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A “Recolha” e a “Cessão" como Formas de Recolha Administrativa de Dados

A obtenção dos dados tributários pode ser conseguida através da sua cessão pelo sujeito passivo - quando este, em cumprimento das obrigações tributárias, entregue unilateralmente as informações e dados relevantes para efeitos fiscais - ou pela recolha “forçosa” pelos orgãos inspetivos da Administração Tributária - quando em situações patológicas da relação jurídica tributária, não seja possível o acesso a esses dados por motivos imputáveis ao contribuinte, nomeadamente, quando este dificulte o seu acesso ou o seu fornecimento seja realizado de modo pouco eficiente137. Deste modo, a cessão dos dados tributários verifica-se quando o sujeito passivo os disponibiliza unilateralmente e em conformidade com o estatuído nas leis

137 Cfr. CLEMENTE CHECA GONZÁLEZ, ISAAC MERINO JARA, “El derecho a la intimidad como límite a

las funciones investigadoras de la Administración tributaria”, in Anuario de la Facultad de Derecho, 1988, pp. 157 e seguintes.

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tributárias138. Conforme a sua origem na relação jurídico-tributária, esta cessão de dados pode ser classificada em: cessão direta, quando seja o sujeito passivo direto a ceder unilateralmente estes dados que sejam relevantes para efeitos tributários, ou;

cessão indireta, quando seja o sujeito passivo indireto a ceder estes dados à

Administração tributária (como ocorre nas situações de substituição tributária, onde o sujeito passivo obrigado a reter imposto, entrega voluntariamente dados que permitam aferir o preenchimento do substracto factológico relevante para as normas jurídico- fiscais).

Em contraposição, a recolha dos dados pessoais pressupõe a existência de situações em que o acesso a estes é feito de modo “forçoso” pela administração tributária, na medida em que os orgãos fiscalizadores da Administração Tributária irão obter junto do sujeito passivo todas estas informações que permitem verificar o cumprimento das obrigações tributárias e, por conseguinte, a verificação dos ilícitos tributários que devam ser punidos nos termos das leis jurídico-tributárias.

Deste modo, o critério diferenciador das formas de obtenção dos dados pessoais em matéria tributária reside na “voluntariedade” subjacente à obtenção dos dados pessoais do sujeito passivo pela administração tributária. Assim, um grau de voluntariedade elevado permitirá qualificar a obtenção dos dados pessoais como

cessão - na medida em que o sujeito passivo de forma voluntária cumpre a obrigação

declarativa a que está adstrito, transmitindo os dados pessoais à Administração Tributária -, enquanto um menor grau de voluntariedade levará os orgãos inspetivos e fiscalizadores da Administração a recolher os dados relevantes sem voluntariedade do sujeito passivo, levando a que essa obtenção seja denominada por recolha.

138 Entre esta cessão de dados pessoais feita de forma direta e voluntária, estará a título meramente exemplicativo a

entrega das declarações de rendimentos dos sujeitos passivos singulares, onde se poderá descortinar todos os rendimentos obtidos em território nacional pelos residentes, bem como a indicação de todos os gastos realizados que permitirão decifrar o estilo de vida do sujeito passivo sujeito à entrega da declaração acessória.

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DIVISÃO IV

A INFORMAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

E O DEVER DE CONTRIBUIR

1. A Preferência do Dever de Contribuir para as Necessidades Financeiras do Estado sobre o Direito à Reserva da Vida íntima

O dever de pagar impostos e o direito fundamental de reserva da vida íntima encontram consagração normativa na Constituição da República Portuguesa, proclamando-se como direitos consagrados e solidificados no ordenamento jurídico contemporâneo.

Em primeiro lugar, o dever de pagar impostos que se encontra estatuído no n.º1 do artigo 103.º da CRP, configura-se como um instrumento de promoção económica, de realização da justiça e de promoção social, na medida em que tem como desiderato, não só a arrecadação de receita para o Estado, mas também e tendencialmente cada vez mais outras finalidades como será a repartição da riqueza combatendo a disparidade de classes139. Já o direito à reserva da vida íntima e da proteção dos dados pessoais informatizados configuram-se como direitos fundamentais proclamados nos artigos 26.º e 35.º da CRP, como postulado da dignidade da pessoa humana plasmado no artigo 1.º da CRP, e como expressão dos Estados de Direitos Humanos140.

No entanto e como supra referimos, não se afigura possível vislumbrar qualquer imperativo constitucional na Constituição de 1976, que proclame qual dos direitos fundamentais terá primazia em detrimento dos demais direitos fundamentais.

139 Cfr. VITOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português… op. cit. pp.60 e seguintes; 140 Cfr. PAULO OTERO, Direito Constitucional Português – Vol.I, Identidade Constitucional, Almedina, 2010,

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Neste sentido não existe norma constitucional na qual se afigure qual a o direito fundamental que deverá prevalecer em detrimento do outro, uma vez que o ordenamento jurídico português não consagra uma hierarquia vertical em caso de conflito de direitos fundamentais.

Deste modo, a solução para a colisão entre estes direitos fundamentais deve passar pela harmonização de ambos os direitos em conflito, concretizada através da restrição proporcional de certos princípios constitucionais, a qual, como afirmam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA141, apenas poderá ser feita na medida adequada ao fim que se pretende atingir, tendo como desiderato a prossecução do interesse estadual quando seja estritamente necessário e na medida proporcional.

Com efeito, o dever de pagar impostos não se sobrepõe por completo ao direito fundamental de reserva da vida íntima dos sujeitos passivos, pelo que tal harmonização entre ambas as posições jurídicas deve comportar do ponto de vista do

sujeito ativo, a inexistência na Administração Tributária de poderes absolutos e

ilimitados na busca de dados que seja relevantes para efeitos tributários, enquanto do ponto de vista do sujeito passivo, a adstrição de comunicar os dados e informações que sejam revelantes para efeitos fiscais, de modo a poder ser atingida uma distribuição equitativa e justa na manutenção do sistema fiscal e dos gastos públicos enquanto bem jurídico constitucionalmente previsto142.

Pelo exposto, e não existindo norma no texto constitucional que permita identificar uma hierarquização vertical principiológica143, encontramos, segundo o entendimento do Tribunal Constitucional Espanhol144, uma colisão de direitos fundamentais, em que o direito à reserva da vida íntima ao ter como desiderato

141 Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada Vol. I, …op.

cit. p.392; em sentido idêntico Cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976… op. cit. p.267.

142 “En este sentido, la colisión entre el derecho fundamental a la intimidad personal y familiar (art. 18.1 CE) y el

deber constitucional de contribuir a los gastos públicos (art. 31.1 CE) implica la inexistencia, frente a la Administración tributaria u otros poderes públicos, de un pretendido derecho absoluto e incondicionado a la reserva de los datos económicos del contribuyente con trascendencia tributaria o relevancia fiscal que haga inoperante el deber tributario que el art. 31.1 de la Constitución consagra, pues ello impediría una distribución equitativa del sostenimiento de los gastos públicos en cuanto bien constitucionalmente protegido”. Cfr. Sentencia Tribunal Constitucional n.º212/2003 (Sala Segunda, Sección 3ª), de 30 de Junio de 2003, disponível em http://www.agpd.es consultado a última vez em 17/10/2015.

143 Cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, 4ª Edição,

Coimbra, Almedina, 2009, p.101.

144 Cfr. Sentencia Tribunal Constitucional n.º212/2003 (Sala Segunda, Sección 3a

ª, de 30 de Junio de 2003, disponível http://www.agpd.es, consultado a última vez em 17/10/2015.

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garantir o apartado da vida familiar e privada da vida das pessoas contra a ação de terceiros, não se afigura como ilimitado encontrando-se limitado por outros preceitos constitucionais, como serão os que estipulam o dever de contribuir e de pagar impostos, permitindo assim a manutenção do sistema fiscal.

Torna-se inquestionável que a transmissão de dados relativos à esfera da vida íntima dos sujeitos passivos importa um abalo considerável na sua esfera jurídica, podendo, no entanto, esta transmissão ou cessão ser legítima - e lícita – se se afigurar necessária às finalidades que a Administração Tributária prossegue. Configurando-se os dados pessoais tributários como um instrumento necessário, não só para uma distribuição justa e equitativa dos encargos fiscais, mas também para uma gestão eficiente do sistema fiscal, torna-se imprescindível a restrição parcial do direito fundamental à reserva da vida íntima - sempre na medida do essencial e do adequeado – com vista a atender ao superior interesse estadual, como é a manutenção do sistema social e das atividades que o Estado deve prosseguir na prossecução do interesse público.

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