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O dever de confidencialidade fiscal encontra-se consagrado no artigo 64.º da LGT, prescrevendo que os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados que reflitam a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado. Numa dimensão objetiva, este dever de confidencialidade ou sigilo fiscal, configura-se em relação à tutela dos “dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes” e aos “elementos de natureza pessoal”263.

Resultam assim desta estatuição normativa, dois elementos fulcrais que exteriorizam o objeto do dever de confidencialidade fiscal, nomeadamente: o elemento

pessoal, uma vez que aquela confidencialidade visa a tutela das situações pessoais dos

contribuintes, designadamente, dos dados que digam respeito à intimidade da vida íntima e aos interesses pessoais daqueles; e ainda o elemento patrimonial, pelo qual também se pretende tutelar os dados que digam respeito às relações patrimoniais dos contribuintes, quando sejam suscetíveis de identificar com precisão e de forma individualizada os sujeitos passivos.

Neste contexto, será relevante trazer à colação o princípio da igualdade e da capacidade contributiva em conjugação com o direito à reserva da vida íntima, uma vez que recorrendo a este princípio enformador do direito fiscal, é possível determinar com exatidão o objeto e o critério delimitador do dever de sigilo fiscal, bem como os limites do acesso aos dados pessoais por terceiros. Nas palavras de PAMPLONA

CORTE-REAL, BACELAR GOUVEIA e JOAQUIM PEDRO CARDOSO DA COSTA264

“[h]á, pois, que fazer a conjugação do princípio da confidencialidade fiscal com a proteção legal dos dados ditos pessoais, buscando no recurso à noção de capacidade

263 Cfr. JOSÉ ORTIZ LIÑÁN, Derecho y Garantías del Contribuyente ante la utilización por la Hacienda Pública

de sus datos personales… op. cit. p.15.

264 Cfr. PAMPLONA CORTE-REAL, JORGE GOUVEIA, JOAQUIM PEDRO CARDOSO DA COSTA, “Breves

reflexões em matéria de confidencialidade fiscal”, in Revista de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 368, Boletim da Direcção- Geral das contribuições, 1992, pp.18 e seguintes.

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contributiva e de personificação dos dados o critério delimitador do objeto de sigilo fiscal”.

Em primeiro lugar e como vimos supra, o princípio da capacidade contributiva visa prosseguir a justa e eficiente distribuição contributiva na repartição da carga fiscal, encontrando-se os contribuintes sujeitos a contribuir para os encargos e para a manutenção do sistema fiscal dentro das suas possibilidades e conforme a capacidade económica de cada um, fixando-se assim um crit rio de igualdade e de justiça que se projeta na proporcionalidade da justiça distributiva. Assim, e como decorre deste princípio enformador do Direito Tributário e Fiscal, a capacidade contributiva é um princípio com caráter eminentemente quantitativo, mas também qualitativo do sujeito passivo, pois permite aferir, em termos qualitativos, se o sujeito passivo possui ou não disponibilidade económica para suportar o cumprimento de obrigações tributárias, e, em termos quantitativos, adequar a medida da tributação à maior ou menor capacidade económica do contribuinte.

Pelo exposto, afere-se que o princípio da capacidade contributiva tende a ser um elemento individualizador, pois cada contribuinte manifesta individualmente a sua capacidade económica, sendo através do recurso a este princípio jurídico possível aferir a identidade do sujeito ou a sua disponibilidade financeira através do conhecimento da capacidade contributiva.

Deste modo, o legislador hodierno ao prescrever no artigo 64.º da LGT que estão sujeitos ao dever de confidencialidade fiscal os “dados recolhidos sobre a

situação tributária dos contribuintes”, isto é, que tenham a virtualidade de identificar

e a individualizar, não só o contribuinte, mas também o seu estilo de vida, sendo portanto necessário a sua sujeição a tutela265.

Em segundo lugar, o direito fundamental de reserva da vida íntima, não se configura como um direito fundamental com efeitos jurídicos homógenos. Pelo contrário, este direito fundamental encontra patamares distintos onde a sua tutela

265 “Em suma, todos os elementos dos quais seja possível aferir da capacidade contributiva do contribuinte são,

necessariamente, sigilosos. De tais elementos podemos desde logo destacar as informações relativas aos rendimentos de que o contribuinte e titular, às deduções e despesas que efetue, aos moveis ou imóveis de que seja proprietário, a existência ou não de débitos ou créditos fiscais, o tipo e valor de bens e serviços produzidos, bem como a própria declaração de rendimentos a que este esta obrigado e que visa possibilitar o apuramento da obrigação de imposto”. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16/12/2015, Processo n.º478/13, Relator Nuno Ribeiro Coelho, disponível em http://www.dgsi.pt, consultado a última vez em 20/12/2015.

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encontra diferentes aplicações distintas. Verifica-se assim que o direito fundamental de reserva da vida íntima pode aqui ser decomposto em várias patamares ou como a doutrina designa, por esferas, gozando assim de diversos níveis de intensidade266, sendo que nem todos os dados gozarão de intensidade suficiente que mereça a tutela do ordenamento.

Deste modo, nem todos os dados e informações estarão sujeitos a tutela, uma vez que a intensidade de aplicação do dever de reserva da vida íntima não é uniforme, sendo menor nos casos em que os factos e dados da vida privada se encontram colocados na esfera pública, designadamente, quando constituam dados que se encontram em bases de dados de acesso público ou que sejam facilmente cognoscíveis; num nível intermédio de intensidade estarão as informações mais sensíveis ao conhecimento por terceiros, mas que poderão ser conhecidas por não revelarem dados que digam respeito à esfera mais íntima dos sujeitos; por último será num circulo mais resguardado onde o direito fundamental à reserva da vida íntima será jurídicamente relevante, situando-se neste patamar os dados que digam respeito aos elementos pessoais e patrimoniais que façam parte da esfera mais íntima do contribuinte, devendo os mesmos ser objeto de tutela efetiva por parte do direito267.

Assim, do ponto de vista objetivo, o que será relevante não é a proteção dos dados em si, mas sim, como afirma ABÍLIO MORGADO268, daqueles dados que exteriorizam informações dos contribuintes, como a sua situação patrimonial, e que, por conseguinte, permitam aferir em termos mais ou menos precisos a capacidade contributiva e assim as informações sobre a intimidade e a vida privada dos contribuintes, devendo estes dados ser enquadrados no objeto da tutela do dever de confidencialidade fiscal (como será a título de exemplo, as declarações de IRS dos contribuintes, ou o conhecimento dos créditos que o contribuinte dispõe)269.

266 Cfr. Acórdão n.º278/95, do Tribunal Constitucional, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt,

consultado a última vez em 20/12/2015.

267 Cfr. RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995,

pp.336 e seguintes.

268 Cfr. ABÍLIO MORGADO, “O Sigilo Fiscal”, in Ciência e Técnica Fiscal - n.º 414, Julho / Dezembro - 2004,

Centro de Estudos Fiscais - Direção Geral dos Impostos… op. cit. p.21,

269 Neste sentido também o Supremo Tribunal Administrativo afirmou que “São abrangidos pelo sigilo fiscal os

dados de natureza pessoal dos contribuintes e os dados expressivos da sua situação tributária, os quais só podem ser revelados nos casos expressamente previstos na lei, para responder a um motivo social imperioso, e só na medida estritamente necessária para satisfazer o equilíbrio entre os interesses em jogo. Poderão, contudo, ser revelados os dados pessoais livremente cognoscíveis ou os dados que não reflitam nem denunciem minimamente a situação

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