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2 ASPECTOS CONCEITUAIS E JURÍDICOS DA PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS NO BRASIL: OS FATORES DO DESENVOLVIMENTO E DO

2.2 A PRODUÇÃO DOS BIOCOMBUSTÍVEIS COMO FATOR DE DESENVOLVIMENTO

2.2.2 Biocombustíveis, desenvolvimento e a crise do Estado

Construído o arcabouço acerca do desenvolvimento como direito fundamental, do desenvolvimento na doutrina jurídica, e dele enquanto fenômeno positivado nos diplomas internacionais, prossegue-se com a análise do desenvolvimento como um fenômeno jurígeno,

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DIMOULIS, Dimitri; VILHENA, Oscar Vieira (org.). Estado de Direito e o desafio do desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011. (Coleção direito, desenvolvimento e justiça. Série produção científica). p. 10

65 RODRIGUEZ, José Rodrigo (org.). O novo direito e desenvolvimento: presente, passado e futuro: textos

selecionados de David M. Trubek. São Paulo: Saraiva, 2009. (Série direito em debate: direito, desenvolvimento e justiça). p. 15-16.

agora com o processo de constitucionalização do desenvolvimento. Aproveitando o ensejo para tratar do processo de constitucionalização já traçando um paralelo com o Estado em crise e como essa situação deixa em um plano de insegurança os biocombustíveis.

O desenvolvimento começou a ser positivado em Constituições brasileiras a partir da Constituição de 1934, passando pelas constituições de 1937, de 1946, de 1967/1969, até chegar, por fim, na Constituição de 198866.

São encontradas, na Constituição Federal de 1988, em torno de 50 (cinquenta) passagens do termo desenvolvimento em suas diversas acepções, fixando diretrizes, princípios, normas. Em seu preâmbulo67, o desenvolvimento faz sua primeira aparição como um dos preceitos assegurados pelo Estado Democrático. No art. 3º, um dos objetivos da República Federativa é garantir o desenvolvimento nacional (inciso II). No parágrafo único do art. 23, a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverá prezar pelo equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar nacional.

Quanto à competência legislativa sobre o desenvolvimento, compete concorrentemente à União, aos Estados e ao Distrito Federal (art. 24, inciso IX). Há ainda grande parte de artigos da Carta Magna dedicados ao desenvolvimento regional (art. 43, por exemplo). Ênfase pode ser dada ao artigo 174, que dispõe sobre as funções de fiscalizador, incentivo e planejamento, ou seja, o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, inclusive voltada para o desenvolvimento nacional equilibrado.

O artigo 170 e seguintes tratam especificamente da ordem econômica e financeira constitucional, estabelecendo os princípios gerais da atividade econômica, que tem por fundamento a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, tendo finalidade assegurar a todos uma existência digna e pautada na justiça social. Entre os princípios mencionados estão a livre concorrência, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca pelo pleno emprego.

Portanto, do exposto, depreende-se que o desenvolvimento está amplamente positivado na Constituição brasileira, entretanto não há uma definição do que seja o conceito de desenvolvimento na norma constitucional68. Alguns autores defendem que na constituição

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Leonardo Alves Corrêa considera a Constituição de 1988 como um marco consolidador do discurso jurídico constitucional desenvolvimentista. [CORRÊA, Leonardo Alves. Desenvolvimento econômico e desenvolvimento:

uma interpretação a partir da constituição de 1988. Rio de Janeiro: Publit, 2011. p. 67.]

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Segundo José Afonso da Silva, o preâmbulo é a expressão solene de propósitos e, no caso das Constituições Brasileiras, desde o império, exerce a função de cláusula de promulgação e ordem de obediência. [SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 22]

68 Vale salientar que existem várias ideias sobre a natureza do desenvolvimento na constituição brasileira, mas

de 1988 não é possível compreender o desenvolvimento como uma categoria específica, devendo ser entendido como uma categoria jurídica multifacetada, ou seja, não é especificamente um direito fundamental, nem um princípio jurídico, nem uma diretriz constitucional, mas uma junção dessas três proposituras, cada uma se destacando mais ou menos a depender da passagem da Constituição69.

Voltando ao disposto na ordem econômica e financeira, ao serem mencionadas a valorização do trabalho humano, o asseguramento de uma existência digna e justiça social, e também a busca pelo pleno emprego e pela redução das desigualdades sociais e regionais, sendo também temáticas afetas à dignidade da pessoa humana, essa disciplina constitucional correlaciona-se sobremaneira com os biocombustíveis e sua produção no Brasil.

Segundo o levantamento Renewable Energy and Jobs – Annual Review 2017, da International Renewable Energy Agency – Irena em parceria com a International Energy Agency – IEA, o Brasil é o país que mais gera empregos na indústria mundial de biocombustíveis, com 783 mil vagas criadas no ano de 2016, seguido pelos Estados Unidos da América – EUA (com a marca de 283 mil empregados na indústria dos biocombustíveis) e pela União Europeia. Então há um forte viés de inclusão social, de persecução pela garantia do pleno emprego, de existência digna e todos os valores constitucionais retromencionados70.

Além disso, algumas políticas na seara dos biocombustíveis incentivaram a inclusão social e o desenvolvimento sustentável, como o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel – PNPB. O PNPB, em suas origens, no ano de 2004, firma como principais objetivos a implantação de um programa sustentável de modo a fomentar: a inclusão social; a garantia de preços competitivos, qualidade e suprimento necessário; e diversificação das fontes de oleaginosas, com mecanismo de persecução do desenvolvimento regional.

Entre os métodos de inclusão do PNPB está o selo combustível social: as empresas detentoras do selo recebem incentivos fiscais e tem participação de 80% assegurada nas negociações do combustível nos leilões da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, além de melhores condições de financiamento junto aos bancos que operam no PNPB. Em troca, elas devem adquirir produtos da agricultura familiar, bem como prestar

69 CORRÊA, Leonardo Alves. Desenvolvimento econômico e desenvolvimento: uma interpretação a partir da

constituição de 1988. Rio de Janeiro: Publit, 2011. p. 68.

70 IRENA. Renewable Energy and Jobs – Annual Review 2017. Abu Dabhi: International Renewable Energy

Agency, 2017. Disponível em:

<https://www.irena.org/DocumentDownloads/Publications/IRENA_RE_Jobs_Annual_Review_2017.pdf>. Acesso em: 1 maio. 2017.

assistência técnica aos agricultores. Surgindo justamente diante da necessidade de o Brasil desenvolver a agricultura familiar e valorizar as pequenas propriedades rurais.

Entretanto, esse cenário de iniciativas (do qual o PNPB é um dos exemplos, entre tantos outros, bem sucedidos ou não) na busca de um desenvolvimento integrado foi prejudicado, entre outros fatores, pela crise que o Brasil enfrenta – primeiramente política, associada a uma crise econômica e que tem gerado uma crise no Estado Democrático de Direito brasileiro, tanto de representatividade, quanto das próprias instituições.

Em poucas palavras, Celso Furtado previu a crise econômica que assolaria o Brasil ao mencionar, em discurso proferido na sede do Banco do Nordeste, no dia do encaminhamento da lei de recriação da SUDENE ao Congresso Nacional, que o governo anterior tirou proveito do aumento da liquidez internacional, aumentando-se a oferta nacional de bens de consumo, mas havendo uma inversão da balança comercial, que se tornou fortemente negativa, e expondo a economia brasileira a um risco gradualmente maior de recessão, podendo comprometer os projetos de investimento a médio e longo prazos, incluindo a SUDENE71.

Sobre a crise também é interessante se voltar às ideias de José Eduardo Faria, para quem as crises, independentemente de sua natureza, devem ser encaradas como momentos desafiadores, e não desanimadores72: desafiam a autossuficiência dos sistemas, põem em xeque as prioridades, exigindo novas estratégias e novos planos de ações. Principalmente quando as crises são internacionais, não é apenas voltando a um patamar de sobreposição de interesses nacionais que essas são superadas, são necessários esforços multilaterais para além dos acordos de cooperação intergovernamental, passando por novas estruturas institucionais e regulações transnacionais, ou seja, do surgimento de novas relações de força73.

Faz-se necessário entender alguns aspectos da “crise”. Inicialmente, em referência à crise do Direito, Roberto Freitas Filho afirma que a crise se dá em três níveis distintos: normativo, institucional e jurídico-cultural, e configura-se como um conjunto de condições que apontam para uma possibilidade de mudança, revelando-se em anomalias de um modelo

71 A previsão de Furtado não apenas se concretizou como o próprio projeto de recriação da SUDENE demorou a

sair do papel. [ARAÚJO, Tânia Bacelar de. Desenvolvimento Regional no Brasil. In: FURTADO, Celso. O

pensamento de Celso Furtado e o Nordeste hoje. Rio de Janeiro: Contraponto: Centro Internacional Celso

Furtado de Políticas para o Desenvolvimento: Banco do Nordeste do Brasil, 2009. p. 42.]

72 A composição “Crise”, da banda carioca Pedro Luis e a Parede, ilustra a compreensão popular sobre a crise:

“A crise é o alimento da crise/ E quem não crê na crise do momento?/ A falta de combustível/ Crise/ Burrice abaixo do nível/ Crise/ O império é destrutível/ Crise/ E o homem incompatível/ Pra onde ela vai,/ De onde ela vem?/ Quem cria a crise diz que não tem”.

73 FARIA, José Eduardo. O Estado e o Direito Depois da Crise. São Paulo: Saraiva, 2011. (Série Direito,

incapaz de dar respostas satisfatórias a problemas contemporâneos no plano da concretude fática. Atualmente, deve-se pensar o direito entre questões macroeconômicas, novos direitos, globalização econômica, perda de capacidade normativa do Estado-nação, entre outros fatos74. Historicamente, entre a década de 1980 e início da década de 1990, houve uma profunda mudança na configuração política mundial, com a quebra de barreiras ao comércio internacional, revolução das comunicações, surgimento de novas questões jurídicas, como por exemplo, questões jurídicas e éticas surgidas com o avançar da biotecnologia. Politicamente, o Estado se reconfigura; e o Direito, instrumento de regulação estatal também se reconfigura. O estado em crise gera também a crise no Direito75. Já a atual crise pode ser dita como uma nova crise tecnológica, que em virtude dos elevados níveis de interdependência globais, toma uma maior proporção, afetando mais Estados concomitantemente.

Roberto Freitas Filho tem a percepção de que a crise é em nível econômico e dos modelos de regulação social tradicionais, entre eles o Direito; em um claro indicativo de que os mecanismos econômicos, sociais e jurídicos de regulação já não funcionam. Portanto, a crise atual é uma crise de diversas esferas, não apenas uma crise jurídica ou econômica, acima de tudo, envolve uma crise política e das próprias instituições.

É inegável que, em momentos de crise como o presente, reacendam-se debates sobre o maior ou menor intervencionismo estatal, por meio de autarquias e controle normativo direto; ou por uma menor intervenção, por meio de controles indiretos das agências reguladoras, de modo a aumentar a eficiência da interação com o mercado financeiro76. Independente da vertente escolhida, a busca é sempre a de aumentar a eficácia de recursos escassos frente às necessidades ilimitadas.

A perspectiva brasileira, por todo o contexto delimitado, parece tender ao desinvestimento na seara dos biocombustíveis, principalmente do biodiesel, tendo como justificativa a crise e a consequente política de desinvestimentos dela decorrente, no lugar de anteriores políticas públicas que visavam ao desenvolvimento em sua vertente multidimensional como explanada acima; e a priorização de alternativas rápidas que possam

74 FREITAS FILHO, Roberto. Crise do Direito e Juspositivismo: a exaustão de um paradigma. 2. Ed. Brasília:

Uniceub, 2013. Disponível em:

<http://repositorio.uniceub.br/bitstream/235/4067/1/Crise%20do%20Direito.pdf>. Acesso em: 2 maio 2017.

75 FREITAS FILHO, Roberto. Crise do Direito e Juspositivismo: a exaustão de um paradigma. 2. Ed. Brasília:

Uniceub, 2013. Disponível em:

<http://repositorio.uniceub.br/bitstream/235/4067/1/Crise%20do%20Direito.pdf>. Acesso em: 2 maio 2017. p. 24.

76 FARIA, José Eduardo. O Estado e o Direito Depois da Crise. São Paulo: Saraiva, 2011. (Série Direito,

gerar um crescimento, mas que tendem, no fim, ter um efeito contrário e acabar agravando a própria crise, ao invés de saná-la.

Apesar de inúmeras vezes associarem e justificarem a política de desinvestimentos em searas sociais, de políticas públicas inclusivas, entre outros projetos de justiça distributiva, com o argumento da crise, percebe-se que a economia tem se encaminhado melhor que nos anos anteriores. Mesmo quando situações agravam a vertente da crise política, a economia, apesar de não estar em seu melhor momento, tem se mostrado resiliente77.

Os bons índices da economia são apontados como frutos também da agenda reformista implantada pela equipe econômica do Governo e pelo Congresso Nacional, reações nacionais e internacionais positivas às propostas da reforma da Previdência Social e trabalhista; a mudança do marco regulatório do petróleo e gás; da renegociação de dívidas estaduais; dos cortes aos empréstimos com juros subsidiados do BNDES; do novo programa de concessões, privatizações e parcerias público-privadas; da aprovação de emendas constitucionais prevendo limites orçamentários para os gastos públicos; entre outras medidas.

Quando são observados os cortes orçamentários realizados em diversos setores ao longo dos anos de 2013 a 2017, aponta-se para a uma reestruturação estatal mais acentuada que nos anos imediatamente anteriores. Inicialmente, buscou-se uma economia regulada, em um primeiro momento, adotando-se um modelo de Estado mais voltado ao bem-estar social, tendo ênfase em uma justiça mais redistributiva e em programas de inclusão social, que remontam ao Welfare State.

Contrapondo-se ao momento atual de reorganização das estruturas, de privatizações, de reduções de custos que, embora ainda contenha elementos do modelo anterior, assemelha- se mais ao Workfare State78. Esse novo contexto afeta completamente as políticas públicas e atividades produtivas de grande peso e visibilidade nacional, e seus impactos são difíceis de serem dimensionados precocemente.

A título de exemplo, algumas propostas de alteração no PNPB já foram realizadas, inclusive sobre os critérios de concessão do Selo Combustível Social, em comento acima,

77 VALOR ECONÔMICO. O Brasil além da crise. Disponível em:

<http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-brasil-alem-da-crise,70001846146>. Acesso em: 20 jun. 2017.

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Nesse sentido, Raphael de Almeida Magalhães afirma que a opção brasileira foi pela economia de mercado, nos últimos anos, justificada pela globalização, relegando a um plano secundário discussões mais consistentes sobre um projeto nacional de desenvolvimento; com deslocamento da agenda política para temas como a inflação, as privatizações, etc., com desmoralização dos governos e desconstrução das entidades – que, a princípio, seriam as únicas capazes de lastrear as mudanças necessárias para que o país cresça ao nível de proporcionar desenvolvimento e justiça social. [MAGALHÃES, Raphael de Almeida. Desenvolvimento econômico: escolha política, e não técnica. In: CARDOSO JR., José Celso (org.). Desafios ao desenvolvimento

bem como se propõe um novo marco regulatório para os biocombustíveis, em especial o etanol, mas não deixando de incluir outros tipos de biocombustíveis produzidos no Brasil – o Programa RENOVABIO, que será mais bem detalhado adiante, mas que deixa a desejar nos aspectos relativos à sustentabilidade e à inclusão social (entre outros aspectos), fortes marcas do PNPB.

Por toda essa agenda econômica implantada para recuperar economicamente o Brasil, muito ainda se tem a pensar sobre as nascentes políticas e programas governamentais, mas é certo que não pode haver um retrocesso social79, nem a perda do papel de fomento ao desenvolvimento regional80. E é inegável a importância das políticas públicas para a consolidação do desenvolvimento, como bem explana Fábio Konder Comparato, ao afirmar que o desenvolvimento é processo de longo prazo, induzido por políticas públicas ou programas governamentais interligando os campos econômico, social e político81.

Cabe aqui a reflexão trazida por Leonardo Alves Corrêa, que o efeito jurídico da apologia ao discurso de um modelo jurídico de desenvolvimento serve como parâmetro para formulação de políticas públicas, principalmente a política econômica. Portanto, a ordem econômica constitucional desenvolvimentista preenche ideologicamente a delimitação de políticas econômicas82. Sendo importante, no sentido de as políticas econômicas e de as políticas públicas não deverem se desvincular do sentido ideológico norteado pela Constituição.

Assim, se constatado que as políticas econômicas, aqui inclusas as políticas públicas, se tornarem excessivamente agroexportadoras ou apenas gerarem isenções aos setores de forte lobby político, mesmo sob o pretexto de progresso e desenvolvimento nacional, não há como se harmonizar com o modelo jurídico constitucional no sentido delineado pelo poder constituinte originário83.

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“Não há tecido que seja belo se ele causa fome e miséria” – Mahatma Gandhi.

80 ARAÚJO, Tânia Bacelar de. Desenvolvimento Regional no Brasil. In: FURTADO, Celso. O pensamento de

Celso Furtado e o Nordeste hoje. Rio de Janeiro: Contraponto: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas

para o Desenvolvimento: Banco do Nordeste do Brasil, 2009.

81 Comparato delimita o elemento econômico como o crescimento endógeno sustentado na produção de bens e

serviços; o elemento social é a evolução para uma progressiva igualdade das condições básicas de vida; e o elemento político, como a ferramenta crucial do processo: o povo assumindo o seu papel de sujeito político, legitimador e destinatário do poder. [COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos

Humanos. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 300 et seq.]

82 CORRÊA, Leonardo Alves. Desenvolvimento econômico e desenvolvimento: uma interpretação a partir da

constituição de 1988. Rio de Janeiro: Publit, 2011. p. 129.

83 CORRÊA, Leonardo Alves. Desenvolvimento econômico e desenvolvimento: uma interpretação a partir da

Bercovici tece importante comentário acerca da discricionariedade das políticas do Governo, afirmando que a discricionariedade é larga, entretanto não é absoluta, uma vez que discricionariedade não pode ser sinônima de plena liberdade, nem de arbitrariedade; os governos constitucionais devem atuar em conformidade com a Constituição; também não podendo se utilizar apenas de juízos de conveniência e oportunidade em sua condução, devendo ser vinculada a padrões jurídicos e constitucionais, em especial84.

Percebe-se, diante das ideias propostas acima, que o fator “crise” influencia muito o progresso das políticas públicas voltadas aos biocombustíveis, mas na realidade o fato que mais as modifica é a gradual mudança de paradigma governamental de um Estado que privilegia o desenvolvimento amplamente caracterizado ou de um Estado mais voltado ao crescimento econômico, ou ainda de um Estado menos presente nos processos econômicos e sociais vivenciados.

Até porque, como bem leciona Suzy Koury, apesar da ideologia constitucionalmente adotada no Brasil indicar a opção pelo Estado Social, não foram cumpridos os compromissos constitucionais dele decorrentes. Ao contrário, já se advoga pela adoção de um modelo pós- moderno, neoliberal, argumentando que o modelo de Estado Social anterior não permitiu o desenvolvimento do país; o que é uma inverdade na medida em que o estado do bem-estar social não é o responsável pela crise do capitalismo brasileiro, uma vez que os compromissos dele decorrentes não foram cumpridos, sendo então ilógico responsabilizá-lo por tal feito85.

Vistos breves aspectos sobre o desenvolvimento na constituição brasileira, sobre como os biocombustíveis podem concretizar diretrizes e normas constitucionais, e após noções de como a crise do Estado e a mudança de paradigma de políticas de investimento podem afetar o direcionamento da produção dos biocombustíveis, discorre-se sobre o desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade da produção dos biocombustíveis no Brasil.

2.3 A PRODUÇÃO DOS BIOCOMBUSTÍVEIS COMO FATOR DE

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Em razão dos acordos internacionais, com repercussão no ordenamento jurídico interno, e das estatísticas apresentadas anteriormente quanto à expansão da produção dos

84 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003. p.

289-290.

85 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A CRFB/1988 encontra Keynes: a viabilidade do Estado Social nos

momentos de crise. In: DIAS, Jean Carlos; GOMES, Marcus Alan de Melo (coord.). Direito e

biocombustíveis, e, por conseguinte, de suas matérias-primas, verifica-se a necessidade de se desenvolver o setor energético vinculado à efetivação dos princípios dirigentes e normas constitucionais programáticas, culminando em um desenvolvimento econômico social e ambientalmente sustentável.

Finda a avaliação, no item 2.2, da convergência entre o desenvolvimento e a produção de biocombustíveis, inicia-se agora a interpretação de outra face do desenvolvimento inter-relacionada com a temática dos biocombustíveis: o desenvolvimento sustentável. Nessa perspectiva, para melhor compreensão de suas correlações com o direito, trabalha-se no entendimento da institucionalização do desenvolvimento sustentável – item 2.3.1, posteriormente, no item 2.3.2, será realizada um estudo sobre o potencial dos biocombustíveis brasileiros serem concretizadores do ideal constitucional de desenvolvimento sustentável, positivado principalmente no art. 225 da Constituição Federal de 1988.