Política de Aristóteles e passagens relativas à música dos diálogos de Platão, em

particular da República e das leis. (GROUT; PALISCA, 1997, p. 185).

Desse modo, questionam-se como foram incorporados esses pensamentos da teoria musical nos ideais da pessoa e do profissional da arquitetura Andrea Palladio, ideais que, de um modo ou de outro, foram, mais tarde, embutidos no palladianismo.

Platão também colabora para os ideais na formação de arquiteto de Andrea Palladio. Em sua grande obra A República, no livro II, ao falar sobre o saber e a educação para os homens, no diálogo entre Socrátes, Adimanto, e o irmão de Glaucon, Platão (2008, p. 85)

aconselha: “[...] admitamos confiadamente que também o homem, se quiser ser brando para

os familiares e conhecidos, tem de ser por natureza filósofo e amigo do saber”.

Concomitantemente, em A República, Platão (2008, p. 86) apresenta esse diálogo:

– É, pois, assim, que ele terá de ser. Mas de que maneira é que se hão-de criar e

educar estes homens? E, porventura, avançaremos, se examinarmos a questão, na descoberta do motivo de todas as indagações – a maneira como a justiça e a injustiça se originaram na cidade? Pois não queremos omitir o necessário ou deixar por dizer o bastante.

O irmão de Gláucon interveio: – Eu, por mim, sou inteiramente de opinião que este exame nos fará avançar na investigação.

– Por Zeus, meu caro Adimanto! – exclamei – . Não devemos abondoná-lo, ainda

que se dê o caso de ser um pouco demorado.

– Pois não.

– Ora vamos lá! Eduquemos estes homens em imaginação, como se estivéssemos a

inventar uma história e como se nos encontrássemos desocupados.

– É o que nós devemos fazer.

– Então que educação há de ser? Será difícil achar uma que seja melhor do que a

encontrada ao longo dos anos – a ginástica para o corpo e Música para a alma?

– Será, efectivamente.

– Ora, começaremos por ensinar primeiro a música do que a ginástica? – Pois não!

Em ensinamentos como os que estão postos por Platão na passagem em destaque, em seu conhecido diálogo em A República, o autor faz eloquentes referências a uma educação perfeita para os homens. Nelas, seu ensino prevalece sobre a música. Pode-se, então, entender

que tais pontos foram mais do que ensinamentos necessários para a formação de Andrea Palladio, na busca por um estilo próprio, dentro da tradição humanista oriunda de Platão.

No clássico livro Timeu, Platão apresenta um diálogo envolvendo personagens como Sócrates, Timeu, Crítias e Hermócrates, no qual se discute: criação do universo, divindade, corpo, alma, inteligência, formas, elementos e números. Diz Platão (2001, XXXI, 69 b):

“conforme ficou dito desde o princípio, tudo estava em desordem quando a divindade

introduziu proporção nas coisas, tanto nelas como em suas relações recíprocas, na medida e da maneira que elas admitiram proporções e simetria”. Segundo Platão, no começo, nenhuma coisa tinha proporção, a não ser por acaso, não havendo nenhuma que merecesse ser designada pelos nomes com que são conhecidas hoje: fogo, água, terra e ar.

Os fundamentos existentes em A República ultrapassam gerações, com os diversos conhecimentos que formaram arquitetos do passado do porte de Vitrúvio Polião e do período renascentista, como Andrea Palladio. Com sua específica potencialidade para as artes, ele consegue transformar saberes da antiguidade e uni-los em seus saberes do presente, incorporando-os em suas práticas de edificar e criar o novo.

Para Tavernor (PALLADIO, 1997), Palladio conseguiu criar um método próprio porque suas idas e vindas a Roma provocaram um grande efeito sobre o desenvolvimento de sua arquitetura, principalmente no que se tratava da escolha do tipo das villas. Nos projetos da Villa Valmarana, em Vigardolo, e Villa Pisani, em Bagnolo, de 1541 e 1542, respectivamente,

Palladio “adapt details of modern and ancient buildings he had seen there. Villa Valmarana

has a particular kind of entrance motif composed of three openings, the central one with an

arch resting on columns, those on either side lower with square heads”(TAVERNOR, 1997,

xiii). Ainda explicando dados próprios da arquitetura palladiana nos projetos feitos nas villas, o autor ressalta:

This symmetrical arrangement of openings derives from a window design by Bramante and Raphael which, having been described by Serlio in his treatise became known as a Serliana; through its extensive use by Palladio and subsequent Palladians, it became known in England and America as a Palladian or Venetian window. In an early, unpublished design for the Villa Pisani, the grand entrance is a half-circle in plan, probably inspired by similar layouts Palladio had seen at the

Roman baths, Trajan’s Market, and Bramante’s Belvedere Court in the Vatican, or perhaps the built portion of Raphael’s Villa Madam (TAVERNOR, 1997, xxxiii). Segundo o autor, esse modo de edificação reaparece, mais tarde, na Villa Trissino e na Villa Pisani, entre outras referidas em sua obra Quatro Livro de Arquitetura, nas quais ele coloca salas amplas arqueadas ou abóbadas.

Enfim, certamente Palladio soube criar o novo sobre as doutrinas dos antigos tratados seguindo os aconselhamentos de Vitrúvio e de Platão, pois é no Timeu que Platão explica que é próprio do homem justo fazer aos inimigos e assim passa a ser capaz de criar seu próprio método.

A subseção seguinte tratará a importância e o significado dos desenhos para Palladio.