• Nenhum resultado encontrado

4. Fundamentos Constitucionais do Dever de Confidencialidade Fiscal

4.1. Princípio da Segurança Jurídica

O homem, na velha máxima aristotélica, como ser racional e social, carece de relacionar-se socialmente com os demais seres humanos, encontrando-se nesta necessidade o fundamento da ordem jurídica e das normas jurídicas como meio de regular a vida em sociedade, a fim de manter a ordem social. No entanto, e no que diz respeito às normas jurídicas vigentes numa ordem jurídica, o homem necessita de segurança com o fim de planificar e conduzir os seus atos e comportamentos, configurando-se aqui o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança como um elemento essencial na ordem jurídica atual, uma vez que permite aos

143

cidadãos confiar nos seus atos e na produção dos efeitos jurídicos que as normas jurídicas vigentes no momento permitiam produzir219.

O princípio do Estado de Direito configura-se no ordenamento jurídico hodierno, como um dos modelo social que propicia a efetividade das suas normas jurídicas e a salvaguarda dos direitos dos cidadãos como destinatários destas normas jurídicas220, constituindo o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, como um princípio enformador chamado a integrar o princípio do Estado de Direito221. Com o advento do Estado de Direito democrático, o princípio da segurança jurídica traduz o seu modelo social numa síntese axiológica e numa “pluralidade de princípios que revelam uma integral subordinação do poder à juricidade”222, oferecendo “um quadro rigoroso, no qual se manifestam em simultâneo, certeza, compreensibilidade, razoabilidade, determinabilidade, estabilidade e previsibilidade”223.

Do ponto de vista objetivo, a segurança jurídica e a proteção da confiança correspondem a um conjunto de requisitos que as normas jurídicas devem respeitar, nomeadamente: a certeza, que se funda no conhecimento e na estabilidade das normas aplicáveis, da sua vigência e dos efeitos que elas mesmo produzem; a

compreensibilidade das normas jurídicas, devendo estas ser claras nas expressões e na

suscetibilidade de compreensão dos seus destinatários médios; a razoabilidade das mesmas, na medida em que estas devem ser razoáveis em toda a ordem jurídica, sendo coerentes na vigência interna das normas; a determinabilidade, devendo estas ser precisas e suficientemente densas de modo a que permitirem identificar o seu conteúdo normativo224; a estabilidade, devendo estas ser suficientemente estáveis, ou

219 Cfr. J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição… op. cit. pp.257 e seguintes. 220 Cfr. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Direitos Fundamentais Tomo IV, 5ª Edição,

Coimbra Editora, 2012, pp.310 e seguintes; PAULO OTERO, Direito Constitucional Português – Vol.I, Identidade Constitucional, Almedina, 2010, pp.51 e seguintes.

221 Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13/11/2007, processo n.º 0164A/04, Relator São Pedro,

disponível em http://www.dgsi.pt, consultado a última vez em 27/04/2016.

222 Cfr. PAULO OTERO, Direito Constitucional Português – Vol.I… op.cit. pp.85 e seguintes.

223 Cfr. JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito Constitucional, Volume II, 4ª Edição, Coimbra,

Almedina, 2011, pp. 821 e seguintes.

224 Para GOMES CANOTILHO “o princípio da determinabilidade das leis, reconduz-se, sob o ponto de vista

intrínseco, a duas ideias fundamentais. A primeira é a da exigência de clareza das normas legais, pois de uma lei obscura ou contraditória pode não ser possível, através da interpretação, obter um sentido inequívoco capaz de alicerçar uma solução jurídica para o problema concreto. A segunda aponta para a exigência da densidade suficiente na regulamentação legal, pois um ato legislativo (ou um ato normativo em geral) que não contém uma disciplina suficientemente concreta (=densa, determinada) não oferece uma medida jurídica capaz de: (1) alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos; (2) constituir uma norma de atuação para a administração; (3)

144

seja, ter um período temporal mínimo de permanência, isto é, de vigência, que garanta que os atos a praticar pelos sujeitos tenham os efeitos jurídicos esperados por estes no momento da prática dos mesmos; a previsibilidade, na medida em que permite a previsão dos efeitos jurídicos decorrentes dos atos jurídicos praticados pelos sujeitos225.

Já num panorama subjetivo, a segurança jurídica e a proteção da confiança conduz-se à tutela da confiança que os cidadãos colocam nos atos do poder político e que digam respeito à sua esfera jurídica, ficando o poder Estadual e a atividade da Administração Pública em geral, vinculados ao dever de boa-fé nas suas atuações226.

Atento os condicionalismos expostos, o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança constitui aqui - como sustenta a doutrina alemã, já o tem sustentado -, uma das géneses do dever de confidencialidade fiscal, resultando patente a ideia que o princípio do Estado de Direito configura-se como a adstrição do poder Estadual à juridicidade, na medida em que aos cidadãos é atribuído o direito de prever os limites até onde o Estado pode atuar no âmbito das suas tarefas e atuações. Deste modo, o dever de confidencialidade surge como consequência do direito de controlo que os cidadãos têm relativamente ao acesso aos dados que cedem à Administração Tributária, limitando esta na sua utilização, sendo, nomeadamente, proibida a utilização e o tratamento discricionários dos mesmos, e encontrando-se o seu tratamento balizado pelos limites legais impostos pela ordem jurídica227.

Segundo JOSÉ ORTIZ LIÑÁN, o fundamento que está na génese deste dever de sigilo encontra-se, numa primeira abordagem, na proteção dos interesses do sujeito passivo sobre o qual se projeta a transcendência dos gastos públicos, que, através do mesmo (ou seja, do sigilo fiscal), recebe em contrapartida a segurança das

possibilitar, como norma de controlo, a fiscalização da legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos”. Cfr. J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição… op. cit. p.258, (Itálico no original); Ver também o Acórdão n.º285/92, de 17 de Agosto, do Tribunal Constitucional, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19920285.html, consultado a última vez em 7/12/2015.

225 Para GOMES CANOTILHO “a segurança e a proteção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza,

racionalidade e transparência dos atos do poder; (2) de forma quem em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos sus próprios atos”. Cfr. J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição… op. cit. p.257.

226 Cfr. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Direitos Fundamentais Tomo IV… op .cit. pp.312 e

seguintes.

227 Cfr. JOSÉ CALDERÓN CARRERO, El derecho de los contribuyentes al secreto tributário, Fundamentación y

145

informações (sobre si) que facultou, na medida em que apenas serão utilizados para as finalidades que foram recolhidas

Enquanto produto do advento do Estado de Direito, também o dever de confidencialidade é sofre influência do princípio da confiança e da segurança jurídica, na medida em que também as atuações da Administração Tributária no âmbito do acesso e tratamento dos dados pessoais se encontram limitadas e balizadas pela lei, proibindo-se assim que os atos praticados pela Administração coloquem em causa a esfera jurídica dos contribuintes.

Deste modo, a proteção que deriva do direito à confidencialidade fiscal é assim uma consequência do direito que o contribuinte goza em relação aos dados pessoais cedidos, na medida em que a informação que está na posse da Administração Tributária não pode ser tratada de forma discricionária, tutelando-se, assim, as expectativas jurídicas criadas pelos contribuintes no momento em que os cederam, lesando-se assim a confiança neste tratamento dos dados pessoais fora destes casos em que o tratamento é feito em desconformidade com a finalidade para que foram recolhidos228.

Documentos relacionados