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CENSO POPULAÇÃO TOTAL

4.3 O desenho da participação: discursos, metodologias e o desenho da participação no plano diretor de Itajaí

4.3.4 A leitura técnica

A primeira etapa na estrutura proposta para elaboração do plano diretor deveria ser a elaboração de um documento, ou vários documentos, onde estivesse a compreensão dos técnicos em relação aos diversos aspectos do planejamento da cidade, denominado de leitura técnica. Esse material serviria de base para o restante das discussões e atividades do plano diretor. Em Itajaí, a leitura técnica se concentrou em três atividades principais: na elaboração de um documento extensivo da situação do município em seus aspectos sócio- espaciais; na confecção de mapas temáticos, que seriam os instrumentos responsáveis por “espacializar” os diversos aspectos de uso e ocupação do solo no município; e na análise das legislações municipais, estaduais e federais relacionadas ao planejamento da cidade. Essas atividades estão representadas no gráfico seguinte:

Figura 7 - Metodologia para elaboração da Leitura Técnica (ITAJAÍ, 2006a)

Em relação ao mapeamento temático, foram elaborados cerca de 30 mapas de variados temas, desde aspectos físicos e ambientais do município como declividades, morfologia, hipsometria, como também mapas de aspectos sociais, como demografia, distribuição dos serviços e equipamentos urbanos, circulação e transportes, patrimônio histórico, entre outros. Esse trabalho ficou a cargo da equipe da UNIVALI, mais especificamente do laboratório de geoprocessamento e sensoriamento remoto.

Na estrutura pensada para elaboração da leitura técnica, o mapeamento temático apresentava-se como elemento fundamental, pois segundo a compreensão dos técnicos do planejamento e da coordenação do plano, eles seriam instrumentos importantes para auxílio à tomada de decisão, pois tornavam mais claras e didáticas as informações da realidade

municipal em diversos aspectos. Além disso, havia a pretensão de que, a partir do material disponibilizado, fosse elaborado um Atlas do município a ser transformado em material didático na rede municipal de ensino.

Alguns problemas, no entanto, surgiram e comprometeram as expectativas criadas em relação ao mapeamento temático. Entre os problemas destacam-se três: (1) a falta de análise e produção de informação a partir dos mapas elaborados; (2) a insuficiência ou até mesmo ausência de determinadas informações e materiais necessários à elaboração dos mapas; (3) a demora, por parte da prefeitura, em repassar o pagamento da equipe técnica envolvida com o trabalho.

Em relação ao primeiro problema, a equipe técnica, sobretudo da consultoria contratada, se restringiu a disponibilizar a ferramenta, mas não houve nenhuma reflexão sobre as informações disponibilizadas nos mapas, assim, os mapas acabaram não gerando um maior conhecimento sobre o território municipal. Quanto ao segundo problema, a insuficiência ou dificuldade de obtenção das informações e materiais já era esperada desde o início das atividades. A Prefeitura Municipal e suas secretarias, de uma forma geral, não apresentaram uma organização e sistematização das informações que possibilitem o acesso rápido e fluxo contínuo de trabalho. Os dados e informações, quando existiam, estavam fragmentadas entre os diversos departamentos e autarquias de prefeitura, fazendo com que se tornasse bastante custoso - e às vezes até mesmo inviável - a reunião das informações necessárias para elaboração dos mapas. A própria SPDU, que é o órgão dentro da estrutura da prefeitura responsável por planejar e gerir o processo de desenvolvimento urbano não possuía – e ainda não possui – um banco de dados e informações confiáveis e acessíveis.

De outra forma, também houve uma grande dificuldade na confecção dos mapas temáticos pela ausência do material básico para a sua elaboração: fotos aéreas e/ou imagens de satélite. A ausência desse material e a falta de recursos para os disponibilizar fizeram com que a consultoria buscasse formas alternativas para a confecção dos mapas temáticos, recorrendo a materiais disponíveis em outras instituições – CELESC (Centrais Elétricas de Santa Catarina), por exemplo - gerando morosidade na confecção e comprometendo o produto final, que não apresentava a qualidade desejada pela consultoria: a imagem base sobre a qual foram inseridas as diversas informações, foi o

resultado de uma colagem de diversas imagens e não apresentava escala e resolução inicialmente imaginada pelos técnicos.

No que tange à demora no repasse financeiro para o pagamento, esse foi um problema que atrapalhou fortemente o processo, pois, em alguns momentos, houve a paralisação das atividades por parte dos técnicos envolvidos que chegaram a ficar quatro meses sem receber. Esse problema está relacionado a forma como ocorreu o financiamento do processo, através do Programa Habitar Brasil/BID, onde a liberação de recursos estava atrelada à entrega e aprovação dos produtos contidos no Termo de Referência. Assim, o pagamento só poderia sair quando houvessem produtos elaborados. Ocorreu que no caso do plano diretor de Itajaí todos os produtos previstos não conseguiram obedecer ao cronograma contido no Termo de Referência, dada a complexidade e a dificuldade de elaboração de alguns deles (como o mapeamento temático, o documento contendo a leitura técnica e comunitária). Neste contexto, o mapeamento temático que deveria ser entregue logo nos primeiros meses de trabalho da consultoria - para subsidiar as discussões no âmbito do NGPD - acabou sendo disponibilizado somente em dezembro de 2005, quando grande parte das atividades do plano diretor e reuniões do núcleo já haviam ocorrido.

Já a segunda atividade, a leitura da cidade, representou em muitos aspectos a continuidade das formas anteriores de leitura da realidade municipal, reduzindo-se a fragmentos temáticos dimensionados quantitativamente por números e porcentagens. A leitura da cidade, a partir dos técnicos da consultoria e da prefeitura, foi voltada exclusivamente para confecção de um documento extensivo da realidade municipal, que em princípio deveria servir de apoio à elaboração de leitura comunitária e à definição dos pactos e propostas.

Nas orientações do Ministério das Cidades, a leitura técnica era ferramenta importante na compreensão da situação sócio-espacial do município e não poderia prescindir da colaboração dos técnicos do planejamento, que além de fórmulas, deveria agregar, principalmente, aspectos de caráter qualitativo: a leitura da qualidade espacial, dos potenciais inexplorados, das deficiências presentes, das vocações urbanas, de possíveis partidos urbanísticos, de alternativas para a busca da justiça social e da qualidade de vida. Esse deveria ser o conteúdo principal da leitura técnica e a base para a definição dos

pressupostos do plano diretor, após suficiente discussão e modificação resultantes do debate público.

A leitura técnica era, portanto, elemento estratégico na elaboração do plano diretor. Em Itajaí, ela foi mal compreendida, já que os profissionais do planejamento envolvidos no processo (consultoria e técnicos da prefeitura), por formação e por limitações de tempo e logística, acabaram reproduzindo o pensamento tecnocrático na tentativa de manter sobre seu domínio as respostas a todos os problemas da cidade. Neste desenho de atuação profissional, os índices, coeficientes e fórmulas, os exaustivos levantamentos quantitativos, os mapas de zoneamento continuaram se apresentando como a essência do ato de gerir e planejar a cidade.

Outro fator importante a ser analisado diz respeito à sobreposição das ações contidas na metodologia de elaboração do plano diretor. Assim como os mapas temáticos, a leitura técnica foi finalizada e levada a público quando grande parte das discussões, atividades e decisões do plano diretor, sobretudo no âmbito do NGPD, já haviam ocorrido. Sua publicação se deu somente no final do ano de 2005, e sua função, que deveria ser de apoio as discussões, acabou se restringindo a um elemento formal dentro do processo.

Além disso todo o material disponibilizado pela leitura técnica e pela leitura comunitária só foi entregue em dezembro de 2005, quando o macrozoneamento já tinha sido praticamente definido. A gente começou a discutir toda uma cidade no escuro, com conhecimentos próprios, tipo eu conheço a zona rural, onde nós vamos colocar os contêineres, porque tudo isso deveria ter sido discutido, e não é uma discussão fácil. (Caio Floriano dos Santos, entrevista pessoal, 17 de dezembro, 2007)

Fazendo uma ligação com o conteúdo apresentado no capítulo 01, podemos perceber que em Itajaí a leitura técnica reproduziu os valores contidos nas formas anteriores de planejamento, que reduzia a realidade municipal a fragmentos e fórmulas, a partir de uma linguagem hermética somente compreensível, quando muito, aos próprios técnicos que as elaboraram.

A nova estrutura de planejamento e de gestão da cidade baseada nos valores democráticos e progressistas trazidos pelo ideário da Reforma Urbana e, posteriormente, pelo Estatuto da Cidade, requerem uma modificação consistente na prática profissional dos

agentes do planejamento, desde suas atividades iniciais, na metodologia empregada e na sua operacionalização.

Nas orientações e na estrutura proposta pelo Ministério das Cidades para a elaboração de planos diretores participativos, a existência da leitura técnica - responsável por condensar a visão dos profissionais do planejamento em relação ao desenvolvimento da cidade - só faz sentido se for compreensível à grande maioria daqueles que discutirão e definirão as diretrizes para o desenvolvimento da cidade.

Em Itajaí isso não ocorreu. A análise do documento produzido pela consultoria denominado “leitura técnica” mostra que seu conteúdo, por ser exclusivamente descritivo, reproduz uma estrutura muito semelhante aos planos de desenvolvimento local que se multiplicaram pelo país durante as décadas de 70 e 80. Ao todo são cento e quarenta e quatro páginas que apresentam uma estrutura linear de apresentação dos tópicos, iniciando pela introdução, justificativa e objetivos, passando para uma leitura histórica do desenvolvimento da cidade e finalizando com a apresentação de dados numéricos e estatísticos de leitura da realidade municipal em seus mais diversos aspectos: vegetação, geologia, hipsometria, solo, clima, hidrografia, fragilidades ambientais, arqueologia, economia, demografia, aspectos sociais, estrutura física do município, entre outros.

Nossa crítica destaca três causas principais para que a leitura técnica fosse, assim, elaborada em Itajaí: a formação técnica dos profissionais envolvidos, que reproduziam os mesmos instrumentos de análise e intervenção de épocas passadas; a composição restrita do núcleo técnico, que prescindia uma maior articulação com outros campos de conhecimento, como historiadores, sociólogos, geógrafos, antropólogos, entre outros; e o tempo restrito e também a agenda atribulada,- que comprometiam qualquer iniciativa dos técnicos em construir uma nova metodologia de análise.

Quanto à leitura técnica, eu acredito que o diagnóstico poderia ser melhor elaborado, ela poderia ter dado uma contribuição maior, poderiam ter dado embasamentos melhores para o NGPD trabalhar só que esta leitura técnica e comunitária também sofreu por causa do agravante, fator tempo. A gente não pode colocar culpa somente na equipe técnica, porque não foi culpa só dela. O fator tempo também colaborou para as dificuldades. (Caio Floriano dos Santos, entrevista pessoal, 17 de dezembro, 2007)

Essas dificuldades encontradas em Itajaí comprometeram, portanto, a leitura técnica, transformando os mapas temáticos e o documento da leitura técnica em elementos figurativos dentro do processo. Apesar das intenções inicias, principalmente através dos mapas que objetivavam ser instrumentos efetivos de auxílio à tomada de decisão, a leitura técnica apresentou-se somente como documento formal, cumprindo, assim, as determinações do Termo de Referência do programa que financiava o processo, como também dando resposta a estrutura da participação desenhada pelo Ministério das Cidades.