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Os sistemas de gestão fiscal dos Estados contemporâneos, assentam numa tendencial “privatização” levada a cabo pela transferência de poderes tributários aos contribuintes, de modo concretizar a eficiência do sistema fiscal através da utilização do potencial privado nas atividades públicas correlacionadas com a atividade fiscal, alterando assim do arquétipo da relação jurídica, o simples binómio “sujeito passivo- Administração Tributária”. Através desta conceção sócio-personalista73, são atribuídos efeitos legais às declarações dos contribuintes, aos elementos contabilisticos, e aos atos praticados pelos privados que tenham relevância para efeitos fiscais, sendo este fenómeno jurídico-tributário, designado pela doutrina como “privatização do sistema fiscal”74. No essencial, esta privatização do sistema de gestão fiscal foi levada a cabo através da deslocação de tarefas de gestão fiscal para a esfera jurídica dos privados, passando estes a encontrar-se adstritos ao cumprimento legal destas tarefas, concretizando o problema que se vinha colocando em causa na massificação das relações intersubjetivas constituídas entre os obrigados tributários e a administração tributária.

Foi devido a esta obrigatoriedade de resposta, que se afigorou necessário adotar mecanismos que possibilitassem a resposta tempestiva a todas estas relações tributárias legalmente constituídas, permitindo assim a emissão de atos tributários, que apesar de terem natureza meramente declarativa na constituição da relação

intersubjetivas entre a administração tributária e o contribuinte75, surgem como

73 Identificando as diversas conceções que o legislador fiscal veio adotar no desenvolvimento dos sistemas de

gestão fiscal, nomeadamente desde uma conceção clássica onde o contribuinte era visto como sujeito no qual o poder discricionário do Estado-financeiro, podia de forma arbitrária sujeitar ao cumprimento de obrigações fiscais, até uma conceção social, onde o contribuinte é elemento axial da relação jurídico-tributária, sendo tributado conforme os níveis de capacidade contribuiva que demonstre em relação aos factos tributários, Cfr. VITOR FAVEIRO, O Estatuto do Contribuinte… op. cit. p.87 e seguintes.

74 Sobre o estudo da privatização do sistema fiscal, Cfr. HUGO FLORES DA SILVA, Privatização… op. cit.,

pp.210 a 216; J. L. SALDANHA SANCHES, “Do Ato à Relação: o Direito Fiscal entre o Procedimento Administrativo e a Teoria Geral das Obrigações”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles, I Volume, Coimbra, Almedina, 2002, pp.853 e seguintes; VITOR FAVEIRO, O Estatuto do Contribuinte… op. cit. p.207 e seguintes;

75 Sobre a natureza do ato tributário, Cfr. ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Ato Tributário, Coimbra,

Almedina, 1972; HUGO FLORES DA SILVA, A privatização do Sistema de Gestão Fiscal… op. cit. pp.118 e seguintes; J. L. SALDANHA SANCHES, “Do Ato à Relação: o Direito Fiscal entre o Procedimento Administrativo e a Teoria Geral das Obrigações”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão

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condição sine quo non na definição dos pressupostos de certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação tributária.

Foi com esta intervenção dos privados, que o legislador conseguiu combater esta massificação das relações jurídicas, passando estes a intervir na emissão dos atos tributários que outrora competia à administração tributária, sendo esta intervenção da administração apenas subsidiária e em regra nas situações patológicas da relação tributária.

Mas a adoção de meios automatizados pelos órgãos fiscais permitiu a simplificação dos procedimentos de recolha dos dados tributários, bem como a simplificação na emissão da decisão tributária, sendo a desburocratização destes procedimentos um ativo na gestão da atividade fiscal e na prossecução da verdade material efetiva na tributação76.

Deste modo, pretendeu-se lograr com este processo de desburocratização – adotando meios automatizados e simplificados – a emissão de resposta, em tempo útil, à grande complexificação e evolução das relações jurídicas tributárias, conferindo meios que permitissem, nomeadamente: “a) disponibilização de métodos de recolha de informação fiscal pela via eletrónica em igualdade com outros procedimentos existentes; b) Aceitação do pagamento eletrónico; c) Reaproveitamento da informação de natureza fiscal, para evitar a repetição do pedido da mesma informação ao cidadão e às empresas; d) Promoção, como dever aceite pelo Estado, do acesso universal aos novos meios de comunicação; e) Adoção de uma política de segurança da informação na transferência eletrónica de informação; f) Apoio ao delineamento de uma política comunitária de não discriminação entre os diversos tipos de suportes de informação (v. g. livros e CD-ROM)”77.

Teles, I Volume, Coimbra, Almedina, 2002, pp.853 e seguintes; Idem, J. L. SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária… op. cit. pp.153 e seguintes; SOARES MARTINEZ, Manual de Direito Fiscal… op. cit. pp.179 e seguintes.

76 Também a Resolução do Conselho de Ministros n.º119/97, concluiu que o objetivo passava “sem aumentar

globalmente impostos (e, procurando, quando possível, a sua redução seletiva), aumentar a justiça e a consequente luta contra a desigualdade no sistema fiscal, dando prioridade à luta contra a fraude e a evasão, sustentando o rigor e a eficiência na ação da administração fiscal, intensificando a generalização do recurso às novas tecnologias de informação e combatendo práticas permissivas” (sublinhado nosso). Cfr. Resolução do Conselho de Ministros n.º119/97, de 14 de Julho; ALBERTO ANGULO CASCÁN, La Administración fiscal eletrónica, Madrid, Marcial Pons, 2004, p.20; Cfr. também J. L. SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária… op. cit. p.189; HUGO FLORES DA SILVA, A privatização do Sistema de Gestão Fiscal… op. cit. p.335.

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É ainda é de vislumbrar, o alargamento da rede RITTA na medida em que este sistema apenas conectava inicialmente 30 repartições fiscais, tesourarias da fazenda pública, direções distritais de finanças, entre outros, sendo alargado para 400, e tendo também sido criado a repartição virtual das finanças e a sua interconexão com os sistemas atualmente de grande relevo como é a ATM.

Constituiu assim uma preocupação adicional do Estado, promover a desmaterialização dos procedimentos entre os cidadãos e o orgãos do Estado, na medida em que foram sucessivamente criados, medidas que permitissem uma comunicação mais célere e eficiente entre os contribuintes e a administração tributária, sendo neste domínio instituída uma relação cada vez mais pautada pela utilização da informática e das novas tecnologias, passando a recolha e a transmissão de dados relevantes para efeitos fiscais, a ser feitos com recurso a estes meios automatizados78.

Este novo paradigma de simplificação e informatização veio influir nas relações jurídico-fiscais instituídas, alterando, entre outros aspetos, o próprio modo de cumprimento das obrigações acessórias – destacamos, a título meramente exemplificativo a forma como, exclusivamente de modo eletrónico, devem ser emitidas e entregues as faturas a que dizem respeito a alínea a) do n.º1 do artigo 115.º do CIRS, situação em que a utilização de meios eletrónicos para a referida finalidade permite “simplificar e diminuir os custos de cumprimento das obrigações fiscais pelos contribuintes, bem como maximizar as vantagens da utilização das tecnologias da informação”79.

Outra das inovações que veio simplificar a relação entre o contribuinte e a Administração Tributária prende-se com a implementação do sistema IES, que permitiu, de forma totalmente desmaterializada, a entrega das obrigações declarativas de natureza contabilística, estatística e fiscal pelos obrigados tributários80.

Em suma, a recolha de dados pessoais que tenham relevância para efeitos fiscais, tais como informações contabilísticas, comunicação de atos jurídicos, ou a

78 “A relação entre os contribuintes e a Administração Tributária passou, cada vez mais, a processar-se por via

eletrónica, sendo os dados recebidos tratados a esse nível, com recurso a sistemas cada vez mais sofisticados”. Cfr. ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS, e CLOTILDE CELORICO PALMA, “A Administração Tributária e os sistemas de informação – entre transparência e proteção do sigilo fiscal”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Coimbra, Ano 5, n.º4, inverno, 2013. p.147.

79 Cfr. Prêambulo da Portaria n.º338/2015, de 8 de Outubro, que aprovou os modelos de fatura emitida com

preenchimento eletrónico, a que diz respeito a alínea a) do n.º1 do artigo 115.º do CIRS.

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comunicação de gastos de dedutíveis em sede de IRS, tem vindo cada vez mais a ser conseguida através da adoção destes meios automatizados, sendo assim facilitado o acesso a estes dados necessários à prossecução da atividade da Administração tributária.

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