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A Informação prestada por Promotores de Planeamento Fiscal Decreto-

3. Acesso pela Administração Tributária a Dados Fiscais na Posse de Outras

3.2. A Informação prestada por Promotores de Planeamento Fiscal Decreto-

O planeamento fiscal constitui uma realidade tributária que o legislador e o ordenamento jurídico colocam ao dispor dos contribuintes, na medida em que é lícito aos contribuintes escolher os meios e instrumentos que considerem mais vantajosos do ponto de vista fiscal306. Com efeito, o que o ordenamento jurídico procura é conferir aos contribuintes opções lícitas para que estes possam optar por determinado tipo de tributação, evitando que estes recorreram a mecanismos de evasão e fraude fiscal.

Nesta senda dogmática, o Tribunal Central Administrativo do Sul já veio afirmar que no planeamento fiscal “procura-se a minimização dos impostos a pagar de um modo totalmente legítimo e lícito, querido até pelo legislador, ou deixado à liberdade de opção do contribuinte, como sejam os benefícios fiscais e as alternativas fiscais (v.g.a decisão de tributação separada, ou conjunta, em sede de uniões de facto no I.R.S.; a opção pelo regime simplificado ou pela contabilidade organizada para a determinação do lucro tributável em sede de I.R.C.; a opção, ou não, pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades em I.R.C.) pelo que, dentro dos limites da lei e do direito, o sujeito passivo pode escolher as formas menos onerosas de tributação tendo como limite da sua pretensão minimizadora a fraude à lei”307.

O planeamento fiscal pode assim ser definido segundo os doutos ensinamentos

de JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, como “o conjunto de atos voluntários dos sujeitos

passivos tributários que, num quadro de licitude, têm por objetivo atingir um resultado de afastamento, desoneração ou diferimento fiscal”308.

Para SALDANHA SANCHES, o planeamento fiscal configura-se como uma “técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renúncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por

306 Cfr. JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, “Direito fiscal e autonomia da vontade. Do direito à livre planificação

fiscal”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Hörster, Almedina, 2012, p.1220.

307 Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 15/02/2011, processo n.º04255/10, Relator José

Correia, disponível em http://www.dgsi.pt, consultado a última vez em 17/01/2016.

308 Cfr. JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, “Direito fiscal e autonomia da vontade. Do direito à livre planificação

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acção intelectual ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais”309.

Como se vislumbra destas doutas considerações, o planeamento fiscal não constitui um conceito expressamente consagrado pelo legislador, constituindo, antes, produto do labor doutrinal no preenchimento das lacunas e dos espaços em branco deixados pelo legislador, sendo, deste modo, como refere JOAQUIM FREITAS DA

ROCHA “uma categoria meramente doutrinal ou lógica, um instituto implícito ou sub

silentio”310.

Deste modo, o planeamento fiscal concebe-se pelo que o legislador considera como factos tributários, sendo a fuga ao preenchimento destes factos tributários o que diferencia o planeamento fiscal de outros fenómenos tributários, como a evasão ou a fraude fiscal. Deste modo está assim na génese deste fenómeno justributário o princípio da tipicidade fiscal311 como corolário do princípio da legalidade fiscal.

O conceito de planeamento fiscal encontra-se frequentemente associado aos (conceitos) de evasão e fraude fiscal, configurando-se ambos como fenómenos jurídico-tributários que, contrariamente ao legalmente previsto, conferem ao contribuinte a possibilidade de desoneração ou diferimento do cumprimento das suas obrigações tributária, residindo o critério diferenciador na carga ética negativa que estes fenómenos (da evasão e fraude fiscal) assumem312. Neste sentido concordamos com a douta doutrina de JOAQUIM FREITAS DA ROCHA quando afirma que a o critério diferenciador entre planeamento fiscal, evasão e fraude fiscal surge na carga

309 Cfr. J.L. SALDANHA SANCHES, Os Limites ao Planeamento Fiscal, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p.21. 310 Cfr. JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, “Direito fiscal e autonomia da vontade. Do direito à livre planificação

fiscal”… op. cit. p.1223.

311 Sobre o princípio da tipicidade no Direito Fiscal, Cfr. SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal,

Almedina, 2011, p.287; ALBERTO XAVIER, Conceito e natureza do ato tributário, Almedina, 1972, pp.312 e seguintes; ANA PAULA DOURADO, O princípio da legalidade fiscal: tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação, Almedina, 2007, pp.319 e seguintes; CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL, Curso de Direito Fiscal – Vol.I, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal N.º124, 1982, pp.84 e seguintes.

312 Neste sentido Cfr. JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, “Direito fiscal e autonomia da vontade. Do direito à livre

planificação fiscal”… op. cit. p.1223. Já para autores como SALDANHA SANCHES e ANA PAULA DOURADO a evasão e fraude fiscal não se classifica pela sua carga de ilicitude, mas sim pelos atos voluntarios praticados pelo contribuinte, não respeitarem o espirito da lei. Neste sentido Cfr. ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 2015, pp.274 e seguintes; MARTA CALDAS, O Conceito de Planeamento Agressivo: Novos Limites ao Planeamento Fiscal?, Almedina, 2015.

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negativa atribuída aos conceitos, sendo que “no planeamento o grau de ilicitude é nulo, na evasão é moderado e na fraude é elevado”313.

Assim, e em respeito pelos princípios da segurança jurídica e da justiça fiscal no cumprimento dos substractos factológicos tidos como relevantes para efeitos fiscais, o legislador viu-se obrigado a combater estas realidades jurídicas314, principalmente através das vias legislativas, pelos quais consagrou, através do Decreto-Lei n.º 29/2008 de 25 de Fevereiro, o Regime Jurídico de Combate ao Planeamento Fiscal Abusivo. Este Decreto-Lei n.º29/2008, de 25 de Fevereiro, veio instituir deveres de comunicação, informação e esclarecimento aos promotores fiscais, obrigando-os a comunicar à administração tributária esquemas propostos ou atuações adotadas que tenham como finalidade, exclusiva ou predominante, a obtenção de vantagens fiscais em ordem ao combate ao planeamento fiscal abusivo.

O planeamento fiscal foi, neste regime jurídico, expressamente definido como “qualquer esquema ou atuação que determine, ou se espere que determine, de modo exclusivo ou predominante, a obtenção de uma vantagem fiscal por sujeito passivo de imposto” (cf. artigo 3.º alínea a) do Decreto-Lei n.º29/2008, de 25 de Fevereiro)315. Embora consista numa expressão eminentemente legal – e que, portanto, carece da necessária interpretação -, não poderemos, por razões de economia e coerência de discurso e de conteúdo, analisar no âmbito do presente trabalho nem a ratio deste diploma, nem a terminologia adotada pelo legislador (quando refere que o objeto do referido diploma é o combate ao planeamento fiscal abusivo), pois, como supra referimos, o planeamento fiscal é um fenómeno que nunca deveria ser combatido por razões de liberdade e de autonomia privada dos contribuintes, contrariamente aos fenómenos de evasão e fraude fiscais, uma vez que, ao violarem os princípios da

313 Cfr. JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, “Direito fiscal e autonomia da vontade. Do direito à livre planificação

fiscal”… op. cit. p.1223.

314 Já o planeamento fiscal não deve ser alvo de medidas restritivas pelo legislador, pois o planeamento licito surge

aqui como corolário do princípio da autonomia da vontade dos contribuintes, podendo estes dentro das alternativas que o ordenamento lhes atribui, escolher a via que considerem mais adequada aos seus interesses, sendo a licitude a pedra angular de todo este planeamento fiscal. Neste sentido Cfr. JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, “Direito fiscal e autonomia da vontade. Do direito à livre planificação fiscal”… op. cit. p.1230.

315 Cfr. CARLOS CUNHA DE SOUSA, O planeamento fiscal abusivo. O Decreto-Lei 29/2008 de 25 de Fevereiro

e os esquemas de planeamento fiscal abusivo, Working Papers TributariUM, 2012, disponível em http://tributarium.net/uploads/3/0/9/1/3091332/wp_2_carlos_cunha_de_sousa.pdf, consultado a última vez em 17/01/2016.

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segurança jurídica e justiça fiscal, contrariam os valores enformadores do Direito Tributário e Fiscal.

Interessa-nos assim, no âmbito do presente estudo, analisar primordialmente o papel que os promotores assumem nesta relação, nomeadamente no âmbito da promoção de esquemas que determinem o tratamento de dados que sejam relevantes para efeitos tributários, e que coloquem em causa a situação patrimonial ou pessoal dos contribuintes, afetando por isso o seu direito à intimidade.

Como consagrado neste regime jurídico, estes promotores devem informar a Administração Tributária - no prazo de 20 dias - dos esquemas em quem tenham participado e que envolvam a concretização de uma vantagem fiscal, devendo esta informação abranger informação pormenorizada sobre o esquema fiscal em causa (cf. artigo 7.º n.º2 do Decreto-Lei n.º29/2008, de 25 de Fevereiro). Assim, os dados que sejam relevantes para a conceção destes esquemas deverão ser cedidos por estes promotores, estando os mesmos como prescreve o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º29/2008, de 25 de Fevereiro, obrigados ao dever de confidencialidade sob os elementos comunicados ao abrigo do presente diploma legal, nos mesmos termos que a que estão sujeitos os agentes e funcionários da administração tributária conforme o estatuído no artigo 64.º da LGT.

Em suma, os promotores fiscais surgem aqui como agentes “extrafisco” que têm acesso a dados pessoais de natureza tributária e que estarão assim sujeitos ao dever de confidencialidade, de igual forma que os agentes e funcionários da Administração Tributária, não devendo revelar a terceiros nem utilizar os dados recolhidos para finalidades estranhas às inicialmente previstas. Acresce ainda que estes promotores funcionam como veículo na descoberta de situações que possam apresentar – ou que apresentem - um potencial esquema de evasão ou fraude fiscal, uma vez que, estes promotores fiscais encontram-se obrigados a comunicar estes esquemas à administração tributária.

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NOTAS CONCLUSIVAS

I. O acesso aos dados pessoais dos contribuintes surge como meio instrumental para a prossecução da busca da verdade material efetiva pela administração tributária nas relações jurídico-tributárias constituídas.

II. Este acesso aos dados pessoais dos contribuintes, encontra limite tanto do direito fundamental de reserva da vida íntima dos contribuintes - que funciona como limitação no acesso a estes dados pessoais por parte da administração tributária -, como no direito à autodeterminação informativa, normativamente consagrado na Lei de Proteção de Dados Pessoais.

III. O legislador consagrou a tutela dos dados tributários através de mecanismos de proteção direta - nomeadamente, através da estipulação de um dever de confidencialidade fiscal - e de proteção indireta - através da punição da violação daquele dever de sigilo com a aplicação de sanções administrativas ou penais. IV. O mecanismo de proteção direta surge assim com o dever de sigilo fiscal que

impende sobre os agentes e funcionários da administração tributária, configurando-se como a cara mais visível da administração tributária na proteção destes dados tributários dos contribuintes, e como um dos meios de primeira linha mais efetivos na proteção destes dados tributários dos contribuintes.

V. Os dados pessoais em matéria tributária são todas e quaisquer informações, quaisquer elementos informatizados, que expressem de alguma forma a situação patrimonial e tributária dos sujeitos passivos da obrigação de imposto, permitindo assim retratar a sua capacidade contributiva e a identificação individual do seu titular.

VI. Este meio de proteção como é o dever confidencialidade fiscal configure se como um meio instrumental na tutela dos dados pessoais dos contribuintes contra o acesso por terceiros, que à luz do princípio do arquivo aberto, constitucionalmente consagrado, pretendam consultar e aceder a estes dados

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