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Etapa 5: Explanação dos resultados da investigação Correspondeu à fase conclusiva com a redação da versão final da dissertação contendo o processo e os

3. A PARTICIPAÇÃO COMO CONSTRUÇÃO: POSSIBILIDADES E LIMITES PARA A CONQUISTA DA CIDADANIA NO PLANEJAMENTO E NA GESTÃO DA CIDADE

3.1 Conceitos correlatos à participação social

3.1.5 Os movimentos sociais e o associativismo civil

Diante do desafio de conformar uma esfera pública, acessível, diversificada e articulada no âmbito da sociedade civil, quais seriam os agentes sociais responsáveis por dinamizar o processo e direcionar o futuro democrático?

Consistentes produções de inúmeros autores, entre eles SOUZA (2004 e 2006), SANTOS JR. (2001 e 2005) e KOWARICK (1987), apontam para os movimentos sociais urbanos essa premissa. Aceitando a afirmação como verdadeira, cabe-nos, no presente trabalho, compreender quais os limites e possibilidades que o conceito de movimento social apresenta, buscando discernir, no complexo emaranhado conceitual que o termo apresenta,

os valores e sentidos que possam colaborar na construção de um campo teórico mais consistente para a análise do nosso objeto de investigação.

O conceito de movimentos sociais é amplo e encontra referências em diversas áreas, principalmente na sociologia, mas também na antropologia, na história e na geografia. No presente trabalho, nos interessa ressaltar os vínculos que os movimentos sociais estabelecem com o processo de planejamento e gestão da cidade, de que forma eles direcionam ou modificam o conteúdo do planejamento e de que forma eles atuam no cotidiano da gestão da cidade.

As últimas décadas viram florescer uma diversidade de formas associativas: associações comunitárias de bairros, associações religiosas, sindicatos, associações esportivas, organizações não-governamentais envolvidos com os mais diferentes temas, entre outros. Todas essas manifestações têm recebido a alcunha de movimentos sociais.

Para SOUZA (2006), o conceito de movimentos sociais refere-se a organizações e mobilizações abrangentes e de conteúdo contestador em relação à problemática urbana. Para o autor, grande parte do que hoje é chamado de movimentos sociais deveria ser designado de ativismo social, tendo em vista seu caráter restrito de organização e de conteúdo.

O caráter contestador é também para CASTELLS (1983:03) o elemento que melhor caracteriza os movimentos sociais, que se apresentam como práticas sociais que buscam controverter a ordem estabelecida, aflorando as contradições específicas da problemática urbana13.

Por Movimento Social Urbano se entende um sistema de práticas que resulta da articulação de uma conjuntura definida, a um tempo pela inserção dos agentes suportes na estrutura urbana e na estrutura social, e de natureza tal, que seu desenvolvimento tende objetivamente para a transformação estrutural do sistema urbano ou para uma modificação substancial da correlação de forças na luta de classes, ou seja, em última instância, no poder do Estado. (CASTELLS, 1983:475)

13 Por problemática urbana o autor compreende assuntos relacionados à vida cotidiana na cidade: saúde, educação, habitação, transportes, cultura, lazer, entre outros. Para o autor, em um estágio superior, os movimentos urbanos se transformam em movimentos sociais quando buscam controverter a ordem social vigente. CASTELLS (1976:03)

Compreendemos que para um movimento social se constituir como tal é preciso a existência de uma ação contestatória em relação a situações julgadas desfavoráveis. Historicamente as ações contestatórias estiveram restritas às relações de trabalho, entre trabalhador e patrão, situação que se modificou drasticamente com inserção de novas agendas reivindicatórias, sobretudo aquelas ligadas às esferas da cultura e da ecologia: movimentos estudantis, de homossexuais, de feministas, os movimentos ambientalistas, entre outros.

(...) todo Movimento Social provoca por parte do sistema urbano um contramovimento que não é, senão, a expressão de uma intervenção do aparato político (integração-repressão) que tende à manutenção da ordem. (CASTELLS, 1978:321)

Desta forma, as associações filantrópicas, organizações assistenciais, organizações esportivas, clubes profissionalizantes, associações de ensino técnico-comunitário são exemplos de ativismos sociais que não chegam a configurar movimentos sociais, já que apresentam perspectivas assistencialistas, reivindicatórias ou de cunho promocional, mas dificilmente assumem atitudes contestatórias em relação à estrutura social vigente.

Traçando uma linha histórica das formas assumidas pelos ativismos sociais no Brasil, SOUZA (2004) apresenta três diferentes momentos: o primeiro, iniciado nos anos 70 até a primeira metade dos anos 80, foi marcado pela abertura política e pelo auge dos “novos movimentos”. Nesse período ocorreu uma retomada dos protestos e a reconstituição da movimentação social; o segundo momento, na segunda metade dos anos 80, foi marcado por uma crise de referenciais; e o terceiro momento, onde esta crise se aprofunda e onde “as organizações dos ativismos, quando não definham, entram em colapso e retrocedem a

uma espécie de miserável ‘vida vegetativa’. (SOUZA, 2004:282)

Para o autor, o atual momento dos movimentos sociais tem sido compreendido de duas formas: a primeira, de desencanto e fadiga em relação à cena tradicional, onde há um processo de cooptação e domesticação das organizações a partir da institucionalização da participação e da perspectiva de “ser governo”; e a segunda, onde prevalece um otimismo em relação ao novo arranjo institucional, onde parecem surgir novos atores sociais e novos ativismos que possam utilizar e aproveitar as estratégias e canais legais sem se deixar “domesticar totalmente pelo Estado”.

Outro aspecto importante em relação aos movimentos sociais é que eles não são necessariamente ligados a estruturas populares, podendo representar tanto a classe dominante como a classe dominada e seus respectivos segmentos. Temos no Brasil exemplos de movimentos das classes dominantes, como a dos empresários ligados à Federação da Indústria do Estado de São Paulo (FIESP) e as diversas associações comerciais espalhadas pelas municipalidades. Esses movimentos assumem uma posição crítica em certos momentos, sobretudo quando percebem a possibilidade da perda de espaços de dominação nas relações sociais vigentes no país.

Após essas formulações, é possível estabelecer alguns parâmetros ao conceito de movimentos sociais: sua essência está na contestação de relações sociais vigentes, tanto para modificar quanto para manter as relações dadas; nem sempre apresentam um caráter de classe (já que alguns temas costumam agregar diversas classes); podem ter influência nas mais diversas escalas, desde o plano microlocal ao plano nacional ou global; podem ser oriundas de uma grande diversidade de instituições e protagonistas - grupos religiosos, partidos políticos, organizações de bairro, etnias, grupos minoritários, entre outros.

Para além dos movimentos sociais, outro conceito que se apresenta como chave à questão da democratização do planejamento e da gestão urbana – e que está necessariamente interligado aos movimentos sociais - diz respeito à prática associativa, ou o associativismo civil.

SANTOS JR. (2005) defende a necessidade de ampliação do tecido associativo no Brasil como forma de reequilibrar as forças e os poderes na estruturação da sociedade do país. O princípio do conceito de associativismo é de que o agente coletivo é mais forte e mais representativo que o sujeito individual. As práticas associativas emergem como uma reação ao controle estatal e como forma de mobilização da população, que através de interesses comuns, possa tornar-se agente crítico e participativo dos processos políticos.

A Constituição Nacional, em seu Artigo 174, § 2º, consagra a liberdade de associação quando estabelece que “a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo”. Ela estabelece também, em seu Artigo 5º - Inciso XVIII, que “a criação de associações e, na forma da lei, de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento.”

A importância e autonomia dada às formas de associativismo surge a partir do entendimento de que serão os agentes coletivos, e não os individuais, os responsáveis por orientar uma nova lógica de construção da democracia e de cidadania, através do fortalecimento da sociedade civil, da autodeterminação das minorias e do equilíbrio de forças no interior da esfera pública.

No caminho inverso à importância dada ao associativismo civil, o tecido associativo brasileiro configura ainda laços frágeis de estabilidade. Segundo SANTOS JR. (2005), a cultura associativa é praticada apenas por uma pequena parcela da população, sobretudo aqueles segmentos que têm capacidade de organização e expressão política, em detrimento daqueles que estão em situação de vulnerabilidade ou exclusão social.

(...)é preciso constatar que existe uma rica e diversificada experiência de participação, mas imersa em enorme bolha de alienação e indiferença da população em geral. Mas é claro que a parcela que vive a apatia política convive com aquela que assume a cidadania ativa, tanto nas relações de mercado como através de outros tipos de interação, e aqui pensamos, sobretudo, nas relações clientelistas, paternalistas, de negação dos direitos, no “jeitinho” de resolver conflitos e em tantas outras práticas não-convencionais, tão características do comportamento brasileiro. (SANTOS JÚNIOR, 2001:79)

O Brasil atravessou nas últimas décadas, movimento que se iniciou na década de 70 e se intensificou após a abertura política dos anos 80, uma modificação profunda nas formas de organização e associativismo civil, sem, no entanto, modificar o conteúdo das desigualdades inscritas nessas formas de associação, o que acabou por reproduzir as desigualdades mais amplas inscritas na estrutura social.

Nos estudos acadêmicos, segundo LUCHMANN (2002), houve uma supervalorização dos movimentos sociais, que passaram a ser considerados como os novos sujeitos da transformação social, a partir de uma perspectiva utópica e revolucionária.

Diante da não-realização dos ideais revolucionários, o caráter profundamente contestador das teorias cede lugar a novos conceitos e práticas em torno da sociedade civil do país:

De maneira geral, a atuação do associativismo civil urbano pauta-se agora menos pelo embate e mais pela negociação com o Estado; menos pela ação coletiva pública e contestatória e mais pela construção de mecanismos participativos; menos pela militância popular e mais pela ocupação dos espaços de representação e gestão político-estatais. (LUCHMANN,2002:71) As reivindicações populares de partilha de poder e controle das políticas sociais são, inicialmente, absorvidas pelos setores progressistas no interior da esfera estatal e, posteriormente, difundidas como prática virtuosa e disseminada nas mais diversas administrações. O resultado conseqüente foi a reestruturação institucional do poder público a partir da criação de novos mecanismos e canais de interação e intervenção entre a sociedade civil e o Estado.

Nesse processo, os movimentos sociais se mostraram importantes porque foram os agentes pioneiros na problematização e na organização de ações políticas contestatórias. É fato que o associativismo civil foi peça chave que condicionou a inserção de um conteúdo mínimo de política urbana na Constituição de 1988 e, posteriormente, a regulamentação através do Estatuto da Cidade.

Para além do sucesso de suas investidas e a consolidação gradual de um ambiente propício à participação, os movimentos sociais têm sofrido nos últimos anos um refluxo, tanto na quantidade quanto na qualidade, o que marca uma restrição nas ações políticas críticas e contestatórias. Sua função e responsabilidade permanecem pertinentes em um contexto de inércia política generalizada. A existência de um tecido associativo representativo e consistente é passo fundamental para equilibrar as forças no interior da esfera pública, como também no interior do poder político público.

Pensar em planejamento e gestão urbana participativa sem pensar em práticas associativas autônomas e, em certo ponto subversivas, é curvar-se frente aos mecanismos sociais existentes e restringir a amplitude da participação a objetivos bem mais modestos, como a disputa pelos aspectos básicos de infra-estrutura urbana.