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Etapa 5: Explanação dos resultados da investigação Correspondeu à fase conclusiva com a redação da versão final da dissertação contendo o processo e os

2. A DEMOCRATIZAÇÃO DO PLANEJAMENTO URBANO: PLANOS DIRETORES E O PROTAGONISMO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL

2.6 A institucionalização da participação social

Dentre as possíveis abordagens apresentadas, vamos ressaltar aquelas relacionadas aos marcos da gestão democrática da cidade, comprometidas com o ideário da Reforma Urbana e tendo na participação social o elemento central que diferencia das demais representações. Nos tópicos seguintes da dissertação buscamos construir um campo mais seguro para tratar o conceito de Participação Social. Por enquanto vamos nos limitar a apresentar os caminhos que trouxeram a participação social para o lugar de protagonista no planejamento urbano e, de forma mais ampla, no cenário político nacional.

Como já colocado anteriormente, o Brasil assistiu, a partir da década de 80, importantes transformações na prática do planejamento urbano e de seus instrumentos. Estas modificações só ocorreram dinamizadas pela inserção de diversos segmentos sociais que foram, historicamente, colocados à margem dos processos políticos e decisórios do país. A bandeira da Reforma Urbana, a Constituição de 1988, o Estatuto da Cidade, o Ministério das Cidades, os planos diretores participativos são, portanto, produtos de uma esfera política de discussão que teve nos movimentos sociais urbanos sua origem.

A participação da sociedade nos processos de discussão, elaboração, deliberação e gestão nas ações do poder público, de uma forma geral, foi a principal reivindicação dos segmentos que atuaram no turbulento processo de redemocratização do Brasil a partir da

década de 80. A Constituição de 1988, que descentralizou as políticas públicas e outorgou aos municípios lugar privilegiado dentro da estrutura federativa, estabeleceu novos marcos para os movimentos sociais que passaram a lutar na esfera nacional pela regulamentação de uma política nacional de desenvolvimento urbano, e na esfera municipal pela conformação de espaços mais definidos para o exercício da participação social no cenário político local. O princípio fundamental era que, por estarem mais próximas aos cidadãos e de seus problemas concretos, as esferas locais do Estado poderiam dar respostas efetivas para as demandas e interesses sociais a partir de um novo arranjo institucional.

Assim, através da constituição de espaços institucionais de participação social, especialmente em nível local, esperava-se um avanço positivo no processo de democratização, qualificando esta participação para além da democracia representativa tradicional, que se restringia às eleições livres, à liberdade de organização partidária e à liberdade de expressão. Os conceitos de participação e descentralização eram, portanto, os elementos centrais nesta nova relação democrática que se pretendia estabelecer entre a sociedade civil e o Estado.

Com a descentralização, algumas municipalidades aproveitando-se de contextos favoráveis – sobretudo no que se refere aos arranjos políticos e as correlações de poder locais - estabeleceram iniciativas pioneiras que se tornaram emblemáticas ao processo de democratização das políticas públicas, como por exemplo o PREZEIS7 de Recife, as AEIS8 de Diadema, o PROFAVELA9 de Belo Horizonte e o Orçamento Participativo de Porto Alegre.

Nos últimos anos da década de 80, o Brasil apresentava um quadro de modificações lentas e graduais em sua estrutura social, que ainda timidamente começava a consolidar laços de associativismo e criar organizações populares. Nesta dinâmica a sociedade civil através de sujeitos coletivos passava a requerer os direitos básicos de cidadania e o direito à cidade. O associativismo civil - mais forte em algumas cidades e bairros - não chegou a conformar uma rede representativa (tanto quantitativa quando qualitativamente) e apresentou, por isso, uma influência ainda restrita no equilíbrio da correlação de forças

7 Plano de Regularização de Zonas Especiais de Interesse Social de Recife. 8

Áreas de Especial Interesse Social. Programa de regularização de áreas de baixa renda. 9

sociais. Segundo SANTOS JR. (2001), esta reconfiguração da estrutura social durante a década de 80 é marcada pela diversificação e complexidade:

Multiplicaram-se as organizações sociais, cresceram as organizações religiosas, surgiram novos sujeitos articulados em torno do movimento feminista, do movimento ambiental e de movimentos culturais, e se constituíram diferentes redes e fóruns de articulação desses atores. Desde então, a nosso ver, o tecido associativo brasileiro é marcado pela ausência de centralidade, em um movimento de permanente reconfiguração, onde ganham destaques as redes e fóruns. SANTOS JÚNIOR (2001)

Dentre as iniciativas pioneiras de democratização do planejamento e da gestão urbanos, aquela que muitos autores apontam como a mais emblemática foi a do OP (Orçamento Participativo) de Porto Alegre. Fundamentado nos princípios de democracia, participação, fiscalização e transparência nas ações do poder público, o OP de Porto Alegre procurou estimular os diversos segmentos sociais a se organizarem coletivamente, estabelecendo canais institucionais para a partilha nos processos de tomada de decisão.

A experiência do OP de Porto Alegre, construída no decorrer de 16 anos, tornou-se uma referência internacional. Fomentou o surgimento de centenas de outras experiências em diversas municipalidades, e se apresentando como instrumento de gestão de governos tradicionalmente fechados à participação social. É bem verdade que neste processo de multiplicação, muito da essência contida na experiência inicial foi desvirtuada, tornando os OPs artifícios de dissimulação de diversas outras intencionalidades.

A grande inovação do Orçamento Participativo é a constituição de uma esfera pública, separada do Estado, em que a sociedade civil se coloca como agente de controle das ações deste, remetendo os interesses particulares ou coletivos à esfera pública de discussão. Nessa esfera serão confrontados os interesses e pontos de vista diferenciados e, coletivamente, se decidirá qual deles é mais representativo. Uma visão que exacerba as diferenças e coloca a política urbana como o resultado de um processo conflituoso e de decisões socialmente sustentadas.

Outro novo padrão estabelecido pelo OP de Porto Alegre relaciona-se à possibilidade de superação do paradigma representativo da democracia, através da introdução de valores de participação direta. Esses conceitos serão aprofundados mais à frente, mas por enquanto

cabe ressaltar que a democracia representativa, edificou vícios que se apresentam como obstáculos à construção autônoma e coletivamente consciente da sociedade civil, valores que consideramos essenciais para a modificação das relações desiguais presentes no interior das cidades no Brasil. O OP de Porto Alegre é considerado uma alternativa possível de implementação de uma democracia direta, contrariando muitos que acreditavam que esta só seria possível em pequenos municípios.

Em Porto Alegre, mais do que se restringir à discussão orçamentária, o OP transformou as relações entre Estado e sociedade civil, fundando laços de solidariedade a partir de experiências conflituosas e estabelecendo espaços definidos de controle social, o que possibilitou o redirecionamento das políticas públicas em consonância com as necessidades da população. As conseqüências apontadas pelo processo foram: a ampliação das oportunidades de acesso aos serviços e equipamentos urbanos, bem como a possibilidade de consolidação de redes de associativismo civil.

Além da experiência de Porto Alegre, a década de 90 é marcada pela intensificação do processo de formação e organização de diferentes espaços institucionais de participação e de controle social, entre eles os conselhos municipais e os fóruns. Esses espaços surgem como possíveis instâncias legítimas de representação de interesses da sociedade civil e de descentralização dos processos políticos de tomada de decisões.

A multiplicação de conselhos de gestão das mais diferentes áreas como saúde, educação, segurança, habitação, entre outros, é a representação mais firme da resposta dada pelo poder público às pressões oriundas de determinados segmentos sociais que reivindicavam arenas de interação entre Estado e sociedade, que possibilitassem a expressão dos interesses coletivos, a mediação de conflitos e a construção de consensos.

Nesse movimento, percebemos uma alteração profunda do quadro institucional, que passou a ter a participação social como elemento intrínseco aos processos políticos. Embora a modificação não atingisse todas as áreas e níveis de governo, ela demarcou um contexto de democratização nunca antes vivido pela sociedade brasileira: houve uma inclusão parcial de segmentos da sociedade e o acesso a uma parcela importante do conhecimento deixou de ser privilégio de poucos.

A institucionalização da participação social parece ter se consolidado. A análise mais crítica desse processo, no entanto, nos fornece a leitura de que muitos dos canais participativos criados apresentam um caráter contraditório, por reproduzirem internamente estruturas repressivas e excludentes, assemelhando-se àquelas que se estabeleceram historicamente na sociedade brasileira.

A participação social aparece, assim, como um conceito-pretexto, que serve de instrumento de manutenção de uma certa lógica de estruturação dos poderes locais e como resposta às novas condicionantes surgidas com o fortalecimento dos movimentos sociais urbanos e suas reivindicações. A multiplicação de conselhos de gestão setoriais esvaziados, sem representatividade e de fraco poder político, bem como conselhos apoderados por certos segmentos hegemônicos (econômica ou politicamente), fazem-nos presumir que o conteúdo básico da participação social, que deveria ser a mudança de cultura democrática para um ambiente de equalização das relações de poder e de construção cidadã da sociedade não vem, efetivamente, sendo perseguido, conforme nos coloca SANTOS JR. (2001):

Mas isso não significa que no plano da política não tenha havido nenhuma integração, mas que essa integração foi, sobretudo, resultado de arranjos clientelistas, que não foram incorporados à ordem institucional e dinâmica democrática. A história social e política do Brasil parece ter deixado marcas e conformado a nossa cultura associativa, caracterizada por uma forte dificuldade em transformar a participação comunitária em participação política, fazendo com que, como lembra José Murilo de Carvalho, “a cidade, a República e a cidadania continuem dissociadas, quando muito perversamente entrelaçadas.” Ainda hoje, apesar do grau de urbanização da sociedade brasileira, temos cidades sem cidadãos plenos. (SANTOS JR., 2001:36)

Neste dilema se enquadra parte considerável do pensamento e da prática do Planejamento Urbano atualmente: na tentativa de fazer uma ponte entre as diversificadas experiências democráticas resultantes do protagonismo da participação, e “a enorme bolha de alienação e indiferença da população em geral” SANTOS JR. (2001:48)

Os planos diretores participativos são uma das representações mais refinadas desse dilema. Por um lado, temos a inserção da participação como elemento essencial ao processo e como resposta às reivindicações dos movimentos sociais urbanos, e por outro, temos esta

mesma participação idealizada, com uma repercussão social restrita ao tornar-se fim em si mesmo. O valor absoluto da participação nega as contradições da sociedade e foge de sua responsabilidade principal de equilibrar as relações de poder no interior da sociedade e nas ações do poder público.