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2 ASPECTOS CONCEITUAIS E JURÍDICOS DA PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS NO BRASIL: OS FATORES DO DESENVOLVIMENTO E DO

2.2 A PRODUÇÃO DOS BIOCOMBUSTÍVEIS COMO FATOR DE DESENVOLVIMENTO

2.2.1 A juridicização do conceito de desenvolvimento

Segundo Habermas, a expressão “juridicização” refere-se ao fato de o direito escrito ter tendência a aumentar, nas sociedades modernas; esse aumento desdobra-se em dois fenômenos: a expansão do direito, ao regular juridicamente elementos da vida social antes submetidos a normas sociais, como a moral, e a densificação do direito, ao se especializar cada vez mais normas jurídicas antes globais36.

O desenvolvimento constitui um fenômeno jurídico e para assim compreendê-lo é necessário estudar o seu processo de juridicização. Como bem pontua Leonardo Alves Corrêa, o desenvolvimento é uma categoria com status jurídico e não puramente econômico ou sociológico37. Existindo três caminhos que identificam o desenvolvimento como fenômeno jurígeno38: a admissibilidade do desenvolvimento como direito fundamental; a positivação do direito ao desenvolvimento em diplomas internacionais; e o processo de constitucionalização do desenvolvimento39.

Há um consenso na doutrina constitucionalista ao considerar o direito ao desenvolvimento como um direito fundamental – ocupando uma posição de centralidade no ordenamento jurídico –, mais precisamente pertencente à categoria dos direitos de terceira dimensão40.

Segundo a doutrina do hispânico Pérez Luño, sob a ótica de Ingo Sarlet, os direitos fundamentais possuem essa denominação em virtude do seu caráter fundamentador, de serem as bases do sistema jurídico do Estado de Direito, ou seja, tais direitos são reconhecidos e

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Habermas distingue quatro processos de juridicização, são eles: o primeiro gera o Estado burguês, na forma dos Estados europeus absolutistas; o segundo leva ao Estado de direito monarca alemão do século XIX; o terceiro leva ao Estado democrático de direito que se expandiu pela Europa e América do Norte após a Revolução Francesa; o quarto leva ao Estado de direito social e democrático pós movimento operário do século XX. [HABERMAS, Jünger. Tendências da juridicização (Trends in the extension of the scope of the Law).Trad. Pierre Guibentif. Sociologia: Problemas e Práticas, Lisboa, v. 1, n. 2, p.185-204, maio 1987. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10071/1122>. Acesso em: 10 abr. 2017.]

37 Ainda, segundo o autor, o desenvolvimento é um fenômeno jurídico, constituindo um modelo de

desenvolvimento pluridimensional, isto é, formado pela interação indissociável de três dimensões normativas- constitucionais: a socioeconômica, a ambiental e a cultural. Durante este trabalho serão analisadas a dimensão socioeconômica e a dimensão ambiental, a dimensão cultural, apesar de igualmente importante, não se refere tão diretamente à temática dos biocombustíveis quanto às outras duas. É importante ressaltar que o autor, em sua obra, examina o estado da arte do tema desenvolvimento, sendo utilizado como um norte geral para essa disciplina nesta dissertação. [CORRÊA, Leonardo Alves. Desenvolvimento econômico e desenvolvimento: uma interpretação a partir da constituição de 1988. Rio de Janeiro: Publit, 2011. p. 41.]

38 Os três caminhos para explicação do desenvolvimento como fenômeno jurígeno são adotados nesta dissertação

para melhor explicar o desenvolvimento atrelado ao desenvolvimento energético dos biocombustíveis. Todavia o enfoque dado a cada um dos três caminhos seguirá uma abordagem própria.

39 CORRÊA, Leonardo Alves. Desenvolvimento econômico e desenvolvimento: uma interpretação a partir da

constituição de 1988. Rio de Janeiro: Publit, 2011. p. 42.

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garantidos institucionalmente; possuem ainda uma acepção mais precisa que a dos direitos humanos, visto esses possuírem uma ambientação internacional41.

Já quanto aos direitos de terceira dimensão, Paulo Bonavides fundamenta no sentido de serem aqueles correspondentes aos direitos de fraternidade, cuja titularidade é coletiva, e nessa categoria se enquadram: o direito ao desenvolvimento – objeto desta análise –, o direito à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade42.

Percebe-se, então, que tanto o direito ao desenvolvimento, quanto o direito ao meio ambiente pertencem à mesma dimensão de direitos fundamentais, e por essa razão, ambos serão trabalhados neste capítulo, sendo o direito ao meio ambiente trabalhado na perspectiva do desenvolvimento sustentável.

Vários estudiosos apresentaram conceitos diversos para o “desenvolvimento” 43, entre os quais se destacam, na abordagem proposta por este trabalho, o conceito de Bresser- Pereira, o de José Eduardo Faria, o de Amartya Sen, e o de Trubek – não necessariamente em ordem cronológica do surgimento de suas correntes de pensamento44.

De acordo com Bresser-Pereira, o desenvolvimento é um processo de transformação econômica, política e social, de uma forma integrada tal que o padrão de vida da população tenderia a crescer de modo automático e autônomo. É um processo social e global de reestruturação econômica, política e social de um país45. Ainda, infere que se o desenvolvimento econômico não trouxer consigo transformações sociais e políticas, será porque não houve um concreto desenvolvimento.

Entende-se a visão de Bresser-Pereira como uma visão multidimensional e integradora do desenvolvimento, passível de ser aplicada sobremaneira na fundamentação das diretrizes a serem tomadas nas políticas que envolvem os biocombustíveis. Mas há um entrave: será que haverá sempre uma perspectiva de crescimento? Tendo em vista a Lei da Escassez, na qual os recursos são finitos, a despeito das necessidades humanas infinitas, o

41 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais

na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 31.

42 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2004. p. 569-570. 43 Aqui se almeja abordar o desenvolvimento numa dimensão sócio-econômica, pois essa é uma das pilastras do

desenvolvimento na Constituição Federal de 1988.

44 O conceito de desenvolvimento evolui ao longo da história democrática, possuindo, em cada fase, uma

acepção diferente e com distinções significativas. Partiu-se do desenvolvimento clássico como sinônimo de crescimento econômico, nos primórdios; passando por uma vertente mais neoliberal; pelas ideias de Joseph Schumpeter, ao afirmar que o desenvolvimento é dinâmico e depende das inovações tecnológicas introduzidas por empreendedores; pelas duas correntes do desenvolvimento presentes na Comissão Econômica para América Latina e Caribe – CEPAL, uma estruturalista e outra da dependência, econômica e sociológica; entre outras vertentes do desenvolvimento surgidas posteriormente, como o desenvolvimento como liberdade, de Amartya Sen.

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conceito de Bresser-Pereira torna-se por demais utópico para ser aplicado aos biocombustíveis.

Já José Eduardo Faria, ao analisar as consequências da reestruturação do capitalismo, constrói uma base para o desenvolvimento em sua obra, por meio de ideias referentes à expansão econômica e ao formato como é desenvolvida pelos investidores. Ocorrendo uma expansão cíclica na duração do desenvolvimento histórico, iniciado devido à competição industrial e, em consequência, acarretando buscas por menores custos para produção de suas mercadorias, de forma a conseguir uma posição no mercado46.

A visão de José Eduardo Faria aponta para um viés mais mercadológico e financeiro do desenvolvimento, interessante ao se pensar a economia dos biocombustíveis inserida em um mercado global, seja ele o de créditos de carbono provenientes da captura desse nas suas plantações, ou na perspectiva dos fluxos do comércio internacional do próprio combustível não fóssil. Ademais, pelo caráter cíclico, percebe-se sua coerência ao se considerar períodos de maior fomento, menor fomento, em virtude de crises, quebras de safras (no caso dos agrocombustíveis), entre outros processos que possam interferir na linearidade da produção e da economia dos biocombustíveis. Mostrando-se um conceito plenamente aplicável na prática.

Partindo para o panorama de Amartya Sen, em sua premiada obra Desenvolvimento como Liberdade, como o próprio nome transmite, traz a ideia do desenvolvimento como forma de se exercer as liberdades individuais. A desigualdade a ser combatida é a geradora de privação na liberdade de escolha do indivíduo enquanto agente econômico47.

No desenlace da sua ideia de desenvolvimento, Amartya Sen descortina que o mundo é recheado de privações, destruição e opressão; são problemas antigos que se acumulam com os novos problemas, a fome persiste – tanto a crônica quanto a coletiva, bem como a pobreza, em uma perspectiva de violação de garantias e liberdades básicas. E o processo de desenvolvimento consiste, em grande parte, na superação desses problemas48. Transmitindo uma ideia de desenvolvimento econômico pautada em um sutil liberalismo que será mais bem analisada quando se abordar o paradigma dos biocombustíveis diante da segurança alimentar.

Sobre o trinômio estado, direito e desenvolvimento, Trubek traz uma de suas grandes contribuições, ao afirmar que o Estado desenvolvimentista deve produzir também o progresso

46 FARIA, José Eduardo. Sociologia jurídica: direito e conjuntura. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. (Série

GVlaw).

47 SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 10. 48

econômico ou perderá o apoio da população, concomitantemente, deve estimular as transformações sociais e culturais essenciais, de modo que haja a criação de um sistema industrial capaz de satisfazer a demanda por um padrão de vida mais elevado49.

Acerca da atualidade das discussões sobre o direito e o desenvolvimento, Trubek afirma ainda que a discussão sobre Direito e Desenvolvimento no Brasil é contínua, sendo um problema sempre recorrente no País. A discussão brasileira gira em torno da realização ou não de mudanças no Direito e reformas nas instituições50.

As ideias de Trubek são pertinentes na medida em que o Estado desenvolvimentista, ao produzir progresso econômico, estimular transformações sociais e culturais, e, portanto, se relaciona intimamente com o Estado constitucional brasileiro de bem-estar social. Qualquer política pública aqui desenvolvida deveria, em tese, em maior ou menor grau, adotar tal perspectiva constitucional, incluindo as políticas econômicas e as energéticas.

O desenvolvimento entendido como multidimensional51 – na medida em que abrange aspectos sociais, ambientais, econômicos, de mercado, políticos, culturais, além do panorama das organizações internacionais – mais se adéqua à temática dos biocombustíveis, tanto em uma perspectiva da produção e do mercado brasileiro, quanto de outros países, posto haver um forte caráter estratégico, em que não é possível dimensionar o peso de cada um desses vieses isoladamente, nem é possível se ignorar a influência de cada uma dessas dimensões sobre o desenvolvimento enquanto fenômeno transformador52.

49 Dessa interrelação especificada por Trubek, extrai-se a ideia do que o desenvolvimento deve promover. A

atualidade da análise do crítico é inegável ao se pensar o momento político do Brasil: a então presidente Dilma Rousseff sofreu um processo de impeachment, reacendendo debates sobre a legitimidade democrática do novo governo, principalmente por proceder com uma série de reformas e medidas antipopulares, retirando investimentos de áreas de cunho social, como a educação. Fazendo-se um paralelo com o pensamento de Trubek, o progresso econômico deve estar aliado ao social e ao cultural, portanto, para ter uma continuidade e apoio popular. A realidade atual das pesquisas de opinião demonstra índices crescentes de desaprovação do governo nos moldes atuais. Fica a reflexão. [TRUBEK, David M. Para uma teoria social do direito: um ensaio sobre o estudo de direito e desenvolvimento, in: José R. Rodriguez (org), O Novo Direito e Desenvolvimento: passado, presente e futuro. São Paulo, 2008. p. 108.]

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RODRIGUEZ, José Rodrigo Rodriguez et al. O novo direito e desenvolvimento: entrevista com David Trubek. Revista Direitogv, São Paulo, v. 3, n. 2, p.305-330, set. jul-dez 2007. Disponível em: <http://direitosp.fgv.br/sites/direitogv.fgv.br/files/rd-06_13_pp.305-330_o_novo_direito_e_desenvolvimento_- _entrevista_com_david_trubek.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2017.

51 Percebe-se que em grande parte das conceituações de desenvolvimento existe um núcleo comum, de múltiplos

fatores e que quanto maior a importância do objeto estudado, mais plural é o conceito de desenvolvimento a ele passível de aplicação, ou seja, mais fatores da definição de desenvolvimento são abarcados. Esse é o norte metodológico de todas as elaborações conceituais desta dissertação.

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Na maioria das ciências humanas tende-se a construir conceitos que representam modelos ideais, devido à influência do pensamento de Max Weber, que nem sempre se traduz, na prática, em características reais do fenômeno. [OLIVEIRA, Carla Montefusco de. Método e sociologia em Weber: alguns conceitos fundamentais. Revista Eletrônica Inter-legere, Natal, n. 3, p.1-10, jul./dez. 2008. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/interlegere/revista/pdf/3/es02.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2017.]

De onde surgiu a necessidade de se explanar as diversas perspectivas de abordagem do desenvolvimento na literatura, posto que nenhuma delas, pelo menos durante a construção deste trabalho, mostrou-se completamente suficiente. As facetas do estudo do desenvolvimento aqui apresentadas afiguram-se em uma relação de complementaridade que contribui para o entendimento do desenvolvimento aplicado aos biocombustíveis, bem como aplicado a outras searas do conhecimento53.

Apresentados alguns conceitos de desenvolvimento54, discorre-se sobre o conceito de subdesenvolvimento. Historicamente, o termo subdesenvolvimento foi mencionado pela primeira vez para se referir aos países menos desenvolvidos do Hemisfério Sul pelo Presidente norte-americano Harry Truman, em um discurso no ano de 1949, ao defender uma intervenção dos Estados Unidos em outros países, com a finalidade de fomentar o progresso industrial em áreas subdesenvolvidas.

Marcos Costa Lima afirma, em seus estudos homenageando Celso Furtado55, grande economista estudioso do subdesenvolvimento, que Celso Furtado o define como um processo histórico independente, não sendo uma etapa para se atingir um grau superior de desenvolvimento, reconhecendo, ainda, o subdesenvolvimento como um fenômeno de dominação (por vezes de natureza política, por vezes de natureza cultural) 56.

53 Ao se buscar um conceito de desenvolvimento aplicável aos biocombustíveis, além de se perceber um núcleo

comum, como explicado anteriormente, percebe-se que diversas características se somam, como quando se menciona as múltiplas facetas do desenvolvimento, ou seja, há um núcleo comum e características justapostas, por adição. Nesse sentido são as construções de Sartori, ao serem examinadas por Fonseca, mencionando que existem três formas de formulações conceituais básicas, em resumo: as construções por acumulação (o conceito possui um núcleo comum, intersecção de vários conceitos existentes), por adição (o conceito será formulado ao se adicionar características, alguns casos práticos possuirão todas elas, sendo casos completos, e outros possuíram apenas algumas, sendo subtipos reduzidos) e por redefinição (busca-se um núcleo comum com os principais atributos, sem esgotá-los). [FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Desenvolvimentismo: a construção do conceito (paper). In: MALTA, Maria; SANTOS, Cleusa; ACOSTA, Luis. Seminário e debate UFRJ, em 25 set. 2013. p. 5-7. Disponível em:

<http://www.centrocelsofurtado.com.br/arquivos/image/201309121650480.Conceito%20Desenvolvimentismo% 20-%20Pedro%20Fonseca.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2017.]

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Diversos autores estudados, mas não abordados diretamente no corpo desta pesquisa são igualmente importantes para o entendimento do desenvolvimento, vale a pena mencioná-los: Calixto Salomão e o desenvolvimento como processo de conhecimento da sociedade; Eros Roberto Grau e o desenvolvimento enquanto fator de elevação dos níveis sociais comunitários; Modesto Carvalhosa e a finalidade do desenvolvimento nacional na ordem econômica constitucional; entre outros.

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Celso Furtado era um economista extremamente inovador, estudou a fundo a temática do desenvolvimento e do subdesenvolvimento, não se atendo ao campo da economia; defendia a adoção de um modelo keynesiano de desenvolvimento econômico; foi membro da Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL, um dos grandes centros de debates sobre a teoria e a história do desenvolvimento; criou a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE; entre tantas outras contribuições por ele prestadas.

56 LIMA, Marcos Costa. Revisitando a teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado. In: FURTADO, Celso;

et al. O pensamento de Celso Furtado e o Nordeste. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. (Centro Internacional

Portanto, o subdesenvolvimento não pode ser compreendido como um fenômeno simples, apenas afeto à economia dos países em seu âmbito interno; muito menos como mero estágio até se atingir um desenvolvimento pleno; o subdesenvolvimento é, sobretudo, um fenômeno induzido pela condição de dominação e exploração as quais os países ditos subdesenvolvidos foram ou ainda estão submetidos, seja cultural, política ou econômica – ou todas essas dominações conjuntas.

Construído o arcabouço teórico acerca do desenvolvimento como direito fundamental e do desenvolvimento na doutrina jurídica, retoma-se a abordagem do desenvolvimento como um fenômeno jurígeno, agora sua segunda vertente: a da positivação nos diplomas internacionais.

Diversos são os diplomas internacionais que abordam o direito ao desenvolvimento em uma perspectiva global, o principal e diploma inaugural é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, da Assembleia Geral das Nações Unidas57. Existindo também uma declaração especialmente dedicada ao direito ao desenvolvimento, justamente a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 198658.

Na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconhece o desenvolvimento como um processo econômico, social, cultural e político, cujo objetivo é o incremento do bem-estar de toda a população, podendo essa participar ativamente do desenvolvimento e nos benefícios dele derivados.

Tal declaração traz, em seu texto, diretrizes importantes sobre o direito ao desenvolvimento, destacando-se o reconhecimento do direito ao desenvolvimento como um direito humano inalienável (art. 1º). Assumindo o compromisso dos países desenvolvidos auxiliarem os países em desenvolvimento, em uma cooperação internacional efetiva (art. 4º).

A Declaração retromencionada ainda explana acertadamente que os Estados deverão tomar medidas para assegurar o exercício e o fortalecimento progressivo do direito ao desenvolvimento, para tanto, devem ser formuladas políticas, programas, medidas legislativas, nas esferas nacionais e internacionais (art. 10).

No mesmo sentido da Declaração de 1986, Flávia Piovesan identifica na doutrina de Allan Rosas, três pontos centrais acerca do direito ao desenvolvimento: a participação; a

57 O texto na íntegra da Declaração Universal dos Direitos Humanos encontra-se disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-Direitos- Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html>. Acesso em: 13 abr. 2017.

58 ONU. Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento 1986. Disponível em:

<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/desenvolv.htm>. Acesso em: 15 abr. 2017.

justiça social, no sentido do atendimento às necessidades básicas; e, por último, a existência de programas e políticas nacionais e também de cooperação internacional59.

Cabe aqui a observação de que esta dissertação é conduzida de uma forma que, em se fazendo um paralelo, aproxima-se das ideias desenvolvidas por Allan Rosas, na medida em que se trabalha com os biocombustíveis enquanto uma centralidade temática e ao seu entorno circundam diversas questões, que se interconectam, como o desenvolvimento, o desenvolvimento sustentável, a inclusão social, os programas e as políticas públicas, que devem fomentar, em última forma, uma construção mais democrática da sociedade (que não se desenlaçam sozinhos carregando em si influências das agências e dos organismos internacionais). Ilustra-se um a visão sistêmica acerca da temática da produção dos biocombustíveis fundamentada neste trabalho no Gráfico 5.

Gráfico 5. A centralidade da temática dos biocombustíveis e as questões circundantes e

interconectadas (elaboração da autora).

Retornando aos diplomas internacionais, diversos foram os tratados e as declarações a reforçar o entendimento do direito ao desenvolvimento como universal e inalienável,

59 A partir, principalmente, da Declaração de 1948, começa a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos

Humanos. [PIOVESAN, Flávia Cristina. Direito ao Desenvolvimento. Disponível em: <http://dhnet.org.br/direitos/militantes/flaviapiovesan/piovesan_direito_ao_desenvolvimento.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2017.] BIOCOMBUSTÍVEIS DESENVOLVIMENTO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL INCLUSÃO SOCIAL PROGRAMAS E POLÍTICAS PÚBLICAS JUSTIÇA INTRA E INTERGERACIO- NAL

entretanto, deteremo-nos a essa breve análise e partiremos para as críticas ao desenvolvimento formuladas por alguns teóricos.

Apesar do caráter jurídico comprovado pela tríade de fatores explanados anteriormente, diversas são as correntes contestadoras do desenvolvimento, entre elas se destaca os seguidores do pensamento de Wolfgang Sachs e autores assemelhados60, ao afirmar que o desenvolvimento é um conceito sem conteúdo utilizado para justificar todo e qualquer tipo de intervenção, apesar de geralmente os autores se referirem a ele dotados de boas intenções61.

Além de outras críticas, é interessante mencionar que Wolfgang Sachs esmiúça o discurso do desenvolvimento em diversos conceitos-chave, quais sejam: pobreza, produção, noção de estado e igualdade, inicialmente difundidos na história ocidental e mais tarde, projetados para o mundo; cada um desses conceitos-chave cristaliza pressupostos tácitos reforçando a visão de mundo ocidental, e à medida que se espalhavam, difundiam a percepção ocidental da realidade enquanto reduziam ao esquecimento formas diferentes, ou seja, não ocidentais, de se relacionar com o mundo ao redor; e, ao se sobrepor a essas culturas, exercia uma relação de dominação62.

Ao se propagar o discurso jurídico do desenvolvimento surge a necessidade da reestruturação do estado, de modo que ele abarque essa sua nova função, assim surgiram,