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3 BIOCOMBUSTÍVEIS: A IMPORTÂNCIA DA PRODUÇÃO NACIONAL SOB O VIÉS CONSTITUCIONAL DA JUSTIÇA INTERGERACIONAL

3.2 JUSTIÇA INTERGERACIONAL DO MEIO AMBIENTE

Como explanado no Capítulo 2 sobre desenvolvimento sustentável e sustentabilidade, em meados do século XX, a problemática ambiental veio à tona e diante do receio fundamentado de graves consequências ambientais que inviabilizassem a vida humana. Diante desse contexto é que a tutela ambiental começou a ganhar contornos, principalmente na instância internacional.

Os direitos de terceira dimensão, como dependem de uma visão mais internacionalista e universalista para sua concretização, demandam que se lance um olhar para o futuro, para que se melhor tutele os bens jurídicos do direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.

Nessa perspectiva, desde a emblemática Conferência de Estocolmo, o princípio da equidade intergeracional se fez presente, positivando-se em diversas constituições por todo o mundo, inclusive na Constituição brasileira. Eis o desafio: como preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações? Principalmente quando a lógica capitalista induz o consumo desnecessário, a descartabilidade de tudo, e o mercado se vale de práticas como a obsolescência programada.

No âmbito internacional, a responsabilidade das relações presentes para com as futuras sempre está posta ou pressuposta nas Declarações Internacionais, com o destaque merecido para a Declaração de Responsabilidades das Gerações Presentes para com as

151 Em suma, Hans Jonas afasta o equilíbrio contratual de Rawls, bem como sua justa partilha. Sua teoria busca o

fundamento na responsabilidade parental.

Gerações Futuras, da UNESCO, datada de 1997, e que, embora não se configure como uma norma cogente traz ideais éticos a serem perquiridos por toda a coletividade e instituições.

A justiça intergeracional teve por base, desde o início de suas discussões internacionais, a solidariedade intrageracional e a solidariedade intergeracional, também nomeada equidade. Nesse sentido, é importante o estudo da Teoria da Equidade Intergeracional desenvolvida por Edith Brown Weiss, na década de 1980. Para criá-la Weiss inspirou-se no igualitarismo de Rawls.

Em síntese, a teoria da equidade intergeracional de Weiss baseia-se no pressuposto que todas as gerações humanas, independente da época em que existam, têm direitos igualmente garantidos ao meio ambiente, por essa razão as presentes gerações devem ter o cuidado de conservá-lo, para repassá-lo as seguintes gerações em condições iguais as que o receberam.

Weiss infere que os direitos intergeracionais podem ser considerados direitos da coletividade em relação a outras gerações, passado, presente e futuro. Eles existem independentemente do número e da identidade dos indivíduos que compõem cada geração. Em algumas situações, os direitos intergeracionais detidos pelos membros da geração atual adquirem atributos dos direitos individuais. Esses interesses, no entanto, derivam do fato de que aqueles que vivem são agora membros da geração e têm direitos em relação a outras gerações que usaram e se beneficiaram do planeta152.

Os remédios para violações desses direitos beneficiarão outros membros da geração, não apenas o indivíduo em si. A implementação dos direitos intergeracionais é fundamental. A execução pode ser feita por um guardião ou representante das gerações futuras. Embora os titulares de direitos possam não ter a capacidade de trazer queixas e, portanto, dependem dos representantes para fazê-lo, essa incapacidade não afeta a existência dos direitos e obrigações que lhes são associadas153.

Alguns autores consideram os três princípios da equidade a maior contribuição de Weiss. São eles: princípio intergeracional de conservação das opções (conservação da diversidade dos recursos naturais e culturais, para garantir às gerações futuras o mesmo

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WEISS, Edith Brown. In Fairness To Future Generations and Sustainable Development. American University

International Law. v. 8, n. 1,. p. 19-26, 1992. Disponível em:

<http://digitalcommons.wcl.american.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1498&context=auilr>. Acesso em: 21 jun. 2017. p. 24.

153 WEISS, Edith Brown. In Fairness To Future Generations and Sustainable Development. American University

International Law. v. 8, n. 1,. p. 19-26, 1992. Disponível em:

<http://digitalcommons.wcl.american.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1498&context=auilr>. Acesso em: 21 jun. 2017. p. 24.

acesso das gerações anteriores); princípio intergeracional da qualidade ou da conservação da qualidade (condição comparável ao que foi recebido da geração anterior, mantendo a qualidade do planeta); princípio intergeracional de acesso ou conservação de acesso (ao recursos naturais, apesar de essas serem apenas diretrizes gerais para alcance de uma justiça distributiva)154.

Sobre o equilíbrio da poupança ambiental, Weiss menciona que são necessárias medidas preventivas e de precaução, entre elas políticas públicas de controle de natalidade, entretanto, tais políticas não seriam interessantes em relação à justiça intergeracional previdenciária.

É necessário se analisar dois conceitos sob a perspectiva da justiça intergeracional ambiental: o conceito de desenvolvimento sustentável e o conceito de sustentabilidade, que são distintos.É importante ressaltar que desenvolvimento sustentável é um conceito mais restrito e, como visto em capítulos anteriores, insere-se dentro do conceito de sustentabilidade.

Édis Milaré menciona que o princípio do desenvolvimento sustentável infere-se da necessidade de um duplo direito, com bases no Direito Natural e no Direito Positivo, o direito do ser humano de desenvolver-se e realizar suas potencialidades, individual e socialmente, e o direito de assegurar aos seus sucessores as mesmas condições favoráveis. Acrescenta, ainda, mencionando que nesse princípio, mais fortemente que em outros, evidencia-se a reciprocidade entre direito e dever, porquanto o desenvolver-se e usufruir de um planeta plenamente habitável não é apenas um direito, é um dever tanto das pessoas quanto da sociedade155.

Já para a sustentabilidade, J. J. Gomes Canotilho apresenta três dimensões: interestatal (equidade entre os países ricos e os pobres), geracional (equidade entre os grupos etários diferentes na mesma geração) e intergeracional (gerações presentes e futuras). Ainda, sustentabilidade em sentido restrito (proteção de recursos em longo prazo) e em sentido amplo (visa atender três dimensões: sustentabilidade econômica, social e ecológica)156.

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BRANDÃO, Luiz Carlos Kopes; SOUZA, Carmo Antônio de. O princípio da equidade intergeracional. Planeta Amazônia: Revista Internacional de Direito Ambiental e Políticas Públicas, Macapá, v. 1, n. 2, p.163-175, jan. 2012.

155

MILARÉ, Édis. Princípios fundamentais do direito do ambiente. Revista Justitia, São Paulo, n. 59, p.134-151, jan-dez/1998. Disponível em: <http://www.revistajustitia.com.br/revistas/w71d84.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2017.

156 LEITE, José Rubens Morato; CANOTILHO, José Joaquim Gomes (org.) Direito constitucional ambiental

Juarez Freitas, com seu olhar mais administrativista e técnico, afirma que a sustentabilidade é a determinação ética e jurídico-institucional de sindicabilidade das escolhas públicas, para afastar mitos comuns, falácias e o desalinhamento de políticas públicas, de modo a se promover o desenvolvimento material e imaterial. E, por fim, pelo desenvolvimento de atividades de baixa emissão de carbono, de modo que se atinja a premissa do desenvolvimento como norteador da sustentabilidade e não o contrário157. Visão bastante interessante, pois envolve o desenvolvimento imaterial no conceito de sustentabilidade.

Correlacionando o desenvolvimento com justiça intergeracional, Ignacy Sachs menciona que o crescimento econômico vem tendo seu sentido modificado da procura cega do crescimento por si mesmo, para uma expansão das forças produtivas da sociedade com o objetivo de alcançar os plenos direitos de cidadania para toda a população158.

Ademais, a justiça intergeracional ambiental possui alguns princípios interessantes, a exemplo da Responsabilidade Ambiental Intergeracional que cumpre, no sistema jurídico de proteção do meio ambiente, a função preventiva. E por conta dessa função preventiva oferta condições necessárias para reprimir as condutas que ameaçam a integridade do meio ambiente, impondo aos agentes responsáveis, obrigações de mitigar os riscos ou, a depender do caso, fazer cessar a atividade que os gerou159.

Outro princípio, talvez mais importante ainda em termos de justiça ambiental intergeracional, é o princípio da precaução, uma tutela antecipada do bem jurídico ambiental frente à ameaça ou risco de dano irreversível. A equidade geracional se equilibra entre a prevenção e a precaução enquanto princípios com viés intergeracional, segundo Weiss é bem melhor prevenir o dano do que compensá-lo.

O fundamento da justiça intergeracional ou dos conflitos intergeracionais estão presentes no judiciário brasileiro, principalmente em matérias de ordem ambiental, relacionadas ao artigo 225, da Constituição, e seus incisos. Uma das decisões emblemáticas em matérias ambiental foi o arguido na ADI 3.540 MC, de relatoria do Ministro Celso de Mello, contra o antigo Código Florestal Brasileiro – Lei nº 4.771, de 15/09/1965, especialmente seu art. 4º, parágrafos 1º a 7º160. A ação direta arguiu a inconstitucionalidade

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FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 2. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 32.

158 SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond: 2009. p. 66. 159 BOLSON, Simone Hegele. A dimensão filosófico-jurídica da equidade intergeracional: reflexões sobre as

obras de Hans Jonas e Edith Brown Weiss. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3575, 15 abr. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/24189>. Acesso em: 12 ago. 2017.

160 “Art. 4o A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em

caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto

dos referidos parágrafos. Fundamentando que era temática afeta ao inciso III do art. 225161, cabendo então ao STF preservar a integridade do meio ambiente, devido à prerrogativa de metaindividualidade (trabalhada nesta dissertação como transindividualidade), sendo um direito de terceira geração, consagrando o postulado da solidariedade, não cabendo, portanto, a administração pública, mesmo diante de certos parâmetros, relativizar áreas constitucionalmente protegidas162.

§ 1o A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2o deste artigo.

§ 2o A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico

§ 3o O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.

§ 4o O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor

§ 5o A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas "c" e "f" do art. 2o deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.

§ 6o Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA.

§ 7o É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa.”

161 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...]

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;”

162 “Meio ambiente – Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225) – Prerrogativa qualificada por seu

caráter de metaindividualidade – Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade – Necessidade de impedir que a transgressão a esse direito faça irromper, no seio da coletividade, conflitos intergeneracionais – Espaços territoriais especialmente protegidos (CF, art. 225, § 1º, III) – Alteração e supressão do regime jurídico a eles pertinente – Medidas sujeitas ao princípio constitucional da reserva de lei – Supressão de vegetação em área de preservação permanente – Possibilidade de a administração pública, cumpridas as exigências legais, autorizar, licenciar ou permitir obras e/ou atividades nos espaços territoriais protegidos, desde que respeitada, quanto a estes, a integridade dos atributos justificadores do regime de proteção especial – Relações entre economia (CF, art. 3º, II, c/c o art. 170, VI) e ecologia (CF, art. 225) – Colisão de direitos fundamentais – Critérios de superação desse estado de tensão entre valores constitucionais relevantes – Os direitos básicos da pessoa humana e as sucessivas gerações (fases ou dimensões) de direitos (RTJ 164/158, 160-161) – A questão da precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma limitação constitucional explícita à atividade econômica (CF, art. 170, VI) – Decisão não referendada – consequente indeferimento do pedido de medida cautelar. A preservação da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de um direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas. [BRASIL. STF. ADI nº 3.540 MC. Relator: Ministro Celso de Mello. DJ de 3-2-2006. Brasília, 2006. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=387260>. Acesso em: 12 ago. 2017.]

Visualizados alguns pontos referentes à teoria da justiça intergeracional ambiental e decisão da Corte Constitucional brasileira, discorre-se sobre a produção de biocombustíveis e seu potencial de efetivação de uma justiça intergeracional no Brasil.

3.3 A PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS E SEU POTENCIAL DE EFETIVAÇÃO DE