• Nenhum resultado encontrado

O legado de Palladio: esboços de obras, edificações e o tratado de

2.3 ESBOÇOS E PROJETOS DE PALLADIO: DA EXPERIÊNCIA PRÁTICA A

2.3.2 O legado de Palladio: esboços de obras, edificações e o tratado de

O pensamento do arquiteto Palladio estava formado por ideias canônicas de arquitetos de renome como Vitrúvio e Alberti, mas também de tratadistas contemporâneos seus como Sebastian Serlio (1475-1554). Com todo esse embasamento, estava na hora de colocar em exercício todo o seu aprendizado na arquitetura; ou seja, era hora de transformar conhecimentos em prática. Para Vitrúvio (2002, p. 50-51), a arquitetura nasce da prática e da teoria:

Prática é o exercício constante e frequente da experimentação, realizada com as mãos a partir de materiais de qualquer gênero, necessária à consecução de um plano. Teoria, por outro lado, é o que permite explicar e demonstrar por meio da relação entre as partes, as coisas realizadas pelo engenho. Desse modo, os arquitetos formados sem instrução, exercidos apenas com as mãos, não o puderam fazer completamente, de forma que assumissem a responsabilidade pelas obras; por sua vez, aqueles que confiaram unicamente na teoria e nas letras, parecem perseguir uma sombra, não a coisa. Contudo, os que se aprofundaram numa coisa e noutra, como que munidos de todas as armas, atingiram com autoridade mais rapidamente o que era seu propósito.

Provavelmente, foi assim que Palladio adquiriu a engenhosidade para projetar e edificar, em sua arte de arquiteto. Entre as inúmeras orientações de seu tratado, está a de que o arquiteto deve ser educado para saber aritmética, geometria e que o corpo humano é um paradigma para as regras necessárias de proporção (FRINGS, 2009, p. 9).

A engenhosidade de Palladio é certificada através dos projetos de arquitetura presentes em seu tratado. Ele apenas concretiza os ensinamentos de Vitrúvio (2002, p. 50) e adiciona tais ensinamentos no primeiro livro de seu tratado, ao mencionar que aquele que vier

a professar o ofício de arquiteto deve ser engenhoso e sujeito à disciplina, pois “nem o engenho sem a disciplina, nem a disciplina sem o engenho pode produzir o artífice perfeito”.

Engenho e disciplina, no raciocínio de Vitrúvio, estão impregnados no espírito e na alma de Palladio, como mostram suas obras e os legados deixados por ele para sempre: para toda a humanidade. Palladio projetou muitas obras: desde construções arquitetônicas a clássicos literários, como seu notável tratado Os Quatro livros de Arquitetura.

Em 1540, Palladio é designado pela primeira vez como arquiteto. Influenciado por Vitrúvio e custeado por Trissino, passa a estudar, na arquitetura clássica, as antigas ruínas

primeiros projetos: a Villa Godi, em Loneto, e o Palazzo Civena, em Vicenza.

Começam, então, a surgir encomendas de edificações para Palladio em Veneza, feitas por grandes nobres vicentinos: estradas, mosteiros, igrejas, pontes, palácios e vilas.

Palladio coloca em prática sua teoria em cada uma de suas edificações. “[...] a descoberta da

perspectiva, artifício projectual que imita a visão espacial humana, e a crescente valorização da figura do autor são dois fatos marcantes na produção arquitetônica renascentista” (COLIN, 2004, p. 83). Com seu neoclassicismo, ele fica famoso por suas vilas e seus palácios, criando um estilo próprio, denominado de Palladianismo.

Algumas das obras mais significativas de Palladio foram: a Villa Rotonda, o Palazzo Valmarana e o Teatro Olímpico, em Vicenza, e as igrejas de San Giorgio Maggiore e Il Redentore, em Veneza.

No ano de 1570, Palladio publica, em Veneza, o que viria a ser um dos maiores clássicos literários de arquitetura, os Quattro libri dell’architettura, na verdade um tratado de arquitetura. Nesse livro, ele apresenta suas normas, técnicas e a matemática relacionada com a arquitetura. Também nessa obra ele celebra sua forma de retraduzir as antigas ruínas clássicas romanas em seu novo jeito de desenhar e construir. Esse é um dos mais importantes tratados da arquitetura dos últimos séculos, servindo para os arquitetos e as pessoas interessadas na área no período do Renascimento, mas também é uma referência teórica para os arquitetos e pesquisadores da atualidade.

Alguns autores, entre os quais Lotz (1998), reconhecem que, na história da arquitetura, Palladio ocupa uma posição-chave, pois combina a tradição literária humanista das edições e dos comentários de Vitrúvio com os livros de modelos ilustrados, escritos por arquitetos para uso prático.

Na organização dos quatro livros, Palladio segue o modelo usado por Vitrúvio, trazendo também diferentes matérias na composição de seu tratado. No primeiro livro, com 29 breves capítulos, o autor aconselha sobre o que precisa ser preparado antes de se iniciar uma construção, fala sobre os materiais a serem utilizados, os solos adequados para as construções, os vários tipos de paredes, o uso das cinco ordens antigas (iônica, dórica, toscana, coríntia e composta) e também fala sobre os telhados e as técnicas de colocação.

No segundo livro, o autor trata de como podem ser mantidas as residências privadas, mostra os cômodos da casa e as colunas e menciona comprimentos e larguras das salas. Nesse livro, ele apresenta a forma de construção e os projetos das casas de alguns nobres venezianos, as famosas villas palladianas.

de torná-las curtas e práticas, sugere a construção de pontes feitas de madeira. Fala das praças, que podem ser localizadas ao lado das pontes, e das basílicas antigas, em estilo grego.

No quarto livro, ele fala desde os lugares a serem selecionados para construção dos templos, até sobre suas arquitraves, frisos, ornamentos e cornijas das portas e janelas, mostrando técnicas e formas de colocação.

Nos ensinamentos e nos conselhos de seu tratado, Palladio (1997, p. 119) faz várias referências aos gregos e a Vitrúvio, o mestre romano. No capítulo XI do livro II, apresentando

modelo das residências particulares diz: “The greeks built in a diferente way from the Latins,

since (as Vitruvius says) they omitted the loggias and the atria and made the entrance to the house narrow and constricted; on one side they placed the stables and on the other the porters’

lodges […]”.

É evidente que a obra Os quatro livros de arquitetura tornou-se um dos maiores legados deixados por Andrea Palladio para a teoria da arquitetura. A comprovação disso é que inspirou o movimento, denominado palladianismo, que Tavernor (PALLADIO, 1997) define como um dos maiores movimentos culturais ocorridos fora da Itália, o qual cresceu consideravelmente no mundo ocidental, depois da morte de Palladio.

Tavernor (TAVERNOR, 1997, vii) considera o palladianismo uma interpretação rigorosa da arquitetura clássica filtrada por completo nos escritos de Vitrúvio. O autor

esclarece: “for this treatise inspired a major architectural movement outside of Italy, named

Palladianism after him, which developed from his rigorous interpretation of classical

architecture filtered through the writings of Vitruvius”.

Após o comentário sobre o clássico tratado de Andrea Palladio, torna-se imprescindível destacar, como legado desse notável arquiteto, um conjunto de magníficas edificações por ele desenhadas. Em seus projetos de construções, Palladio usa as cinco ordens (jônica, dórica, coríntia, compósita e a toscana) com uma peculiaridade própria, uma proporcionalidade e uma razão diferenciada daquelas dos ornamentos feitos até então pelos arquitetos.

No primeiro livro, capítulo XX, ele alerta o leitor de seu tratado sobre o abuso, na ornamentação feita na prática antiga, quanto ao uso das ordens. Ele adverte quanto à importância de a arte imitar a natureza. Diz Palladio (1997, p. 55): “I assert therefore that, since architecture imitates nature (as do all the other arts), it cannot endure anything that

alienates and distances it from what nature herself permits […]”. Ele alerta para a

requisito, acrescenta: “[…] though variety and novelty must please everybody, one should

not, however, do anything that is contrary to the laws of this art and contrary to what reason

makes obvious [...]” (PALLADIO, 1997, p. 56).

Seu zelo e seu cuidado com a arquitetura é explicitado nas edificações de suas villas. Estas têm ultrapassado séculos e mais séculos erguidas na região do Vêneto, na Itália. O Quadro 1 resume as principais edificações projetadas por Palladio nas cidades de Vicenza e Veneza.

Quadro 1 - Principais Villas Paladianas

NOME ANO DA CONSTRUÇÃO, LOCAL E PROPRIETÁRIO

Villa Godi 1537 – Em Lonedo, região de Vicenza

Girolomo de Godia

Villa Piovene 1539/1540 – Lonedo di Lugo (Vicenza)

Battista Piovione

Villa Forni-Cerrato 1541/1542–Montecchio PrecalcinoVicenza

Girolamo Forni

Villa Thiene Quito 1542– Marcantonio Thiene

Villa Saraceno

Por volta de 1545 ou 1548 – Finale di Agugliano – Vicenza

Biagio Saraceno

VIlla Poiana 1546?1548/1549?–Poiana Magiore – Vicenza.

Bonifacio Poiana

Villa Pisani Montagnana

1552 – 1539 (aparece em documentos). 1555(concluída), em Montagnana Francesco Pisani

Villa Cornaro

1553 (corpo central); 1554 – (interrompida);

1569(continuação) Piombino Dese–Treviso. Giorgio Cornaro/Marco e Girolamo Cornaro

Villa Barbaro 1554–1557–1558?–Maser, próxima a Treviso

Irmãos Marcantonio e Daniele Barbaro

Villa Angaro 1554

Villa Zeno 1554

Villa Valmara 1554

Villa Badoer 1554–1555– 1556 Frata Polesine(Rovigo)

Francisco Badoer

Villa Ragona 1555

Villa Thiene Cigogna 1556

Villa Foscari 1556

Villa Repeta 1557

Villa Emo 1555 (início)1557?1565(conclusão)

Fanzolo. Leonardo di Giovanni Emo

Villa Mocenigo 1562

Villa Sarego Colguese 1562

Villa Sarego em Santa Sofia

1564–15691560 e 1570?

Santa Sofia di Pedemonte – Verona Marcantonio Sarego

Villa La Rotonda 1550? 1553?1560?1566 – Sudoeste de Vicenza.

Cónego Paolo Almerico de Vicenza.

Villa Trissino 1570

sobre a construção das villas. Estas, segundo o autor, eram apropriadas para os cavalheiros morarem e nelas administrarem seus próprios bens. Tinham, como peculiaridade, muito

esplendor, grandiosidade e comodidade. Para Palladio (1997, p. 122), “the city is nothing more or less than some great house and contrariwise, the house is small city”. Essa visão

combina com o conselho dado para a escolha do local apropriado às edificações, principalmente no tocante à escolha dos lugares para as cidades.

Com esse pensamento, Palladio projetou as villas. Ele considerava desagradável, e até inconveniente, que em uma construção muito grande houvesse salas e quartos pequenos, também o contrário, que em uma construção pequena houvesse dois ou três quartos que ocupassem o todo.

Dentre tantos conselhos deixados por Palladio no segundo livro de seu Tratado, estão suas recomendações para a construção dos edifícios públicos e das casas privadas. Diz ele que tais cuidados resultam em obra bela, graciosa e perpétua. É exatamente isso que Palladio transporta para os projetos nas suas villas.

Outro grande legado de Palladio são os palácios, os mosteiros, as igrejas e outros tipos de edificações, como pontes, praças, estradas e teatro. Ele tratou de todos estes em seus dois últimos livros – o terceiro e o quarto.

No terceiro livro, Palladio (1997, p. 161) dirige-se ao príncipe Emanuel Felisberto, para apresentar seu trabalho de arquitetura, assim:

Most serene Prince, since I must now send into the light a part of my work on architecture in which I have committed to drawing many of those superb and marvelous ancient buildings of which the remains are to be found in various parts of the Word, but in Rome more than in any other place.

Nesse discurso, Palladio garante ter sido Roma o lugar que ele pretendeu consagrar para a imortalidade.

Muitos dos projetos de Palladio ficaram inacabados, alguns por problemas financeiros do setor privado ou do público. Mesmo assim, todos mantiveram seu estilo, já que ele deixou seu registro em desenhos e arcabouços - a maioria deles em seu tratado de 1570.

No Livro II, Palladio (1997, p. 78) assegura: “despite the fact that some of the buildings designed here are not the long journeys that I made”. Os Quadros 2, 3 e 4 sintetizam os

NOME ANO DA CONSTRUÇÃO, LOCAL E PROPRIETÁRIO

Palazzo Thiene 1495

Em Vicenza

Palazzo dela Ragione 1549 inconclusa

Piazza dei Signori (Vicenza)

Palazzo Iseppo Porto 1549–1950

Contrada Porti 21(Vicenza) Palazzo Chiericati

1550–1551

Girolamo Chiericati Piazza Matteotti (Vicenza) Palazzo Antonini

1556

Via Palladio (Udine) Floriano Antonini Palazzo Valmara

1566

Stefano Valmara

Corso Fogazzao (Vicenza) Palazzo Schio

1565

Contrata San Marco (Vicenza) Bernardo Schio

Palazzo Barbarana

Palazzo Porto-Breganze Provavelmente do último ano da vida de Palladio

Piazza Catello (Vicenza)

Fonte: Palladio (1997); Wundram e Pape (2004)

Quadro 3 - Principais Igrejas e Mosteiros de Palladio

NOME ANO – PROPRIETÁRIO – LOCALIDADE

Santa Maria dela Carità

1561

Cónegos de Latrão

Accademia di Belli Arti (Veneza)

San Giorgio Maggiore 1565

Isola di san Giorgio (Veneza)

II Redentore 1576

Rio dela Crose (Veneza)

San Francesco della Vigna Entre 1562 e 1565

Campo di San Francesco dela Vigna (Veneza)

Tempietto Barbaro 1570

Em Maser (Treviso)

Fonte:Palladio (1997); Wundram e Pape (2004)

Quadro 4 - Outros tipos de edificações de Andrea Palladio

NOME ANO–PROPRIETÁRIO – LOCALIDADE

Loggia del Capitaniato 1571

Le Zitelle Participou pelo menos da fachada

Giudeca (Vicenza)

Teatro Olimpico 1580-último trabalho

Piazza Matteotti (Vicenza.

Palladio (1508 a 1580), a seguir mostraremos, em ordem cronológica, o esquema Mapa Biográfico (figura 5) que relaciona diversos fatos e dados significativos da sua trajetória.

Observando-se a cronologia da vida pessoal e profissional de Andrea Palladio, verifica-se que houve uma ascendência significativa para o brilhantismo de Palladio. O ápice de sua carreira deu-se entre 1537 e 1570, período sobre o qual há informações de que ele conseguiu projetar e construir cerca de quarenta vilas, em toda a região de Vêneto. O projeto do teatro Olímpico foi elaborado em 1580, ano de sua morte.

São vários os destaques de Andrea Palladio como arquiteto. Eles revelam uma competência ímpar do arquiteto para além de seu tempo. Tal consagração relaciona-se, entre outros motivos, com a capacidade que ele teve para escrever o tratado Quattro libri

dell’architettura (1570) e nele representar seus sonhos em seus designs, o que muito

diferenciou essa sua obra dos demais tratados já existentes, como o de Leon Battista Albert (1404-1472), o de Fra Giocondo (1511-1523), o do próprio Sebastiano Serlio (1537-1575) e de outros.

Com a morte de Palladio, em 1570, muitas obras ficaram inacabadas e, consequentemente, surgiram inúmeros questionamentos acerca dos projetos e desenhos nas edificações erguidas e nos desenhos das plantas baixas presentes nesse seu tratado, principalmente, em relação à matemática utilizada pelo arquiteto.

Por fim, estudiosos na atualidade de Palladio como Wassel (2008, p. 221), ao descrever a sua biografia e nela falar de sua ascensão profissional e sabedoria, diz acreditar que ele:

[…] certainly benefited from the renaissance of intellectual thought that surrounded

him in cinquecento Italy. The studies occurring in the various circles to which Palladio belonged over the years, such as those associated with Alvise Cornaro, Giangiorno Trissino, and Daniele Barbaro, were widely ranging. Through meticulous research in Rome and elsewhere, he was able to develop an authentic classical vocabulary from ancient and contemporary sources, which he incorporated with seemingly boundless care and ingenuity in order to design an impressively large number of exceptionally beautiful and sturdy buildings. In the final analysis, however, the exceptional beauty of his architecture depends on an inborn artistic ability that cannot be quantified or otherwise explained by the influences of those around him. There is a huge difference between classically true and truly beautiful,

and it is Palladio’s innate mastery of aesthetics that is his greatest legacy.

Para o autor, tudo isso se confirma pelo fato de o próprio Palladio ter sido, por vezes, de pedreiro, arquiteto, engenheiro arqueólogo a historiador da arquitetura.