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O contributo do decreto-lei nº 427-B/77, de 14 de Outubro

4. O novo rumo impulsionado a partir do I Governo Constitucional

4.1. O contributo do decreto-lei nº 427-B/77, de 14 de Outubro

Por se ter, então, consideradas incompletas, e por essa razão, inconsequentes quanto aos objectivos que preconizavam, as medidas impostas pelos decretos-leis que converteram as escolas de ensino médio em escolas de ensino superior, já aqui analisadas, veio o decreto-lei n.º 427-B/77, de 14 de Outubro, institucionalizar “um novo

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Naturalmente que o cumprimento de finalidades por parte do ensino superior pressupõe a definição de politicas concertadas com o ensino secundário, sobretudo no que respeita ao seu ciclo terminal.

modelo de ensino superior”. Com efeito, o Ministro da Educação Mário Sottomayor Cardia pretendeu, com a sua acção, repor o desequilíbrio gerado entre o número de técnicos formados nestas escolas superiores e as necessidades efectivas do país.

Considerou-se, pois, que com a reconversão do ensino médio em ensino superior apenas se terá procedido a uma aproximação dos planos de estudo vigentes, aos das universidades, verificando-se, desta forma, um aumento do número de diplomados com um tipo de formação eminentemente teórica, variável apenas na duração dos cursos, não correctora, portanto, das deficiências pré-existentes.

O novo modelo, agora proposto, resultava da influência de experiências internacionais de sucesso e consubstanciava-se pela criação do ensino de curta duração que numa primeira fase, e sem prejuízo de outros domínios se virem a desenvolver posteriormente, incidiria na “tecnologia de produtos alimentares, na produção agrícola, pecuária e florestal, na tecnologia industrial, na saúde e nos serviços (secretariado, turismo, administração e contabilidade)” e ainda na formação de educadores de infância e professores do ensino primário, que sentiam agora os efeitos não só do alargamento da escolaridade mínima, como também das novas exigências, decorrentes da natural evolução científica-social, que lhes eram agora colocadas. Com este tipo de ensino de curta duração visava-se alcançar uma maior diversificação do ensino superior, como também ir ao encontro das exigências de vários sectores sócio-económicos.

Neste sentido, o decreto-lei n.º 427-B/77, de 14 de Outubro, preconizava a promoção da criação de escolas de ensino superior com um tipo de ensino de forte pendor prático, nas quais se qualificassem técnicos de nível superior intermédio, com um estatuto sócio-profissional próprio. Pretendia-se que o reconhecimento profissional destes técnicos resultasse mais do seu desempenho do que, propriamente, dos títulos académicos conquistados. Este ensino passaria a ter um carácter eminentemente regional, sendo que os respectivos estabelecimentos adoptariam a designação, ora de escolas superiores técnicas, ora de escolas superiores de educação e os seus cursos teriam uma duração variável entre quatro e seis semestres.

Na sequência desta inflexão nos propósitos políticos, a até então esperada integração dos institutos superiores de engenharia nos Sindicatos dos Engenheiros Técnicos era agora recusada, bem como o reconhecimento dos respectivos estudantes. O estatuto conferido pela legislação de 1977 não correspondia às expectativas geradas em período anterior a 1974 (Grácio in Proença, Maria Cândida, 1998: 83-84).

“Tudo neste dispositivo apontava para uma violenta degradação do estatuto dos ISEs: a supressão do título, a não referência ao grau de bacharel e à

permeabilidade entre os dois ensinos, a duração dos cursos, os nomes dos estabelecimentos, a irradicação das licenciaturas.” (Grácio, 1992:207)

No entanto, por iniciativa das organizações de engenheiros técnicos e dos estudantes dos institutos, que reagiram de forma imediata e persistente, viria a verificar- se a reabilitação e promoção deste subsistema de ensino, em sintonia com os interesses que a própria implantação do novo ensino ia gerando, corroborando-se, na prática, a tese preconizada por Cherkaoui (1982:81): “a mudança institucional não é o regulador, é o regulado”…”ela não vem do alto, sofre os constrangimentos de baixo.” Com efeito, as diligências efectuadas junto do parlamento, através dos deputados, por estes dois órgãos, anularam as medidas governamentais. Note-se, todavia, que esta situação ocorreu em período politicamente conturbado e de considerável dependência do governo relativamente ao parlamento, situação que vem a desvanecer-se a partir de 1987 com um governo apoiado por maioria parlamentar monopartidária. Esta circunstância, bem como a de o subsistema de ensino politécnico conceder diplomas de estudos superiores especializados permitiu que finalmente se tivesse conseguido a integração. A possibilidade de concessão deste novo grau, equivalente à licenciatura, terá funcionado para o efeito como uma efectiva moeda de troca, ideia que é, aliás, sustentada através da seguinte afirmação:

“As instituições de ensino ocupam posições numa estrutura hierárquica. Muitas das transformações por que passam têm a ver com as lutas que levam a cabo, frequentemente travadas entre si, e junto dos poderes públicos, para manter ou melhorar as suas posições uma vez que o estatuto social presente e futuro, dos seus professores e dos seus alunos depende estreitamente dessas posições.” (Grácio in Proença, Maria Cândida, 1998: 71).

Definiram-se, ainda, no âmbito do referido decreto-lei, os prazos para que se operasse a reconversão dos institutos superiores de contabilidade e administração, bem como as escolas de regentes agrícolas e as escolas normais de educadores de infância e do magistério primário em escolas superiores técnicas.

Os novos estabelecimentos de ensino superior de curta duração que viessem a ser considerados necessários, quer a nível nacional, quer a nível regional seriam criados por decreto.

Para além de ministrar um ensino susceptível de dotar o país de técnicos especialistas e de profissionais de educação a nível superior intermédio, nos domínios acima identificados, através da adopção de uma componente prática ou pedagógica especializada, as escolas superiores técnicas e as escolas superiores de educação

destinavam-se, igualmente, à organização de cursos de aperfeiçoamento e actualização de profissionais das áreas científicas abrangidas pela escola, bem como a prestar apoio às actividades de formação dos educadores de infância e professores do ensino primário, respectivamente. Aos seus diplomados, relativamente aos quais se nutria a expectativa de uma rápida inserção no mercado de trabalho, dada a escassez de técnicos nos respectivos domínios e o carácter profissionalizante da formação recebida, seria conferido o diploma de técnico especialista e de educador de infância ou professor do ensino primário, consoante se tratassem de escolas superiores técnicas ou de escolas superiores de educação.26

Se tal decisão política, ainda que inconsequente, na prática, correspondeu a um reforço de algumas características que ainda hoje distinguem o ensino de natureza politécnica do de natureza universitária, verifica-se, inequivocamente, por outro lado, um retrocesso quanto ao conceito normativo do ensino superior de natureza politécnica, não só pela ambiguidade da expressão, “ensino superior de curta duração”, como pela circunstância de, previamente, estabelecer limites à organização de cursos, retirando-lhe, portanto, a flexibilidade desejável para que se operasse o necessário ajustamento à complexidade das sociedades tecnologicamente avançadas. De facto, a dinâmica da vida social terá que sobrepor-se, sempre, a quaisquer tipo de limitações impostas por critérios de índole político-administrativa.

Através da Lei n.º 61/78, de 28 de Julho, o decreto-lei n.º 427-B/77 é alterado, designadamente, no sentido de o ensino superior de curta duração, então instituído, passar a ter por objectivos a formação não “de técnicos especialistas e de profissionais de educação a nível superior intermédio”, expressão que encerra alguma ambiguidade, mas sim “técnicos e profissionais de educação de nível superior”.

Para além do artigo 1.º, do decreto-lei n.º 427-B/77, ter sofrido alterações, nos moldes acima enunciados, o seu artigo 2.º foi, igualmente, emendado quanto aos seus pontos 2, 3 e 4. Enquanto que no decreto-lei n.º 427-B/77 o n.º 2 do artigo 2.º respeitava o limite temporal (início do ano lectivo de 1979/80) para a definição das condições para que a reconversão dos institutos superiores de contabilidade e administração e as então

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Na sequência do decreto-lei nº 427-B/77, de 14 de Outubro, as Escolas Normais Superiores são substituídas pelas Escolas Superiores de Educação, tendo, estas últimas, sido pioneiras a atribuir grau, dentro do subsistema de ensino superior politécnico. No âmbito das mesmas, a par com os centros integrados de formação de professores, praticava-se, por conseguinte, a formação inicial de professores do ensino primário e de educadores de infância. Aliás, o crescimento da rede de Escolas Superiores de Educação é, decisivo, para a consolidação do ensino politécnico em Portugal, quer no sentido de uma maior definição do seu “espaço” e requisitos de actuação, quer no sentido da dignificação do mesmo. Posteriormente, as Escolas Superiores de Educação vieram a alargar a sua área de intervenção formativa, passando a proporcionar formações no âmbito das Ciências sociais, Ciências Empresariais e da Comunicação, desvirtuando, de alguma forma, os objectivos que presidiram à sua criação.

escolas de regentes agrícolas em escolas superiores técnicas, se operacionalizasse, passava agora a respeitar à reconversão das escolas normais de educadores de infância e das escolas do magistério primário em escolas superiores de educação cujas condições teriam agora de ser definidas até ao início do ano lectivo de 1979/80 e não de 1981/82, sendo, pois, o referido prazo antecipado em 2 anos. O seu n.º 3 define igual período de tempo para a reconversão das escolas de enfermagem em escolas superiores de enfermagem e o seu n.º 4 passou a ter o conteúdo do seu n.º 5 através do qual se estipula que os novos estabelecimentos de ensino superior de curta duração que viessem a ser considerados necessários, quer para a satisfação de necessidades a nível regional, quer para a satisfação de necessidades a nível nacional, fossem criados por decreto do Governo; ou seja, os n.ºs 2 e 4 do decreto-lei n.º 427-B/77 foram suprimidos, do que se subentende que a dita reconversão não fosse aplicável aos institutos superiores de engenharia, bem como aos institutos superiores de contabilidade e administração e ainda às escolas de regentes agrícolas, tendo-se instituído, por outro lado, a reconversão das escolas de enfermagem.

Da mesma forma, o artigo 3.º através das alíneas a) e c) do seu nº 1, introduz alterações ao referido diploma legal, pois enquanto que na sua versão original se entende como finalidade das escolas superiores técnicas: ”Ministrar o ensino predominantemente técnico para formação de profissionais qualificados...”, agora passava-se a considerar: ”Formar profissionais qualificados de nível superior...”, para além de que lhe vem acrescentar como finalidade o desenvolvimento de investigação científica e tecnológica nos domínios em que se verificasse a sua intervenção.

Para além de formar professores e educadores de infância, de acordo com a referida Lei nº 61/78, e à semelhança das escolas superiores técnicas, as escolas superiores de educação passaram, a ter como funções:

“a) Organizar cursos de aperfeiçoamento e de actualização destinados à valorização de profissionais ligados aos domínios da actividade da escola, nomeadamente promovendo a sua reciclagem e actualização periódica;

b) Desenvolver investigação educacional dentro do seu âmbito.”

Um outro ponto em que o decreto-lei é rectificado diz respeito ao diploma atribuído aos seus alunos, pois, enquanto que inicialmente lhes é conferido o diploma de técnico especialista ou o diploma de educador de infância ou professor primário, consoante o tipo de escola de que eram provenientes, agora passava a ser-lhes reservado, indistintamente, um diploma de técnico superior, cujo valor, para efeitos de funções públicas, estava, no mínimo, ao nível do de bacharel.

No nº 2 do artigo 7.º, que se reporta às condições de ingresso, instituí-se a definição, por parte do Governo, de prerrogativas a conceder aos candidatos com experiência profissional.

Enquanto que o artigo 2.º da Lei n.º 61/78 de 28 de Julho vem revogar o n.º 2 do artigo 5.º do decreto-lei n.º 427-B/77, o artigo 3.º cria um conjunto de novos artigos que institucionalizam a leccionação de ensino nocturno, nos estabelecimentos de ensino superior de curta duração, sempre que o número de candidatos ao referido ensino o justifique, bem como a regulamentação, por parte do Governo, das condições que permitam aos alunos destes estabelecimentos prosseguir os seus estudos em cursos afins do sistema universitário e ainda as condições de acesso para aqueles que, tendo frequentado outros estabelecimentos de ensino superior ou universitário, pretendessem ingressar no ensino superior de curta duração.

Finalmente, destaque-se, também, a decisão de o Ministério da Educação e Cultura definir condições de equivalência para os estabelecimentos privados que ministrassem cursos, no âmbito do ensino superior de curta duração, ideia que se encontra estreitamente ligada à intervenção do Banco Mundial.

“A ideia inicial, vigorosamente defendida pelos técnicos do Banco Mundial, era implementar um ensino superior curto, essencialmente técnico e centrado numa formação prática e especializada (de banda estreita, na terminologia curricular), onde as actividades de investigação, enquanto processo heurístico caracterizador de um nível superior de ensino, estavam explicitamente ausentes.” (Teodoro, 2001:412)

Note-se que a interferência do Banco Mundial, a que já nos reportamos anteriormente, na definição das políticas educativas, resulta do desequilíbrio das contas públicas que, entretanto, entre 1974 e 1975, se gerara não só devido a um certo desregramento das políticas sociais, bem como da crise petrolífera que então ocorrera. A sua interferência explica-se, pois, pela dupla vertente em que actuava: consultoria e apoio financeiro. Funcionou, por outro lado, como a instância legitimadora da adopção de medidas como a de redução dos gastos públicos, designadamente, na área social, bem como da implementação de um ensino superior alternativo de carácter mais pragmático, ideia que, aliás, assenta na visão, eminentemente, funcionalista das teorias do capital humano de que o Banco Mundial comungava.

Globalmente, as rectificações ao decreto-lei n.º 427-B/77 acrescentam valor ao ensino superior de curta duração, associando-lhe a obrigatoriedade de fomentar a investigação científica, tecnológica ou educacional. Contudo, quer o referido decreto-lei, quer a lei que o emenda são omissos no que concerne aos graus académicos que o

referido ensino está habilitado a conferir fazendo recair todas as suas atenções sobre os títulos profissionais correspondentes.

O ano de 1978 veio a revelar-se como um efectivo marco a partir do qual a política educativa se orientou no sentido de “travar” a procura de ensino superior, designadamente, de natureza universitário. Para o efeito, adoptaram-se medidas diversas, de entre as quais a, já aqui referida, e, severamente apontada, institucionalização dos numerus clausus27 e que mereceu, por parte de Simão et al. (2002:16-17), o seguinte comentário:

“Os mais antigos textos referentes ao Estudo Geral fundado em Portugal referiam- no como “tesouro da ciência”. Uma visão humanista da educação, da ciência e da cultura deve recusar uma perspectiva tecnocrática do ensino superior,… Logo a liberdade de escolha dos jovens, se considerada – e bem – como primeiro corolário da liberdade de aprender, conduziria à revogação do regime de numerus clausus. A liberdade de aprender não poderia ser limitada por vagas fixadas pela administração para cada instituição.”

perspectiva que parece ser corroborada por Grácio (1992:292), uma vez que, a esse propósito, tece a seguinte afirmação:

“O numerus clausus no acesso ao ensino superior foi um expediente que resultou da má gestão do rápido crescimento da sua procura: teria sido preferível, numa sociedade “aberta” e em permanente desenvolvimento das aspirações sociais, o acesso de todos os candidatos a um ensino superior convenientemente estratificado.”

A política de contest system implementada no ensino secundário passa, a partir de então, a esbarrar, à saída, numa política de sponsored system aplicável ao ensino superior, algo incompreensível para aqueles que se vão mantendo anos a fio no sistema de ensino, porventura, no caso de alguns, simplesmente porque a isso foram obrigados.

Para além da introdução do numerus clausus, entendida como a mais paradigmática das barreiras, a criação do 12º ano e, em especial, da sua via profissionalizante, foi outra das medidas implementadas no sentido de se travar um movimento que, entretanto, por via de anteriores se impulsionara.

“O “drama” referido por Vítor Crespo e ao qual o ministro se mostrava tão sensível residia de facto na circunstância de o sistema de ensino oferecer por um longo período aos seus cada vez mais numerosos utilizadores que o percorrem até ao

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E consequente política de notas mínimas de entrada. Note-se que, ainda que as referidas medidas, se tivessem cingido, no seu primeiro ano de aplicação, isto é; no ano lectivo de 1976/77, aos cursos de medicina veterinária e psicologia, logo se estenderam a todos os cursos, hierarquizando-se, desta forma, os cursos e os estabelecimentos para as diferentes áreas científicas.

final do secundário uma experiência escolar de acordo com aquela imagem “aberta” frequentemente associada à natureza das nossas sociedades, para em seguida a desmentir abruptamente, com o duplo condicionamento à entrada no superior, afectando a própria entrada e a escolha dos estabelecimentos e dos cursos.” (Grácio, 1992:218)

A própria criação e crescimento do ensino superior politécnico, ao qual se atribui, numa primeira fase, a designação de ensino superior de curta duração, terá sido, não obstante, tal intenção se encontrar ausente nos diplomas legais que, sucessivamente, lhe vão dando corpo, igualmente, um fait divers face à notória incapacidade, por parte do Estado, em dar resposta à crescente procura de educação (Grácio, 1992:217).