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2. A Figura Jurídica dos Dados Pessoais

2.2. Conceito de Dados Pessoais em Matéria Tributária

A figura dos dados pessoais encontra-se consagrada no n.º2 do artigo 35.º da CRP, estatuindo que “A lei define o conceito de dados pessoais”, remetendo assim para o legislador ordinário a tarefa de definir o que deve ser considerado como dados pessoais. Nesta senda, o legislador ordinário por força deste normativo constitucional e da obrigatoriedade na transposição da Diretiva 95/46/CE, veio definir como dados pessoais “qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável, sendo considerado identificável todo aquele que possa ser reconhecido, direta ou indiretamente, nomeadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social” (cf. artigo 3.º da LPDP).

Quanto à sua aplicabilidade em matéria tributária, já vimos que o legislador português omitiu por completo a matéria relativa ao tratamento de dados tributário, não estatuindo esta matéria nas leis tributárias aprovadas em 1998 e 1999, como foram respetivamente a LGT e o CPPT116, apesar dos já existentes pleitos que levaram a PGR a emitir diversos pareceres sobre a proteção de dados pessoais em matéria fiscal. Assim, não encontramos na LGT qualquer definição do que deve ser considerado como “dados pessoais ou dados tributários”, sendo à luz do artigo 2.º alínea c) da LGT, aplicável a definição consagrada tanto na alínea a) do artigo 3.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, que aprovou a Lei de Proteção de Dados Pessoais (LPDP), como na Lei de Acesso a Documentos Administrativos (LADA) aprovada pela Lei n.º Lei n.º

116 Contrariamente o legislador Espanhol, consagrou na Ley General Tributária de 2003, uma regulamentação

específica no tratamento de dados pessoais em matéria fiscal, sendo esta previsão normativa, consagrada nos arts.92.º e seguintes da Ley General Tributária Espanhola.

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46/2007, de 24 de Agosto (uma vez que nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 4.º da LADA, são considerados como documentos administrativos enquadráveis por isso nas atividades da Administração Tributária).

Em matéria fiscal, o conceito de dados pessoais tem sido objeto de consideração doutrinal e jurisprudêncial, sendo uma matéria que acaba de assumir grande preponderância na prática fiscal, nomeadamente em matéria de confidencialidade fiscal a que os agentes e funcionários da Administração Tributária estão adstritos. Neste sentido e no âmbito do dever de confidencialidade fiscal, veio o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República definir como dados pessoais em matéria tributária “quaisquer informações, quaisquer elementos informatizados, que reflitam de alguma forma a situação patrimonial dos sujeitos passivos da obrigação de imposto”.

Entre nós, PAMPLONA CORTE-REAL, BACELAR GOUVEIA e JOAQUIM CARDOSO DA COSTA117 são pelo entendimento de que os dados fiscais pessoais sujeitos a sigilo serão aqueles “dados de natureza pessoal (…) cujo teor possa retratar, de algum modo, a capacidade contributiva dos cidadãos”. Ou seja, são dados pessoais em matéria tributária todas e quaisquer informações - em suporte físico ou informatizado - que expressem de alguma forma a situação patrimonial e tributária dos sujeitos passivos da obrigação de imposto, permitindo assim retratar a sua capacidade contributiva118, podendo esta reportar-se tanto a pessoas singulares como a pessoas coletivas (enquanto sujeitos adstritos ao cumprimento de obrigações fiscais)119.

Estarão aqui em causa aqueles dados que podem ser configurados como ínsitos na esfera mais íntima e resguardada dos contribuintes, colidindo portanto o direito

117 Cfr. PAMPLONA CORTE-REAL, BACELAR GOUVEIA, JOAQUIM PEDRO CARDOSO DA COSTA,

“Breves reflexões em matéria de confidencialidade fiscal”… op. cit. p.18.

118 Cfr. Parecer n.º 20/94, de 9 de Fevereiro, do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República,

disponível em http://www.dgsi.pt/, consultado a última vez em 20/04/2015.

119 De acordo com a Comissão de Acesso a Documentos Administrativos (CADA), “Entende-se que as informações

e a certidão solicitados (declaração de rendimentos e liquidação de impostos), relativos à situação tributária de contribuintes, respeitam a dados pessoais, pertencentes à intimidade da vida privada, sobre os quais recai um dever de reserva (...) por parte da Administração (artigo 64.º, nº 1 da LGT), uma vez que dizem respeito à intimidade da vida privada de certos contribuintes.” Cfr. Parecer n.º316/2008, processo n.º450/2008, de 17 de Dezembro de 2008, disponível em http://www.cada.pt/uploads/Pareceres/2008/316.pdf, consultado a última vez em 22/10/2015, (interpolação nossa); veja-se também a título de exemplo os pareceres da CADA n.º 79/2004, n.º198/2007, n.º241/2007 e n.º 316/2008, todos disponíveis em http://www.cada.pt

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fundamental à reserva da vida íntima120 com o direito ao arquivo aberto, consagrados constitucionalmente nos artigos 26.º e 268.º da CRP, respetivamente.

A atividade administrativa é, como estudaremos infra, pública e de livre acesso, não obstante as ressalvas existentes que devem existir. Neste sentido, determinou o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no seu Parecer n.º 20/94, de 9 de Fevereiro, que “em matéria relativa a elementos detidos pela Administração o princípio é o de livre acesso; porém, em determinadas áreas sensíveis vigora o princípio inverso, a proibição de acesso salvo se e na medida prevista em ‘lei’, que respeite e hieraquize os interesses em jogo”121[sic], sendo um destes campos o princípio à reserva da vida íntima dos sujeitos passivos da relação jurídica tributária.

Do exposto, resulta que a aplicação dos dados pessoais pela administração tributária, e por conseguinte o direito de terceiros poderem aceder a estes por força expressa do direito fundamental de acesso aos dados administrativos, podem ocasionar a colisão entre os direitos fundamentais consagrados aos vários sujeitos da relação tributária, configurando-se a harmonização destes direitos como necessária, uma vez que os dados pessoais surgem como instrumento essencial na busca da verdade material pela administração tributária, configurando-se assim como um meio necessário para uma boa gestão do sistema fiscal.

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