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A PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS E SEU POTENCIAL DE EFETIVAÇÃO DE UMA JUSTIÇA INTERGERACIONAL

3 BIOCOMBUSTÍVEIS: A IMPORTÂNCIA DA PRODUÇÃO NACIONAL SOB O VIÉS CONSTITUCIONAL DA JUSTIÇA INTERGERACIONAL

3.3 A PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS E SEU POTENCIAL DE EFETIVAÇÃO DE UMA JUSTIÇA INTERGERACIONAL

Compreendidas algumas das teorias da justiça entre gerações, a teoria intergeracional do meio ambiente, tenta-se, agora, responder a inquietação motivadora deste capítulo: “a produção nacional de biocombustíveis realmente tem potencial de efetivar uma justiça intergeracional (incluindo o aspecto ambiental)?” Para responder tal questionamento, lança-se mão de alguns referenciais teóricos.

Eduardo Giannetti, em seu excelente livro “O valor do amanhã: um ensaio sobre a natureza dos juros” discorre sobre o que chama de anomalias intertemporais, abordando o que chama de armadilhas e de ilusões de ótica no caminhar da ação intertemporal consequente, ou seja, até que ponto é válido subordinar o presente ao futuro ou o futuro ao presente?163

Nesse sentido, existem dois problemas similares que controlam o valor delegado ao presente e ao futuro: a falta de visão temporal, ou miopia, envolve a atribuição de um valor mais elevado ao que está próximo de nós no tempo (e por vezes no espaço), e o que está longe – nesses parâmetros – recebe, em consequência, menor valoração164

.

O outro problema, contrário ao primeiro, é a hipermetropia, e ocorre quando há a atribuição de um valor excessivamente elevado ao amanhã, em prejuízo dos interesses presentes. Enquanto na miopia temporal se subestima o futuro, a hipermetropia subestima o presente. A grande questão é: será que existe um equilíbrio estável entre os extremos? Ironicamente é preciso se ter boa visão e saber analisar os momentos, assim acertando ao se investir no presente ou no futuro, a cada impasse momentaneamente surgido165.

Mas qual a correlação das ideias de Eduardo Giannetti e a política energética brasileira, principalmente no que se refere aos biocombustíveis? Na ótica aqui proposta, a possível efetivação da justiça intergeracional.

163 GIANNETTI, Eduardo. O valor do amanhã: ensaio sobre a natureza dos juros. São Paulo: Companhia das

Letras, 2005.

164 GIANNETTI, Eduardo. O valor do amanhã: ensaio sobre a natureza dos juros. São Paulo: Companhia das

Letras, 2005.

165 GIANNETTI, Eduardo. O valor do amanhã: ensaio sobre a natureza dos juros. São Paulo: Companhia das

Melhor explicando, no estado da arte atual, investir em agrocombustíveis é mais simples, existe uma cadeia produtiva estruturada, veículos adaptados, produtores ávidos por incentivos governamentais para aumentar a produção; caso a economia brasileira se recupere e cresça a valores mais consideráveis que a taxa atual, a demanda por combustível e energia aumentará. Existe um panorama favorável.

Mas... Sim, existe um porém. Corre-se o risco de estar recaindo na miopia pregada por Giannetti. As políticas atuais na seara dos biocombustíveis, como bem será detalhado tecnicamente no capítulo 4, não estão sendo bem sucedidas na execução de seus fundamentos constitucionais e urgem por uma adequada reestruturação.

Existem, de fato, propostas para efetuar alterações, entretanto elas são altamente passíveis de contestação frente aos princípios norteadores da ordem econômica constitucional. E o governo parece indeciso, ora parece ser favorável, ora volta atrás quanto à celeridade da implementação das mudanças.

Nesse ínterim, corre-se o risco de, focando-se nas novas propostas, focar por consequência nos agrocombustíveis, o que se coaduna com a redução dos GEE prevista nos acordos internacionais, mas não promove, de fato, uma sustentabilidade material. Nem, por conseguinte, é capaz de promover, nos moldes propostos, justiça intergeracional.

Entretanto, há o receio de que, não se tomando uma medida urgente na seara dos combustíveis em geral, tal inação estatal reflita em escassez energética num futuro breve. E realmente, o risco da falta de combustíveis no Brasil tem sido debatido nos últimos anos, inclusive objeto de audiência pública da Comissão de Minas e Energia da Câmara de Minas e Energia em 10/12/2012, com a finalidade de debater a segurança do abastecimento nacional de combustíveis. Tema tratado de forma recorrente em relatórios ministeriais.

É importante, também, ponderar que o abastecimento nacional de combustíveis é considerado, nos termos do parágrafo 1º do art. 1º da Lei 9.847/99, de utilidade pública166. Então não se pode recair na hipermetropia de Giannetti, porque na prática, o tema é

166 MME. RENOVABIO Nota explicativa. Disponível em:

<http://www.mme.gov.br/web/guest/secretarias/petroleo-gas-natural-e-combustiveis- renovaveis/programas/renovabio/documentos/apresentacoes/renovabio-detalhamento-da-proposta- 25/08/2017?p_p_id=20&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column- 1&p_p_col_count=1&_20_struts_action=%2Fdocument_library%2Fview_file_entry&_20_redirect=http%3A%2 F%2Fwww.mme.gov.br%2Fweb%2Fguest%2Fsecretarias%2Fpetroleo-gas-natural-e-combustiveis- renovaveis%2Fprogramas%2Frenovabio%2Fdocumentos%2Fapresentacoes%2Frenovabio-detalhamento-da- proposta- 25%2F08%2F2017%3Fp_p_id%3D20%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dvie w%26p_p_col_id%3Dcolumn-1%26p_p_col_count%3D1&_20_fileEntryId=32739680>. Acesso em: 29 ago. 2017.

excessivamente estratégico para se olhar apenas para o futuro e se colocar em risco o presente.

Diante disso, também ganha relevo o fato de o princípio da equidade intergeracional já foi regulamentado, no Brasil, em sede de normas infraconstitucionais, no Estatuto do Idoso, na Lei da Política Nacional de Educação Ambiental, Lei n.º 9.795, de 27 de abril de 1999, e na Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei n.º 12.305, de 2 de agosto de 2010.

Vistos os fatores acima, percebe-se que a proteção jurídica das futuras gerações ganha, aos poucos, espaço no ordenamento jurídico brasileiro. Então é possível, a depender das diretrizes da nova política energética que aqui se desenha, que essa também se positive.

É pertinente, ainda, a reflexão sobre qual é a maior dificuldade atual? Primeiro, é tarefa complicada convencer o governo a investir em desenvolvimento, soma-se a essa resistência, aquela quanto à preservação ao meio ambiente. Em um momento de crise é mais fácil se optar pelo “crescimento a qualquer custo” – geralmente um custo social e ambiental. Segundo, há uma dificuldade atual em se equilibrar as finanças, e os esforços estão nessa tarefa concentrados, como então pensar em fazer poupança para o futuro?

Vieira de Andrade afirma que os sociólogos descrevem a sociedade atual, pós- industrial, como uma sociedade de risco ou até como uma sociedade do desaparecimento na medida em que, por força do seu próprio movimento, para a destruição das condições de vida naturais e sociais das pessoas, na medida em que corre o perigo de passar, ou transita efetivamente, da autorreferência para a autodestruição167.

A despeito da positivação de uma justiça intergeracional e das garantias em relação à justiça intrageracional, o risco detectado por Vieira de Andrade é extremamente pertinente e atual, pois as diretrizes dos próximos anos ainda estão sendo definidas e mudanças bruscas, aos poucos, concretizando-se.

Nessa perspectiva, pensa-se que, em um curto intervalo de tempo, as políticas propostas para os biocombustíveis podem se concretizar, retirando de cena políticas mais coerentes constitucionalmente. E colocando em xeque até o próprio entendimento sobre as políticas públicas, enquanto espécie de padrão de conduta que assinala uma meta a alcançar, geralmente uma melhoria em alguma característica econômica, política ou social da comunidade.

167 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 5. ed.

As políticas públicas configuram, então, como grande fomentadoras de desenvolvimento e passíveis de concretizar desde o desenvolvimento econômico, até uma justiça mais complexa como a intergeracional, caso fosse a proposta.

Questiona-se: por que a crise é um óbice? A crise implica a mudança de paradigmas, tendo como um ponto positivo: aperfeiçoar as falhas dos Governos anteriores; e como um ponto negativo: a tendência a desconstrução verificada atualmente no Brasil.

Para isso, é pertinente entender que há duas vertentes de interpretação das raízes da crise: a primeira dá ênfase a uma deficiência do quadro regulatório, imperfeição que teria levado aos excessos de alavancagem incorridos pelo sistema financeiro mundial. A segunda vertente enfatiza os grandes desequilíbrios macroeconômicos internacionais. É evidente que as duas correntes estão, ao menos parcialmente, corretas, mas são, sobretudo, complementares. O desequilíbrio macroeconômico não teria sido tão profundo, nem teria se sustentado por tanto tempo, sem o desenvolvimento extraordinário do mercado financeiro. O endividamento e o grau de alavancagem mundial não teriam atingido os extremos a que chegaram sem o desequilíbrio macroeconômico internacional. Enfim, qualquer que seja a visão da crise, o pano de fundo é o panorama maior da governança global168.

Mas sobre a crise mundial e os municípios do Norte e Nordeste, interessante é a defesa do economista Francisco Nabuco, ao afirmar que a maioria dos municípios do Norte e Nordeste do Brasil está em crise independente de qualquer problema do capitalismo em escala mundial. De fato, esses municípios não estão integrados em níveis mínimos ao capitalismo169. Portanto, existiriam nuances regionais em qualquer justiça intergeracional alcançada, mas para concretizá-la, é preciso ser pensado um mecanismo mais eficaz para se efetivar a justiça intergeracional. No Brasil a poupança previdenciária, demonstra que não é um mecanismo eficaz.

168 VEIGA, José Eli da; VIANNA, Sérgio Besserman; ABRANCHES, Sérgio. A sustentabilidade do Brasil. In:

GIAMBIAGI, Fábio; BARROS, Octávio de. Brasil pós-crise: agenda para a próxima década.p. 304-323. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

169 BARRETO NETO, Francisco Nabuco de A. Bioenergia e exclusão regional: a não política nacional

agroenergética e os girassóis do RN. 2009. 362 f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Regional; Cultura e Representações) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2009. p. 256.