• Nenhum resultado encontrado

2 ASPECTOS CONCEITUAIS E JURÍDICOS DA PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS NO BRASIL: OS FATORES DO DESENVOLVIMENTO E DO

2.2 A PRODUÇÃO DOS BIOCOMBUSTÍVEIS COMO FATOR DE DESENVOLVIMENTO

2.3.1 A juridicização do conceito de desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento sustentável também constitui um fenômeno jurídico, fazendo parte do modelo jurídico do desenvolvimento. No item anterior explorou-se a dimensão socioeconômica do desenvolvimento, agora se averigua a dimensão ambiental. Historicamente, o desenvolvimento sustentável é tido como uma evolução da compreensão do desenvolvimento similar ao crescimento econômico.

A temática do desenvolvimento sustentável destacou-se no cenário internacional a partir da realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente em Estocolmo, em 1972, em uma tentativa de se institucionalizar a problemática ambiental, frente ao desenvolvimento econômico. Inicialmente o conceito exposto foi o de ecodesenvolvimento.

O secretário geral da ONU, Maurice Strong, à época da Conferência de Estocolmo, introduziu o conceito de ecodesenvolvimento, posteriormente tratado mais a fundo por Ignacy Sachs. Por ecodesenvolvimento pode se entender desenvolvimento endógeno, que tem por objetivo ofertar respostas à problemática da harmonização dos objetivos sociais e econômicos do desenvolvimento com uma gestão ecologicamente moderada dos recursos e do meio86.

Os próprios princípios do ecodesenvolvimento foram formulados por Ignacy Sachs, sendo eles: a satisfação das necessidades básicas; solidariedade com as futuras gerações; participação da população; preservação das reservas naturais; sistema social de garantia ao

86 MONTIBELLER FILHO, Gilberto. Ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável: conceitos e

pleno emprego, seguridade social, respeito às outras culturas; desenvolvimento de programas na área educacional87. Sachs focalizou essa discussão nos países em desenvolvimento. Posteriormente, essas se tornaram as dimensões da sustentabilidade, tratadas adiante.

No Relatório de Brundtland, fruto da Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, definiu o conceito de desenvolvimento sustentável como um modelo de desenvolvimento que atende às necessidades do presente, sem comprometer a viabilidade das futuras gerações suprirem as suas próprias necessidades88.

As conferências e reuniões internacionais sobre o meio ambiente e mudanças climáticas se tornaram práxis após a Conferência de Estocolmo. Entre as diversas reuniões, destacaram-se, seja pelo momento histórico ou pelas diretrizes tomadas, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente em 1992 – ECO-92, gerando como documento a Agenda 21; a United Nations Framework on Climate Change - UNFCC, em 1994, a primeira edição da Conferência das Partes.

Posteriormente, destacaram-se: o Protocolo de Kyoto, em 1997; a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio +10, em 2002; a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio +20, em 2012; e, mais recentemente e igualmente emblemática, o Acordo de Paris, na 21ª Conferência das Partes – COP21 da Convenção- Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática – UNFCC.

Quanto ao conceito de desenvolvimento sustentável, inicialmente trazido pelo Relatório de Brundtland, esse evoluiu ao longo do tempo, trazendo para o seu núcleo múltiplas dimensões. Vejamos.

Segundo José Eli da Veiga, em seu recente livro “Para entender o desenvolvimento sustentável”, a ideia de desenvolvimento sustentável remonta à possibilidade de a humanidade atender às suas necessidades materiais sem comprometer a capacidades das próximas

87 Sachs descreve cinco dimensões da sustentabilidade dos sistemas econômicos para se alcançar o

desenvolvimento: cultural, ecológica, econômica, espacial e social. A sustentabilidade cultural refere-se à necessidade de alteração nos modos de pensar e agir da sociedade no sentido do aumento da consciência ambiental, em desfavor do consumo e diminuindo, assim, o impacto ambiental. Sustentabilidade ecológica tem por finalidade a preservação do meio ambiente, sem comprometer a oferta dos recursos necessários à sobrevivência. A dimensão econômica sustentabilidade está atrelada a aumentos na eficiência do sistema e na alocação e gestão de recursos. A sustentabilidade espacial refere-se ao equilíbrio entre as ocupações rurais e urbanas, uma distribuição territorial mais equitativa das atividades econômicas e dos assentamentos humanos. Já a sustentabilidade social visa melhorar a distribuição de renda, diminuindo a exclusão social e a diferença econômica entre as classes sociais. [SACHS, Ignacy. As cinco dimensões do ecodesenvolvimento. In:

Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo: Studio Nobel, 1993,

p. 55.]

88 BRUNDTLAND, Gro Harlem. Nosso futuro comum: comissão mundial sobre meio ambiente e

gerações terem a mesma oportunidade. Assemelhando-se ao conceito original lançado no Relatório de Brundtland89.

Édis Milaré menciona que o princípio do desenvolvimento sustentável infere-se da necessidade de um duplo direito, com bases no Direito Natural e no Direito Positivo, o direito do ser humano de desenvolver-se e realizar suas potencialidades, individual e socialmente, e o direito de assegurar aos seus sucessores as mesmas condições favoráveis. Complementa, ainda, mencionando que nesse princípio, mais fortemente que em outros, evidencia-se a reciprocidade entre direito e dever, porquanto o desenvolver-se e usufruir de um planeta plenamente habitável não é apenas um direito, é um dever precípuo tanto das pessoas quanto da sociedade90.

Entre os célebres conceitos de desenvolvimento sustentável, inclui-se o do próprio Ignacy Sachs, no qual conceitua o termo desenvolvimento sustentável a partir de oito dimensões da sustentabilidade na medida em que somente se considera desenvolvimento sustentável o atingimento de todas as dimensões, quais sejam: ambiental, econômica, social, cultural, espacial, psicológica, política nacional e internacional91.

Traçar um conceito único de desenvolvimento sustentável é difícil, principalmente um aplicável à seara dos biocombustíveis, pois, em maior ou menor proporção, todos tratam de questões similares envolvendo um equilíbrio entre as necessidades humanas, o crescimento econômico e os recursos ambientais escassos, devendo ainda ser preservados para as futuras gerações, ou seja, tem o mesmo núcleo básico, elencando mais ou menos fatores definidores não taxativos.

Adentrando na temática da juridicização do desenvolvimento sustentável, Juarez Freitas conceitua o princípio do desenvolvimento sustentável de forma bastante analítica, trazendo diversos mecanismos decorrentes de sua constitucionalização, afirmando que ele introduz um novo paradigma na cultura e na sociedade, e deve reunir em seu núcleo uma série de aspectos de modo a efetivá-lo como princípio constitucional, sendo, enquanto princípio, uma determinação ético-jurídica.92

Quanto a esses aspectos do princípio do desenvolvimento sustentável, tem-se que é, em primeiro lugar, uma determinação ética e jurídico-institucional de assegurar às presentes e

89 VEIGA, José Eli da. Para Entender o Desenvolvimento Sustentável. São Paulo: 34, 2015. 90

MILARÉ, Édis. Princípios fundamentais do direito do ambiente. Revista Justitia, São Paulo, n. 59, p.134-151, jan-dez/1998. Disponível em: <http://www.revistajustitia.com.br/revistas/w71d84.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2017.

91 SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. 92

futuras gerações um ambiente favorável ao bem-estar, monitorado por indicadores, de modo a não se ater a uma dimensão subjetiva. É também determinação ética e jurídico-institucional de responsabilização objetiva do Estado pela sua prevenção e precaução frente aos eventos danosos93.

Ainda, é determinação ética e jurídico-institucional de sindicabilidade das escolhas públicas, para afastar mitos comuns, falácias e o desalinhamento de políticas públicas, de modo a se promover o desenvolvimento material e imaterial. E, por fim, pelo desenvolvimento de atividades de baixa emissão de carbono, de modo que se atinja a premissa do desenvolvimento como norteador da sustentabilidade e não o contrário94.

A discussão da temática da sustentabilidade ambiental teve como consequência o comprometimento jurídico das gerações atuais com as gerações futuras, em relação ao uso dos recursos naturais nas atividades econômicas, principalmente. E para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente tem de ser considerada como integrante do processo de desenvolvimento, não podendo ser considerada isoladamente ou inconciliável com ele, como teorizado por alguns estudiosos.

Resumidamente, o desenvolvimento econômico e social deve estar pautado na sustentabilidade ambiental. Mas como definir sustentabilidade? Entre os conceitos de sustentabilidade, destaca-se o conceito de Sachs, segundo o qual sustentabilidade é um conceito dinâmico, levando em conta as necessidades crescentes da população e tem como base oito dimensões principais: ambiental, cultural, ecológica, econômica, espacial, social, política nacional e internacional.

Já Leonardo Boff trilha o seguinte caminho: o desenvolvimento vem do campo da economia, tendo por objetivo a acumulação de bens e serviços de forma crescente, à custa da iniquidade social e depredação ecológica; a sustentabilidade vem da ecologia e da biologia, ela afirma a inclusão de todos no processo de inter-relação (caracterizadora de todos os seres do ecossistema); por conseguinte, a sustentabilidade afirma o equilíbrio dinâmico que permite a todos participarem e se verem incluídos em um processo global95.

José Eduardo Faria traz um conceito mais amplo ao tratar de desenvolvimento: a sustentabilidade trata-se do princípio constitucional que determina, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do

93 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 2. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 32. 94 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 2. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 32.

95 BOFF, Leonardo. Um ethos para salvar a terra. Disponível em:

desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar96.

Assim, infere-se que o desenvolvimento sustentável é um direito fundamental, que deve ser tutelado pelo Estado. E, para que o desenvolvimento sustentável seja promovido pelo Estado, esse deve proteger o meio ambiente, que, por sua vez, é um direito fundamental intergeracional, e pauta-se na ideia de que a geração atual deve proteger o meio ambiente levando em conta as gerações futuras97.

No ordenamento jurídico pátrio, a relação entre a proteção do meio ambiente e o direito ao desenvolvimento sustentável é a proposta principalmente do art. 225 da Constituição Federal, posta na Constituição em virtude do amplo fomento proveniente do campo internacional, que prevê que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Vale lembrar que antes mesmo de a Constituição Brasileira de 1988 ser promulgada, já havia no ordenamento jurídico pátrio legislação ambiental positivada: a Lei nº 6.938/1991, dispondo sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.

Não apenas o direito fundamental ao desenvolvimento sustentável é trazido pela Constituição na forma de princípio, outros princípios são também positivados. Relativos ao meio ambiente têm-se os seguintes princípios: o direito à propriedade privada (art. 5°, inciso XXII); a função social da propriedade (artigo 5°, inciso XXIII, CF); o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, CF), a defesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica (art. 170, VI, CF).

A proteção ao meio ambiente se justifica em razão de os recursos ambientais desempenharem a função de desencadeadores das atividades econômicas. Vale aqui mencionar outro princípio decorrente da proteção constitucional ao meio ambiente sadio ou

96 FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 45. 97

CORREA, Ceres Fernanda; GOMES, Eduardo Biacchi. O direito fundamental ao desenvolvimento sustentável: uma análise a partir do caso das papeleras. Revista de informação legislativa, Brasília a. 48, n. 189,

p. 177-187, jan./mar. 2011. Disponível em:

<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242869/000910802.pdf?sequence=1>. Acesso em: 24 jun. 2017.

ao desenvolvimento sustentável: o “princípio da consideração da variável ambiental no processo decisório de políticas de desenvolvimento” 98.

Segundo Édis Milaré, este princípio diz que com a elementar obrigação de se levar em consideração a variável ambiental em qualquer ação ou decisão, pública ou privada, que possa causar impacto negativo sobre o meio. Esse princípio foi consagrado após o surgimento do Estudo de Impacto Ambiental, na década de 1960 (mecanismo de prevenção à poluição e outras agressões à natureza)99.

No Brasil, além da matéria de status constitucional, positivada principalmente no art. 225, parágrafo 1º, IV da Constituição Federal de 1988, como supramencionado, é regulada também infraconstitucionalmente – assunto a ser tratado na sequência. Outros princípios, em consonância com os constitucionais, estão positivados pelas normas infraconstitucionais, serão tratados no decorrer desta dissertação. Nos subitens seguintes serão abordados alguns dos célebres princípios basilares do Direito Ambiental, como o princípio da prevenção e o princípio da precaução, por exemplo, indispensáveis no estudo de qualquer matéria ambiental. Nesse panorama de proteção constitucional ambiental, destaca-se entre as atividades econômicas dependentes do meio ambiente, a produção de energia e a decorrente procura por alternativas energéticas sustentáveis, atualmente com foco na redução da emissão de gases de efeito estufa, diminuindo o impacto da ação antrópica no aquecimento global.

Em reflexão, Juarez Freitas afirma que, entre as obrigações decorrentes do princípio da sustentabilidade, o programa de biocombustíveis pode ser um ponto positivo, mas sob a condição de que sua matéria-prima não seja obtida com mão de obra escrava, nem afetando a produção global de alimentos, pois se assim o for, a sustentabilidade terá sido comprometida100.

Aproveitando a esteira do pensamento de Juarez Freitas, inicia-se a abordagem da sustentabilidade dos biocombustíveis brasileiros, comentando questões como a segurança alimentar, a problemática da expansão das fronteiras agrícolas, o uso de agrotóxicos, mão de obra escrava, monocultura e modelos latifundiários de produção, na tentativa de verificar se o balanço final dos biocombustíveis pende mais para o lado da sustentabilidade ou do desenvolvimento predatório.

98MILARÉ, Édis. Princípios fundamentais do direito do ambiente. Revista Justitia, São Paulo, n. 59, p.134-151,

jan-dez/1998. Disponível em: <http://www.revistajustitia.com.br/revistas/w71d84.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2017.

99 MILARÉ, Édis. Princípios fundamentais do direito do ambiente. Revista Justitia, São Paulo, n. 59, p.134-151,

jan-dez/1998. Disponível em: <http://www.revistajustitia.com.br/revistas/w71d84.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2017.

100