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Etapa 5: Explanação dos resultados da investigação Correspondeu à fase conclusiva com a redação da versão final da dissertação contendo o processo e os

3. A PARTICIPAÇÃO COMO CONSTRUÇÃO: POSSIBILIDADES E LIMITES PARA A CONQUISTA DA CIDADANIA NO PLANEJAMENTO E NA GESTÃO DA CIDADE

3.2 Aspectos da qualidade participativa

3.2.2 Sobre o planejamento e o implanejável

Quais são os limites do planejamento urbano? Em qual medida os planos diretores, mesmo quando efetivamente participativos, pode atuar e modificar a lógica de estruturação das cidades? De que forma as estruturas conjunturais globais – sistema econômico, inserção periférica, modo de vida capitalista, valores sociais (ou ideológicos) da modernidade – condicionam a atuação do planejamento e gestão das cidades?

É bastante comum a compreensão de que os problemas urbanos – o trânsito caótico, a proliferação de formas subumanas de habitação, a exclusão social e a violência - são resultados da falta de planejamento ou de um crescimento urbano desorganizado. Esse entendimento se perpetua, por mais que as ações de planejamento das cidades no Brasil remontem sua colonização, por mais que os séculos XIX e XX sejam repletos de planos urbanísticos e por mais que a elaboração de planos diretores tenha se tornado prática recorrente às municipalidades nas últimas décadas.

A leitura conseqüente dessa situação é que a reprodução do ambiente de caos nas cidades não se trata, evidentemente, da falta de planejamento, nem tampouco de um crescimento desordenado. Certamente, por trás desta aparente desordem existe uma ou várias outras ordens de maior força e intensidade que se sobrepõem e limitam as formas “oficiais” de planejamento do poder público.

Dentre as “contra-ordens” destacamos a presença de dois aspectos que consideramos principais para compreender os limites do planejamento: a questão das escalas e a relação entre planejamento e mercado.

No que tange às escalas de planejamento, temos uma compreensão e uma prática que tem restringido a atuação das formas institucionalizadas de planejamento urbano à circunscrição municipal, ou seja, reduzindo a amplitude da formas de organização do território a um aspecto meramente administrativo. No entanto, sabemos que, em grande medida, os problemas enfrentados pelas cidades não se circunscrevem à instância local, tendo suas origens muitas vezes no contexto nacional ou global.

Se há algum tempo atrás existiram iniciativas importantes de planejamento regional, como os Planos Básicos de Desenvolvimento Econômico, a criação e valorização das Regiões Metropolitanas, os Pólos de Desenvolvimento - que foi dominante na década de 70. De lá para cá, as iniciativas governamentais no campo do planejamento territorial pouco têm trabalhado no sentido de enfrentar as questões que suplantam os limites administrativos de um município.

Mesmo a tentativa de trabalhar regionalmente certos problemas comuns, como a questão dos transportes, a utilização e conservação dos recursos naturais, do tratamento dos movimentos populacionais pendulares, da instalação de infra-estruturas, entre outros, está condicionada a relações com estruturas mais gerais em nível nacional e internacional.

A precariedade habitacional, as formas desiguais de acesso ao solo urbano, a ausência de valores de cidadania para a participação dos processos políticos, a violência, o desemprego – elementos diretamente ligados às formas desiguais de reprodução do espaço urbano – tem sua origem nos cenários mais amplos de estruturação da sociedade que se sobrepõem aos limites do poder local.

Por mais que seja efetiva a capacidade dos governos municipais em atuar na realidade de forma a modificá-la positivamente - com instrumentos eficientes de planejamento e gestão - grande parte dos problemas urbanos extrapolam a esfera de atuação deste poder local, conforme nos coloca VAINER (2001):

(...) a estrutura social, econômica e política, que opera na interação entre as escalas nacional e internacional, é o principal determinante das condições de vida das classes subalternas em nossa sociedade, e somente mudanças estruturais profundas serão capazes de abrir possibilidades para uma reversão do quadro de desigualdades e de miséria social. (VAINER, 2001:15)

Não podemos empreender, portanto, uma mudança na cidade sem projetar mudanças do modelo econômico, sem compreender o papel periférico do país frente ao modo capitalista, sem defrontar-se com a forma desigual de estruturação da sociedade brasileira. Não podemos enfrentar os problemas presentes na realidade sensível dos espaços urbanos sem questionarmos as condições de produção e a conjuntura sócio-histórica que condiciona nossa situação.

Um mero passeio de olhos pela realidade brasileira indica que a educação pública não se universalizou; a terra continua concentrada, sendo o latifúndio um modelo persistente; a dívida social com negros e o racismo velado abrem um fosso cada vez maior e podem ser visivelmente comprovados nas populações carcerárias, por exemplo, majoritariamente negras; as favelas tornaram-se cidadelas com poder próprio, fora de controle do Estado, que apenas as abraça no momento da repressão policial; benefícios de saúde e qualidade de vida são vivenciados por uma classe cada vez menor em tamanho; o meio ambiente sofre com a ação predatória de cartéis e, por fim, a impunidade grassa a cobrir de vergonha o rosto desse “gigante pela própria natureza”, que, adormecido, continua deitado em berço esplêndido! (ROMÃO & ROMÃO, 2005)

A urbanização brasileira é, pois, um exemplo vigoroso desse desequilíbrio, onde um processo caótico e intenso de migração populacional obedeceu a condicionantes gerais – com ingredientes também supraglobais – baseado em uma tripla dinâmica: industrialização das cidades, tecnificação do campo e uso da terra como reservas de valor. Assim, a rápida urbanização veio acompanhada de carências urbanas e de uma distribuição socialmente seletiva, tanto dos benefícios quanto dos ônus desta urbanização. A seletividade e desigualdade sócio-espacial reproduz em nível local alguns dos mais perversos efeitos da subordinação brasileira frente à expansão global do capitalismo e do mercado mundial.

No contexto do sistema econômico neoliberal, ocorre um distanciamento cada vez maior entre os grupos que colhem às fartas os frutos do desenvolvimento científico e tecnológico e aqueles que ficam à margem do caminho, condenados à fome e à miséria. Os desígnios do deus mercado, regidos por lógica própria, não podem ser contrariados com o argumento de que os seus resultados são parciais, que favorecem alguns e desgraçam outros. GOERGEN (apud ROMÃO & ROMÃO, 2005)

Não temos a pretensão de enveredar discussões mais profundas de caráter político- filosófico sobre as formas de estruturação e funcionamento do sistema capitalista. Contentamo-nos em apresentar, por hora, que a prática do planejamento urbano está também relacionada a fatores amplos que condicionam a problemática atual enfrentada pelas cidades no Brasil. A macroeconomia, os desequilíbrios regionais, a inserção do país na economia mundial, os valores incutidos pela modernidade são alguns entre tantos outros aspectos que se fazem presentes na complexidade da realidade urbana brasileira.

A modernidade (...) aumenta a distância entre as sociedades empenhadas na “espiral feliz” da modernidade e aquelas que se afundam no abandono e na contramodernidade; ela cava, ao mesmo tempo, a distância no Terceiro Mundo e no Ocidente. E é aos Estados, tanto pobres quanto ricos, que são devolvidas as obrigações de administrar o desemprego, a miséria, a nova pobreza, a fome, a delinqüência, as migrações - fuga do campo para as periferias, e as do Terceiro Mundo para o Ocidente. Os Estados devem enfrentam esses levantes sociais de amplidão imprevisível, cujas causas eles próprios não dominam, a saber, a mundialização ‘selvagem’ do campo econômico. (CHESNEAUX, 1995: 78)

Acreditamos, no entanto, que as condicionantes gerais não devem, no entanto, determinar um imobilismo ao plano local, como se as modificações sociais amplas só pudessem ocorrer de cima para baixo. A busca por democratizar os planos locais e reconstruir os sentidos da cidadania, a partir da qualificação da participação social, trabalha no sentido da “revolução molecular” anunciada por GUATARRI (1987), onde a dimensão da práxis contida nas micro-escalas – notadamente as organizações comunitárias e movimentos sociais locais – pode ser capaz de romper radicalmente com todos os padrões e códigos vigentes de exploração e de dominação que se travam nas políticas do cotidiano.