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A Lei de Bases do Sistema Educativo: as fragilidades de um produto de

Em 14 de Outubro de 1986, com a Lei n.º 46/86 é instituída a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) que rege o conjunto de meios, designadamente as estruturas e as acções necessárias a uma função formativa que visa não só o progresso social e a democratização da sociedade, como o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade. Desta forma, prevê-se, através de um conjunto de instituições e entidades públicas, particulares e cooperativas, assegurar, a todos os portugueses, o direito à educação e à cultura previsto na Constituição da República.

A homologação desta Lei permitiu, de alguma forma, responder à segunda maior preocupação que se fazia sentir em Portugal, desde 1978 e com especial acuidade a partir da década de 80. Efectivamente, após a transição, no tipo de abordagem, do plano politico para o do planeamento, a Lei nº 46/86 vem permitir perspectivar a educação em moldes globais e coerentes.40 Esta Lei - não obstante o esforço de sistematização jurídica

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De facto, o processo de descontinuidade que se verificara com a revolução do 25 de Abril e manifestada através da ruptura com a Lei nº 5/73, parecia, agora, com a criação de uma lei de bases, interrompida. Enquanto que as prioridades do período pós-revolução incidiam sob a necessidade de se aplicar, a este âmbito da vida social, os princípios de uma sociedade igualitária, participativa e democrática através de “vertentes como o acesso à educação, os conteúdos educativos, a estrutura escolar, os apoios educativos, a gestão escolar ou a valorização dos agentes educativos -, enquanto elemento fundamental de legitimação da nova situação politica.” (Teodoro, 2001:399), a partir de 1978 e sobretudo durante a década de 80 a prioridade assentou na necessidade de se transitar, do plano político para o planeamento educativo. Note-se que o objectivo de integração europeia, de alguma forma materializado com a adesão de Portugal à CEE, iniciativa que terá contado no plano político com a aprovação de três dos quatro maiores partidos políticos portugueses: PS, PSD e CDS deslocou o centro das atenções do âmbito interno para o âmbito externo. Além do mais esta transição é, de alguma forma, responsável por uma determinada hegemonia ideológica de coesão social. Neste sentido, poder-se-á afirmar que a década de 80 obedeceu a uma lógica e discurso em que o desenvolvimento do sistema educativo e a correspondente melhoria dos respectivos resultados se assumia como o motor do desafio exógeno que se colocava a Portugal. “A educação, no plano programático, foi deixando de ser considerada, prioritariamente, uma questão social para passar a ser um sector determinante na valorização dos recursos humanos,…”, como, aliás, se pode aferir da mudança de posicionamento do sector da educação, do capítulo relacionado com as questões sociais, durante os VI, VII e VIII Governos para o capítulo respeitante à valorização dos recursos humanos, nos IX e X Governos. Desde

a que correspondeu, bem como o contributo que trouxe no sentido da consagração de princípios paradigmáticos do pensamento pedagógico português, bem como daqueles que, a nível internacional, se consideravam elementares para o processo de democratização do sistema e, ainda, de alguns dos valores exaltados com a revolução de Abril, e, portanto, o seu sentido de coerência face à Constituição da República – dado o consenso que buscou entre os projectos e propostas apresentadas por quase todos os partidos políticos (PS,MDP-CDE, PCP e PRD), não implicou, um tanto paradoxalmente, qualquer ruptura com as medidas adoptadas até então. Aliás, para autores como Boaventura de Sousa Santos (1990) e Stoer e Araújo (1991) pecará por tardia ao institucionalizar a relação educação-democracia, num contexto em que deveria já privilegiar a relação educação-mercado de trabalho.41

Sem prejuízo do sistema educativo estar, geograficamente, circunscrito ao continente e regiões autónomas e visar responder às necessidades resultantes da realidade social, deveria, de acordo com o ponto 4 do artigo 1.º da referida LBSE, poder abranger outros países e locais habitados por portugueses ou nos quais se constatasse o interesse no desenvolvimento e divulgação da cultura portuguesa.

Na organização do sistema educativo, conforme o artigo 4.º do capítulo II, insere-se a educação pré-escolar, a educação escolar e a educação extra-escolar. É no âmbito da educação escolar que, para além do ensino básico e secundário, se enquadra o superior. No artigo 11.º, o ensino superior é identificado, quer com o ensino universitário, quer com o ensino politécnico.42

Nos pontos 3 e 4 do artigo 11.º definem-se os ensinos universitários e politécnicos, respectivamente. Enquanto que do primeiro se perspectiva “uma sólida preparação científica e cultural”, relativamente ao segundo existe a expectativa de conferir “uma sólida formação cultural e técnica de nível superior”. No entanto, também do primeiro se pretende uma formação técnica que permita o exercício de actividades profissionais e culturais. Por outro lado, se como objectivos para o ensino universitário se estabelece: “o desenvolvimento das capacidades de concepção, de inovação e de análise crítica”, também do ensino politécnico se espera para além da transmissão de “conhecimentos

Abril de 1980 a Fevereiro de 1986, fruto de uma enorme diversidade de autores, foram em número considerável as Propostas de Lei e Projectos de Lei apresentados. A primeira das propostas apresentadas foi da autoria de Vítor Crespo, Ministro da Educação e Ciência do VI Governo, que para o efeito terá, de alguma forma, seguido de perto a metodologia adoptada anteriormente por Veiga Simão, incluindo um período de debate, elaboração e aprovação da Lei.

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A década de 80, conforme tivemos já oportunidade de referir, encontra-se perfeitamente conotada com a prioridade de adequação do sistema educativo às necessidades de modernização da economia portuguesa, dada a sua integração na CEE e a construção do mercado único em detrimento da democratização da educação.

científicos de índole teórica e prática e as suas aplicações com vista ao exercício de actividades profissionais”, o desenvolvimento de qualidades como a inovação e análise crítica, do que se verifica que o legislador manifesta grande embaraço na distinção que pretende fazer, quase se limitando a um mero exercício de semântica, exprimindo ideias semelhantes em tempos e modos não coincidentes.

Com algum esforço e no desejo de encontrar algumas diferenças, talvez se possam deixar os seguintes registos impressivos:

a) o primeiro, de reserva para o ensino universitário o desenvolvimento da capacidade de “concepção”;

b) o segundo, de uma orientação aparentemente mais determinada, para o ensino politécnico, no sentido da assunção da articulação dos “conhecimentos científicos de índole teórica e prática” e as suas aplicações para o “exercício de actividades profissionais”.

Para além do mais, o perfil prospectivo do ensino ministrado pelas universidades indicia uma lógica curricular sequencial43, não aplicável ao ensino de natureza politécnica, até porque durante o período em que o mesmo decorre, é suposto e até desejável o acumular de experiências, de índole profissional, diversificada.

No que concerne ao acesso aos distintos cursos, no âmbito do ponto 3 do artigo 12º, é estabelecida uma relação de dependência, inequívoca, relativamente, às necessidades do país, quer quanto à existência de quadros qualificados, quer quanto à “elevação do nível educativo, cultural e científico”, podendo, ainda, estar condicionado pelo interesse de se assegurar um determinado nível de qualidade de ensino.

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Refira-se que a organização do ensino superior se encontra entre os temas que “produziram maior confronto e debate intenso na elaboração da lei” (Pires, 1987:19)

“O desafio da Europa exige uma mudança radical do actual panorama, que há que encarar frontalmente e que, por certo, envolverá sacrifícios do país presente em benefício do país futuro. A preparação de uma Lei de Bases do Ensino é um marco essencial, mas essa Lei, para cumprir a sua finalidade, terá que assentar, por um lado, numa profunda análise da situação que perspective a sociedade portuguesa pelo menos até ao final do século e, por outro, no exacto conhecimento do que é actualmente o sistema de ensino no nosso país.” (Veiga da Cunha, 1981:5 in Teodoro, António, 2001:402). A aprovação da Lei de Bases ocorreu num contexto em que, no plano social, várias organizações se insurgiam contra um sistema educativo assente em medidas avulsas, tais como a institucionalização do ano propedêutico, do 12º ano, ensino superior politécnico, criação de novas universidades, ensino técnico profissional e formação de professores.

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Enquanto que a formação dos indivíduos, no ensino de cariz universitário, obedece a uma lógica curricular em que numa 1ª. fase se proporcionam conhecimentos de natureza mais geral, para numa segunda se facultarem outros mais especializados e só, por último, se prever o acesso a experiências de índole prática, no ensino politécnico a relação com experiências profissionais, durante o período de duração previsto para a obtenção de determinado curso, ocorre, com alguma regularidade, nomeadamente entre a conclusão dos dois graus que o mesmo está habilitado a conferir.

Ainda relativamente à política de acesso, e no âmbito do ponto 4 do artigo supra mencionado, se determina que o Estado crie condições que permitam evitar situações de discriminação, quer por razões de ordem económica e regional, quer social.

Enquanto que no ensino universitário se prevê a concessão dos graus de licenciado, mestre e de doutor, bem como outros certificados e diplomas, designadamente, idênticos aos atribuídos pelas escolas superiores de educação44, no ensino politécnico é conferido, de acordo com o ponto 4 do artigo 13º, o grau de bacharel e ainda diplomas de estudos superiores especializados e ainda certificados e diplomas de frequência de cursos de curta duração, residindo, talvez neste ponto, o maior eixo de separação e efectiva distinção entre os dois subsistemas.45 O acesso aos cursos de estudos superiores especializados é condicionado aos detentores do grau de bacharel ou licenciado e o respectivo diploma equivale ao grau de licenciado para efeitos profissionais e académicos.

No ponto 7, do mesmo artigo, prevê-se que os cursos de estudos superiores especializados, desde que formem um conjunto coerente com um curso de bacharelato precedente, possam conduzir ao grau de licenciado.

Neste sentido, com a LBSE a atribuição dos graus de mestre e de doutor passa a ser da exclusiva competência das instituições de ensino universitário.

Finalmente, no seu ponto 8 assume-se, claramente, a articulação entre estes dois subsistemas de ensino, quer pelo reconhecimento do valor da formação prestada, por cada um, e das competências adquiridas pelos seus alunos, quer pela atribuição de equivalências aos respectivos planos de estudo, através de um sistema de créditos.

Enquanto que o ensino de tipo universitário é proporcionado através de universidades e escolas universitárias não integradas, o ensino do tipo politécnico é facultado em escolas superiores especializadas nas áreas das tecnologias, artes, educação, entre outras que poderão fazer parte integrante, quer das próprias universidades, quer associar-se em estruturas mais vastas que, inclusive, assumam

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Enquanto que a formação de professores do 3º ciclo do ensino básico e de professores do ensino secundário de realiza única e exclusivamente em universidades, a formação de educadores de infância e dos professores do 1º e 2º ciclos do ensino básico pode ocorrer, quer em escolas superiores de educação, quer em universidades. Ainda que condicionadas, pelo Decreto-lei nº 344/89, à formação de educadores de infância e professores de 1º e 2º ciclos, ficam as primeiras obrigadas, pela mesma lei, designadamente, no seu artigo 28º à promoção de actividades de acompanhamento e acções de formação destinadas aos “docentes das escolas integradas na área de influência, tendo-se reforçado, igualmente, a sua intervenção no domínio da “profissionalização em serviço”. Mais tarde, através da lei nº 115/97, de 19 de Setembro, a formação inicial dos professores de 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico, passa a poder realizar-se, quer em escolas superiores de educação, quer em estabelecimentos universitários, passando, por outro lado, as ESES, entre outras destinadas à formação de professores, a poder conferir o grau de licenciado a educadores de infância e professores do ensino básico e secundário detentores do grau de bacharel ou equivalente, que concluíssem com aproveitamento os “Cursos de Complemento Científico e Pedagógico”.

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designações consonantes com os interesses regionais e ou os domínios de especialização das próprias escolas.

Quanto à investigação científica, ela é, genericamente, considerada, no artigo 15º da LBSE como uma das atribuições do ensino superior. No âmbito do mesmo atribui-se ao Estado o dever de assegurar as condições materiais e culturais passíveis de a promover, bem como o de estimular, para esse efeito, a cooperação dos estabelecimentos de natureza pública e os de natureza particular e cooperativa. Ainda que se faça menção ao interesse de se adaptar o tipo de investigação a desenvolver à natureza da escola, preconiza-se, expressamente, que a mesma constitua um contributo efectivo, para o desenvolvimento social, económico e cultural do país.

O planeamento e reorganização da rede escolar pública, bem como a construção e manutenção dos edifícios escolares e respectivos equipamentos é da competência do Estado. A criação desta rede deveria atender às necessidades das diferentes regiões do país com vista, não só, à extinção das diferenças regionais e locais, como à promoção da igualdade de oportunidades.

Assim sendo, o número de estabelecimentos a criar e a sua dimensão deveria variar em função das necessidades de cada região e do número potencial de alunos para o frequentar. A concepção dos diferentes estabelecimentos deveria respeitar as especificidades de cada nível de ensino, o interesse na prática de abertura dos mesmos a actividades extra-curriculares, bem como a actividades a desenvolver pela comunidade e prever, ainda, a possibilidade de os mesmos virem a ser utilizados por deficientes. A própria filosofia de gestão dos espaços deveria concorrer directamente para uma formação de sucesso.

Em jeito de síntese e sem prejuízo das orientações coincidentes entre os dois subsistemas, explicáveis pela sua comum condição de ensino superior, admite-se que a intenção profissionalizante, bem como os graus, diplomas ou certificados académicos atribuíveis por cada um, consubstanciam, então, as principais diferenças entre o ensino superior politécnico e o ensino superior universitário.

“A separação entre estes dois subsistemas do ensino superior ficou então estabelecida nos graus e diplomas a conceder, ficando o ensino universitário com a permissão de conferir os graus de licenciado, de mestre e de doutor...De qualquer modo a missão de preparar os educandos para uma adequada inserção profissional parece constituir-se como um dos atributos essenciais do ensino superior politécnico...” (Arroteia, 2002:56).

Particularidade que importa, ainda, salientar resulta do facto da LBSE eleger a Escola Superior como unidade-base do ensino politécnico, afastando-se, assim, do

pensamento anterior que a situava no Instituto Politécnico, enquanto associação de Escolas e, nessa medida, a identificar com um modelo obrigatoriamente federativo. (Simão e Costa, 2000:26)

Mais tarde, vem o decreto-lei nº 70/88, de 3 de Março e o decreto-lei nº 389/88, de 25 de Outubro, instituir a integração dos institutos superiores de contabilidade e administração e dos institutos superiores de engenharia, respectivamente, na rede do ensino superior politécnico, a qual é, por fim, complementada na sequência da publicação do decreto-lei nº 480/88 de 23 de Dezembro, com a absorção, por este subsistema de ensino, das escolas de enfermagem.

No ano de 1989 emite o Conselho Nacional de Educação o Parecer nº 8/89, de 21 de Setembro, que preconiza que as instituições de ensino superior politécnico assumam particular relevância face ao grau de transformação tecnológica e organizativa, que começava a caracterizar, então, o tecido empresarial, e sobre o qual teremos oportunidade de nos debruçar em momentos subsequentes do nosso trabalho.

Neste sentido, no âmbito do referido documento, a intervenção dos técnicos, formados no âmbito do subsistema de ensino politécnico, evidenciaria um papel fundamental no cumprimento de determinadas funções, tais como: “reorganização do sector agrícola; modernização tecnológica dos sectores industriais tradicionais com a substituição de tecnologias obsoletas por novas tecnologias; o aparecimento de novas indústrias assentes em tecnologias mais avançadas; a adopção em diferentes sectores de novos processos de gestão e administração empresarial; o alargamento do sector terciário através da expansão e da melhoria dos serviços, nomeadamente daqueles que exijam mão-de-obra mais qualificada.” O ensino superior Politécnico assumiria, desta forma, a formação de um nível de profissionais, escassos em Portugal, com um perfil técnico distinto do técnico de matriz de formação universitária.

Ao subsistema de ensino politécnico cabe, assim, formar técnicos intermédios que nas estruturas produtivas estejam habilitados a estabelecer a relação fundamental entre o nível operacional e o nível estratégico, bem como a desenvolver funções de concepção intermédias.

Sem prejuízo da inexistência de um documento aglutinador das orientações gerais seguidas, pelos diversos Governos Constitucionais, para o subsistema do ensino superior, Teodoro (1982:71) preconiza que se conseguirão apreender a implementação das seguintes:

“1ª A introdução de limitações crescentes no acesso à universidade e ao ensino superior no seu conjunto;

2ª. A defesa de uma estrutura de ensino superior assente em duas vias paralelas e estanques: uma universitária, outra de ensino superior curto;

(...)

4ª. O aberto incentivo, particularmente nos Governos da AD, às universidades privadas.”

6. O papel do Ensino Superior Particular e Cooperativo no sistema de ensino