• Nenhum resultado encontrado

O contributo do decreto-lei nº 830/74, de 31 de Dezembro

3. O papel da “Revolução de Abril” na assunção de uma ruptura na esfera da

3.1. O contributo do decreto-lei nº 830/74, de 31 de Dezembro

O decreto-lei n.º 830/74 de 31 de Dezembro, por força da mobilização dos sindicatos de engenheiros técnicos e dos estudantes de institutos industriais (Lisboa, Coimbra e Porto)18, vem, assim, reconverter os institutos industriais em institutos superiores de engenharia, escolas de nível superior, com cursos de bacharelato de 4 anos19. Com esta alteração, perspectiva-se esbater as diferenças de estatuto sócio- profissional dos diplomados das escolas médias face aos diplomados das universidades, a que acediam os filhos das classes sociais mais favorecidas. Sem prejuízo de o referido diploma legal, genericamente, reforçar a institucionalização de um novo paradigma politico-ideológico, através da ruptura com o primado da educação ao serviço da economia e da reprodução social, - fenómeno que Teodoro (s.d.) caracteriza por: “desvinculação das políticas sociais das exigências da acumulação” -, bem como pela

Estado, em resultado de uma acesa luta pelo seu controlo político.” (Teodoro, 2001:319). A falta de coerência entre as políticas adoptadas e os objectivos pré-definidos, no período entre Abril de 1974 e Julho de 1976 (altura em que toma posse o 1º Governo Constitucional), explicar-se-á, em grande parte, devido à circunstância de se ter verificado uma grande rotatividade dos membros do Governo, particularmente, no Ministério da Educação.

15

As comissões instaladoras das novas Universidades de Lisboa, Minho e Aveiro, bem como dos Institutos Politécnicos da Covilhã e de Vila Real, tomaram posse. Por outro lado, foram criadas as Escolas Normais Superiores de Lisboa, Guarda, Bragança e Ponta Delgada.

16

Esta Lei instituía: “a obrigatoriedade de uma educação básica generalizada” e a “liberdade de ensino em todas as modalidades”, assumindo-se como um marco decisivo para a institucionalização do sistema binário, em Portugal, e, por conseguinte, para a história do subsistema politécnico nacional.

17

A rede de estabelecimentos de ensino médio era integrado pelos Institutos Industriais, Institutos Comerciais, Escolas de Regentes Agrícolas, Escolas de Magistério Primário, Escolas de Educadores de Infância, Escolas de Enfermagem, Escolas de Auxiliares Sociais, Escolas de Instrutores de Educação Física.

18

Apesar de o desenvolvimento da reforma educativa ter sido apontado como um objectivo do Governo provisório, o que é facto é que segundo autores como Lima (1992) e Stoer (1986) este transitava para o domínio das escolas e dentro destas, segundo este último autor (1986:127), “dos directores das escolas e do corpo docente tradicional para os professores progressistas e para o corpo estudantil.”

19

Constata-se que a conversão de prestigiadas escolas de ensino médio, que eram autênticos referenciais de formação profissional, em escolas de ensino superior politécnico, terá sido um factor decisivo para que este último viesse a assumir uma lógica essencialmente profissionalizante assente numa base curricular e atitude pedagógica que privilegia a prática experimental como processo preferencial de aquisição de conhecimentos.

afirmação do sujeito e pela conquista de uma maior homogeneização, o seu n.º 2 atesta- o de forma inequívoca quando enuncia:

“Com a criação dos institutos superiores de engenharia pretende-se, partindo da situação existente, corrigir defeitos e injustiças flagrantes e criar correctas bases de partida que permitam a estas escolas contribuir para o desejado processo evolutivo e democrático das estruturas do ensino português.”

O processo de reconversão dos institutos industriais em institutos superiores de engenharia, bem como a própria equivalência dos graus concedidos até então por ambas as instituições, foi facilitado, por um lado pelo facto da duração da escolaridade dos institutos industriais ser semelhante à dos bacharelatos do ensino superior e por outro lado, pela circunstância de o desempenho profissional dos diplomados pelos institutos industriais estar bem conceituado. Ao grau de bacharel conferido pelos recém criados institutos superiores de engenharia foi atribuído o título profissional de engenheiro técnico, já existente.

Para além do grau de bacharel os referidos institutos estavam autorizados a conferir o grau de licenciado e o grau de doutor, ainda que nunca o tivessem vindo a fazer, sendo que ao grau de licenciado equivalia o título profissional de engenheiro, bem como a expectativa de que os seus detentores correspondessem a técnicos de elevado nível.

“Segundo o relato do grupo encarregue de sintetizar os resultados da discussão pública das propostas, foram precisamente feitas muitas críticas à separação entre as duas modalidades de ensino superior com a maioria dos intervenientes contra essa separação. De qualquer modo, só uma escassa minoria discordou da extinção do ensino médio e da criação do politécnico.” (Grácio, 1992:203)

A referida reconversão trouxe uma perspectiva diferente ao ensino superior, na medida em que permitiu, então, a adopção de algumas inovações, no sentido de uma maior aproximação com o mundo do trabalho e, consequentemente, um maior espírito de auto-confiança, por parte dos diplomados, para o desempenho das suas actividades profissionais.

Todavia, esta ascensão de estatuto, ao invés de apaziguar os ânimos daqueles que por ela haviam pugnado, proporciona-lhes, agora, renovadas energias para dar prossecução a novas reivindicações.

“Deste modo, assegurado o fim do “ensino médio” e o ingresso dos II’s no ensino superior é satisfeita uma velha reivindicação. E o novo posicionamento relativo define um novo ponto de partida para reivindicar numa lógica em que

uma maior proximidade com o ensino rival tende a legitimar, através do capital assim adquirido, o desejo de uma proximidade ainda maior. A redução das diferenças torna menos legítimo o seu mantimento, numa lógica cujo desenvolvimento só parece ter por limite a ilegitimidade do propósito de anular todas as diferenças.” (idem: 202-203)

Através do preâmbulo do decreto-lei n.º 313/75, de 26 de Junho, identificam-se, de forma inequívoca, os objectivos subjacentes à conversão do ensino médio em ensino superior como:

“os da formação de técnicos qualificados necessários ao actual estádio de desenvolvimento económico e social vivido em Portugal ou os da democratização da nossa sociedade, pela abolição de todas as discriminações injustas.”

Refere-se, ainda, na introdução do referido diploma legal que tais metas serão, à partida, alcançadas, quer pela conversão dos institutos comerciais em escolas superiores, quer pela diluição das diferenças de oportunidades profissionais e sociais de diplomados que, tendo cumprido planos de estudo, subentenda-se em duração e conteúdo, análogos a um bacharelato, não usufruíam do respectivo grau. Por outro lado, alerta-se para a circunstância de a formação de técnicos qualificados e úteis ao país só ser exequível se os novos planos de estudo fossem “cuidadosamente elaborados e perfeitamente integrados nos planos globais da acção educativa do ensino superior”. Define-se ainda, não obstante a institucionalização de um regime que operasse a conversão dos institutos comerciais, na sua íntegra, estivesse por estabelecer, que a atribuição do grau de bacharel aos diplomados pelos institutos comerciais seria imediata. Da mesma forma, esboçam-se os princípios pelos quais se passaria a reger o dito processo de conversão. É exactamente no âmbito deste decreto-lei que os Institutos Comerciais de Lisboa, Porto e Coimbra, bem como a secção de Aveiro do Instituto Comercial do Porto, passam a depender da Direcção-Geral do Ensino Superior.

Por decreto-lei n.º 316/76, de 29 de Abril, institucionaliza-se, igualmente, a relação de dependência por parte das escolas de regentes agrícolas à Direcção Geral do Ensino Superior e é conferido àqueles que concluam o respectivo curso, equiparação a bacharel, para todos os efeitos, excepto para prosseguimento de estudos.

Ainda a propósito do período que decorre entre Abril de 1974 e Julho de 1976, ou seja, o coincidente com o dos ditos Governos provisórios, Braga e Grilo (1981:230) afirmam o seguinte: “a tentativa de diversificação do ensino superior é destruída, uma vez que todos os estabelecimentos de ensino médio e superior passaram a ter estatuto universitário”, ainda sobre esta matéria consideram, os autores, que durante o referido

período, o crescimento do subsistema em apreciação, não tivera qualquer expressividade. Opinião divergente, face ao balanço das acções implementadas pelos Governos provisórios, preconiza Rui Grácio (1981:107), atribuindo-lhes, para além de outros méritos, a responsabilidade pelo fomento da “cooperação do sistema de ensino na democratização da formação social, procurando alterar a sua função de reprodução e legitimação das desigualdades sociais e regionais…”. Coincidente com esta posição parece estar, igualmente, Stoer (1986:201-202) na medida em que considera ter havido uma ampliação da reforma encetada por Veiga Simão, no sentido de uma maior democratização, para além de uma alteração do elenco daqueles que se podem considerar como os seus principais agentes dinamizadores, isto na medida em que, conforme tivemos já oportunidade de referir, esta transita da esfera do Ministério para a das escolas. Na opinião deste autor, enquanto nos anos 50 e 60 se promoveu a necessidade de o sistema de ensino se sintonizar com o sistema económico, perspectivando-se, dessa forma, uma maior articulação entre educação e fomento industrial, os anos 70 afiguram-se paradigmáticos quanto ao protagonismo conferido à educação e cultura na construção de uma sociedade participativa e democrática20, ou seja; a educação e a cultura são assumidos como os pilares estruturais da edificação de uma sociedade democrática.21

Pese embora, a ausência de continuidade face ao instituído em 1973, constata-se a existência de uma linha de coerência, designadamente, face ao objectivo de desenvolvimento económico-social ao nível regional, patente no texto emanado pela Secretaria de Estado do Ensino Superior e da Investigação Científica, intitulado, “Política do Ensino Superior – Bases para um Programa (1975:19), no sentido “duma distribuição regional mais racional e equilibrada das actividades produtivas”. Por outro lado, o crescimento de instituições de ensino superior de âmbito regional era, favoravelmente, encarado pela circunstância de actuar como elemento facilitador para a fixação de jovens nas regiões em que as mesmas fossem instaladas.

20

Aliás a Constituição de 1976 remete para o Estado a responsabilidade de promover a educação em condições que propiciem, igualmente, o acesso das classes trabalhadoras à universidade e segundo um modelo que estimule não só o desenvolvimento da personalidade de cada um, como o progresso de uma sociedade igualitária e democrática. Sem prejuízo da evolução que a Constituição de 1976 trouxe no sentido da institucionalização de uma sociedade mais justa e participativa, designadamente, pela assunção de um movimento cíclico de eleição da Assembleia da Republica, do governo, do Presidente da Republica e das autarquias locais, o que é facto é que, de acordo com Vital Moreira (1992), esta acabou por absorver e espelhar um conjunto de contradições resultantes da conciliação de tendências dos mais diversos quadrantes políticos.

21

A inequívoca intenção de construção de uma sociedade democrática, verificada entre 1974 e 1976, abraça três dimensões que se complementam e convergem: a primeira que preconiza a igualdade de oportunidades de acesso à educação, a segunda que postula a igualdade de oportunidades de sucesso na educação e a terceira que perspectiva a participação democrática na escola e no sistema educativo. (Teodoro, 1994:76)

Neste sentido, corroborámos com a ideia de António Teodoro (2001:362) ao subscrever que terá sido no plano da “estrutura institucional do ensino superior” que se terá verificado a maior ruptura com a lei 5/73, entendida como profundamente elitista na medida em que prevê uma formação de duração longa a ocorrer em universidades e uma formação de duração curta a ter lugar em institutos politécnicos ou escolas normais superiores.

Por outro lado, o período em análise, designadamente, aquele que correspondeu aos seus V e VI Governos provisórios, constitui um marco na política educativa nacional, em virtude de institucionalizar, de facto, os princípios e orientações daquele que se poderá considerar o mais paradigmático dos projectos assumidos pelo IV Governo e que se repercutiu na criação do ensino secundário unificado (ESU)22, e com o qual, se assumia, por um lado, o adiamento da decisão quanto à escolha do perfil de paradigma escolar a frequentar no futuro, dos 12 para os 15 anos (Grácio, 1985:106) e, por outro, a extinção da dualidade ensino liceal/técnico, ou ensino de cariz, marcadamente, intelectual/manual, bem como a correspondente conotação dominante/dominado (idem:107) e, por último, um estreitamento da escola com a comunidade, apaziguando- se, assim, a clássica rigidez: educação formal/educação não formal (ibidem). Na prática, estes objectivos consubstanciaram-se pela adopção de um currículo que integrava as ciências naturais e sociais, bem como por um modelo, ora adoptado para os Trabalhos Oficinais, com objectivos distintos dos das Práticas Oficinais do ensino técnico- profissional e, ainda, pela introdução de uma área curricular a que se designou Educação Cívica Politécnica. Note-se que já em 11 de Agosto de 1975, Rogério Fernandes, então Director Geral do Ensino Básico, ordenara a distribuição de uma circular, a todas as escolas primárias e preparatórias, através da qual perspectivava dinamizar a relação entre a esfera intelectual e a manual, através do desenvolvimento de trabalho produtivo socialmente útil, nos referidos níveis de ensino, tais como: jardinagem, conservação da natureza e dos espaços públicos, produção de objectos decorativos e artesanais, entre outros. (Teodoro, 2001: 359-360).

Neste sentido, enquanto até ao ano lectivo de 1969/70, o ensino técnico evidenciara uma superior frequência e implantação no país, sobretudo no interior onde se

22

Não obstante o objecto de estudo deste trabalho de investigação incidir sobre o nível de ensino superior e dentro deste, muito particularmente, sobre o subsistema de ensino politécnico, a orientação política imprimida sobre aquele que o precede constitui um tópico de interesse central, dadas as inevitáveis implicações que acarreta relativamente ao primeiro. Com efeito, e conforme tivemos oportunidade de referir na introdução deste projecto de investigação, entre muitas outras repercussões que as políticas educativas possam exortar entre os seus diferentes níveis de ensino, a imagem, ou se preferirmos, as associações de carácter simbólico desenvolvidas em torno de determinado paradigma de ensino a um dado nível resultam, grandemente, das

encontra presente em 80 concelhos, face aos 40 onde se encontrava disponível ensino liceal, a partir, sensivelmente, desta data ocorre uma movimentação da procura em sentido inverso, justificada por Tavares Emídio pelo prestígio de que este último sempre usufruíra e, ainda, em virtude da entrada em funcionamento das escolas secundárias, onde e devido a menores exigências de equipamento, os cursos de natureza liceal são promovidos em maior número.23 A unificação da via liceal e técnica do ensino secundário complementar (10º e 11ºs anos) e a institucionalização de cinco áreas curriculares integradoras de disciplinas de âmbito geral, específico e vocacional com possibilidade de acesso quer ao ensino superior, quer a uma formação profissionalizante, ou seja, a permeabilidade e proximidade ao nível dos conteúdos entre os dois tipos de ensino, terá sido, efectivamente, responsável pela agudização da pressão que já se vinha a fazer sentir, de alguns anos a esta parte, sobre o ensino superior.

Na perspectiva do presente projecto de investigação, e fazendo jus à ideia de dialéctica entre o subsistema de ensino, em análise, e outros níveis e/ou subsistemas de ensino, que se lhe encontrem a jusante ou em paridade, seja ela de facto ou meramente conceptual, consideramos que a criação do ESU ora se aproxima e, inclusive, comunga, sobretudo numa primeira fase, dos propósitos preconizados com a criação do ensino superior politécnico, designadamente, no que respeita à exaltação de conteúdos curriculares de índole profissionalizante, ora se afasta, e rompe mesmo com este último, quando uniformiza as duas vias de ensino até então existentes e que poderiam ter desempenhado um papel determinante, enquanto bases respectivas de cada um dos dois subsistemas de ensino superior, então institucionalizados. De facto, se até aqui as duas vias de ensino de nível secundário desembocavam, teoricamente, numa única, de índole universitária, agora que se criara uma ramificação no ensino superior, o ensino secundário fundira-se, num processo que mais do que político era social, em virtude de

representações sociais construídas a propósito do tipo de ensino que, em níveis precedentes, lhe é mais análogo.

23

A criação do ensino secundário ocorrera em 1975 como reflexo do novo contexto político-democrático, e na sequência do consagrado na Lei 5/73 que, como é sabido, introduz a designação de escolas secundárias polivalentes para os dois universos até então distintos: liceus e escolas técnicas, comerciais ou industriais, vindo permitir não só o adiamento da decisão escolar ou profissional dos jovens, como estabelecer uma ruptura com a dualidade entre ensino liceal e técnico e conceitos que lhe são inerentes, tais como: trabalho intelectual versus manual e a correspondente dicotomia: dominante versus dominado, para além de perspectivar uma maior aproximação entre a escola e o meio. A “licealização” que o conteúdo curricular e programático, do ensino secundário unificado, vem a sofrer, com as medidas adoptadas pelo I Governo Constitucional, é, todavia, amplamente criticado por Rui Grácio, um dos maiores defensores da sua criação em 1975, pelo cariz selectivista de que, ora, se revestia, crítica que se estende, igualmente, à reestruturação operada, em 1978, aos cursos complementares do ensino secundário (10º e 11ºs anos), - com vista a esbater as componentes liceal e técnica e, por essa via, dotá-los de maior lógica sequencial face ao 9º ano e ao regime de opções então criado -, pela transformação desta última etapa do secundário numa espécie de ensino introdutório do ensino superior. Opinião diversa mantém Sérgio Grácio relativamente às orientações

com ele, a pressão sobre o ensino superior, designadamente, de tipo universitário ter crescido exponencialmente. Com efeito, a frequência de um mesmo tipo de Escolas, no nível secundário, poderá ter contribuído para a homogeneização das expectativas dos que as frequentam. Neste sentido, os aspectos positivos decorrentes da emergência de um novo subsistema de ensino de nível superior, designadamente, o subsequente incremento das possibilidades de acesso, por parte de novos grupos sociais, aos respectivos diplomas, diluí-se, uma vez que a partir de então, mesmo estes – que até então estiveram arredados do sistema -, começam a perspectivar o ensino de tipo universitário como uma realidade mais tangível, isto é; a equacioná-lo como uma hipótese, percepção esta que se vem a acentuar com a adopção de conteúdos curriculares e programáticos, no âmbito dos cursos complementares do ensino secundário, de cunho, incisivamente, mais científico e, portanto, conceptualmente mais próximos daquele.