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CENSO POPULAÇÃO TOTAL

4.3 O desenho da participação: discursos, metodologias e o desenho da participação no plano diretor de Itajaí

4.3.2 Discursos e metodologia inicial do plano

A concepção do plano diretor e as linhas gerais que nortearam a metodologia inicialmente proposta tiveram como base as orientações trazidas pelo Ministério das Cidades, sobretudo através de dois documentos: a resolução n°25 do conselho das cidades e do guia “Plano Diretor Participativo” (BRASIL, 2005).

Esses documentos serviram de referência não somente para Itajaí, mas também para grande parte das prefeituras, técnicos, consultorias e demais profissionais do planejamento que se viram obrigados a enfrentar a falta de referenciais na nova compreensão do planejamento urbano a partir do Estatuto da Cidade. A nova concepção de planejamento urbano indicava uma mudança no enfoque dos planos diretores, que pelo menos em teoria, passaram de uma apreensão restrita de caráter físico-territorial da cidade para uma processual e política de planejamento negociado e, por isso, conflituoso em sua essência.

Segundo BRASIL (2005), a elaboração do plano diretor deveria ser o resultado de duas etapas principais: a de diagnóstico, ou de leitura da realidade local, e a de formulação de propostas. O diferencial dessa apreensão está no fato de que a primeira etapa, de “diagnóstico”, antes restrito à compreensão técnica deveria agora ser aberta e complementada por uma leitura comunitária, construída coletiva e democraticamente a partir da vivência dos moradores da cidade.

Tais documentos orientavam também que o processo deveria ser coordenado por um núcleo gestor conformado por membros da sociedade civil e do poder público com o objetivo de promover ações interdisciplinares de sensibilização, mobilização e capacitação, voltadas a lideranças comunitárias, movimentos sociais, profissionais especializados, entre

outros atores sociais. O núcleo é o elemento responsável por representar os diversos segmentos da estrutura social local nos processos de tomada de decisão do plano diretor.

Nesse processo deveriam ocorrer ainda as seguintes condições essenciais: amplo acesso às informações centralizadas nas mãos do poder público; ampla comunicação pública, em linguagem acessível, através dos meios de comunicação social de massa; publicação e divulgação dos resultados dos debates e das propostas adotadas nas diversas atividades; realização dos debates por segmentos sociais, por temas e por divisões territoriais, tais como bairros, distritos, setores, entre outros.

A resolução n°25 do conselho das cidades, também estabelece a participação popular em todas as etapas do processo como condição básica para a construção dos planos diretores: na elaboração do diagnóstico (base do plano), na geração de idéias e proposições para o projeto de lei, na formulação dos pactos e propostas e no encaminhamento do projeto de lei à câmara municipal.

A participação social era, pois, ingrediente obrigatório a todas as etapas de elaboração do plano diretor, mas na estrutura proposta pelo Ministério das Cidades era especialmente importante na conformação da leitura comunitária, cuja correta condução lograria legitimidade às demais ações do plano diretor.

Neste sentido, a leitura comunitária deveria ser elaborada a partir do embate entre a rica variedade de percepções, discursos, disputas e ideologias presentes na complexidade do tecido social local. A leitura comunitária seria realizada tendo como base o tradicional diagnóstico elaborado pelos profissionais do planejamento (leitura técnica). A união destas duas apreensões - leitura técnica e leitura comunitária - conformaria a leitura da cidade, sendo a etapa primeira o elemento base para a formulação das propostas e diretrizes do plano diretor que ocorreria no âmbito do núcleo gestor.

Cada municipalidade a partir das orientações gerais teria autonomia para deflagrar processos participativos locais, de acordo com as condicionantes e potencialidades da estrutura social e espacial do lugar. E assim, centenas de municípios espalhados pelo território nacional iniciaram seus planos diretores, que em comum tinham a obrigatoriedade de serem participativos, mas diferiam, e muito, nas compreensões e intensidades da participação.

Nesse movimento, Itajaí iniciou em março de 2005, as primeiras conversas e articulações para a construção de seu novo plano diretor, baseado no ideário da reforma urbana e tendo na participação popular o cerne dos discursos dos agentes envolvidos no processo: poder público, técnicos da prefeitura, sociedade civil, instituições e agentes privados, entre outros.

Como já colocado anteriormente, a elaboração do novo plano diretor de Itajaí foi, em um primeiro momento, conseqüência da exigência legal representada pelo Estatuto da Cidade. Posteriormente, ganhou outros sentidos, sobretudo no discurso de parte dos atores envolvidos, passando a representar o desenvolvimento da estrutura institucional, a disposição do poder público local em democratizar o processo de planejamento da cidade, a adequação das políticas locais aos novos instrumentos trazidos pelo Estatuto da Cidade e a compreensão do planejamento urbano como um processo contínuo de construção.

A figura 05 apresenta a estrutura básica para a elaboração do plano diretor de Itajaí. Dividida em três partes principais a saber: 1) A cidade que temos, que corresponde à primeira etapa “diagnóstico” segundo orientação do Ministério das Cidades, e é a união da leitura comunitária e leitura técnica; 2) A cidade que queremos, que seria fundamentalmente discutida e pactuada no interior do núcleo gestor, instância formada por diversos atores da sociedade local, divididos paritariamente entre governamentais e não- governamentais. Esta etapa seria concluída com a definição dos pactos e propostas (diretrizes do plano) e a definição dos instrumentos necessários a sua operacionalização e corresponderia à segunda etapa, “propostas” das orientações contidas na cartilha elaborada

Leitura Técnica Leitura Comunitária Ver a Cidade Pactos e

Propostas InstrumentosDefinição

PLANO DIRETOR DE

ITAJAÍ

A Cidade que temos A Cidade que queremos A Gestão da Cidade Núcleo Gestor Plano Diretor (NGPD)

pelo Ministério das Cidades; 3) A gestão da cidade, que corresponde ao estágio de implementação do novo plano diretor.

Nessa estrutura o elo fundamental entre as diferentes etapas é o núcleo gestor, que em Itajaí foi denominado de NGPD (Núcleo Gestor do Plano Diretor), que deveria articular a leitura da cidade, definir as diretrizes e consolidar o pacto social em torno das decisões tomadas.

Em Itajaí este núcleo foi concebido com cinqüenta e dois participantes, divididos de forma paritária entre representantes da sociedade civil e as diversas instâncias do poder público, nas três esferas de governo: municipal, estadual e federal. A montagem do NGPD se constituiu em um verdadeiro quebra-cabeça, equacionado pelo poder público, que buscou conciliar dentre uma diversidade muito grande de segmentos sociais, aqueles que ele julgava mais importantes e representativos.

Ao NGPD foi dado o caráter deliberativo, contudo, esta condição, uma análise cuidadosa, já que representava uma nova estrutura institucional, agregando componentes de democratização e valorização da participação social no processo de construção das políticas públicas. Neste sentido, o NGPD, por apresentar um caráter deliberativo, deveria configurar-se como o espaço legítimo de participação dos diversos segmentos sociais e de suas demandas. Deveria ser o espaço primário de diálogo entre as instituições governamentais e não-governamentais, de discussão e negociação entre a sociedade civil, seus diversos segmentos e o Estado. A atuação do NGPD será mais profundamente discutida posteriormente.

Podemos compreender, portanto, que o desenho inicial do plano diretor de Itajaí foi realizado a partir das orientações gerais disponibilizadas pelo Ministério das Cidades e pelo conselho das cidades. O discurso de grande parte dos agentes envolvidos no processo: prefeitos, secretários, técnicos da prefeitura, consultorias contratadas, sociedade civil em geral, refletia as expectativas gerais de democratização do planejamento e de participação social em todas as etapas da elaboração do novo plano diretor do município.

A conformação de um núcleo gestor, como instância primária de discussão e pactuação de propostas composto de forma paritária e tendo o caráter deliberativo,

apontava para uma vontade, pelo menos aparente, de ampliar a arena pública de discussão sobre a cidade e seu planejamento.

O fato é que o desenho inicial do plano, dada a generalidade e maleabilidade de sua estrutura e de seus princípios, poderia absorver diversas formas de interpretação e implantação. Sabia-se que a participação era importante, mas não se compreendia como efetivá-la. Sabia-se que a leitura comunitária era fundamental no processo, mas não se tinha idéia clara de como construí-la. Sabia-se que o núcleo gestor era o elemento aglomerador e catalisador da participação social, mas sua composição estava aberta para todo o tipo de representatividade e sua metodologia de trabalho a qualquer sorte de atividades.

Neste sentido, podemos compreender que o desenho inicial do plano não continha conflitos que, se existiam, estavam camuflados pela retórica de um discurso harmônico sobre a participação social. As dificuldades começaram a surgir a partir das discussões sobre as possíveis formas de se operacionalizar esse desenho proposto. A vontade política das instâncias hierarquicamente mais altas do poder executivo municipal e a estrutura financiadora do processo estavam obstinadas em obter produtos, o que acondicionava a participação social a uma estrutura rígida e direcionada. A essas dificuldades institucionais viria se somar um processo histórico de falta de articulação social e cultura participativa da população local, aspecto que iremos tratar mais à frente.

Em meio a esta dupla dificuldade, de um lado a falta de apoio institucional e de outro a ausência de base social que contestasse as decisões e reivindicasse outro modelo de participação e de elaboração do plano diretor, os técnicos envolvidos no processo, sobretudo a coordenação do plano diretor, procuraram elaborar alternativas que possibilitassem um processo mais amplo quanto possível de discussão sobre a cidade mediante as condicionantes impostas.