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A LEI E SEUS DESAFIOS

No documento NEGOCIAÇÕES COLETIVAS (páginas 50-53)

ANA PAULA FREGNANI COLOMB

1. A LEI E SEUS DESAFIOS

Antes da aprovação da Lei 13.467/2017, todo empregado demitido ou que executou pedido de demissão em uma empresa na qual trabalhou por mais de um ano precisava fazer a homologação da rescisão do contra- to de trabalho na presença de um representante do sindicato da categoria ou do Ministério do Trabalho ou, ainda, da Justiça do Trabalho.

A função da homologação da rescisão contratual pelos sindicatos é a assistência aos trabalhadores para a verificação do correto pagamento das verbas rescisórias, uma vez que a assinatura do termo de rescisão quita as verbas pagas. Também é verificado, neste momento, se a rescisão é válida, impedindo que a empresa demita trabalhadores com estabilida- de, ou mesmo, verificando se não há vício de consentimento no caso de trabalhadores com estabilidade que peçam demissão. Neste momento, os sindicatos oferecem a assistência jurídica e, se houver incorreções nas verbas rescisórias, são postas ressalvas no Termo de Rescisão do Contra- to de Trabalho, para não as quitar, mas também para verificar junto ao trabalhador se as verbas a que ele tinha direito na vigência do contrato de trabalho foram pagas corretamente.

É, portanto, no momento da homologação que o sindicato analisa e instrui os trabalhadores sobre as possíveis irregularidades em diversos aspectos do contrato e da rescisão, como adicionais de insalubridade e

periculosidade, pagamento de horas extras, pagamento de multa do FGTS, aviso-prévio indenizado, pagamento de férias e outros. Esse também é o momento que reforça a possibilidade de o sindicato tomar conhecimento de práticas irregulares que vêm ocorrendo nas empresas1. Na hipótese de

irregularidades identificadas no momento da rescisão, o próprio sindicato sugeria e auxiliava o trabalhador com atendimento jurídico necessário para a cobrança dos direitos devidos e/ou processos de questionamento junto à Justiça do Trabalho. O sindicato também pode orientar ações coletivas na perspectiva de resolver os problemas que estejam ocorrendo nas empresas.

A reforma passou a desobrigar a assistência da entidade sindical na qui- tação das verbas trabalhistas de empregados com contratos com mais de um ano2, mediante a supressão do seguinte trecho do artigo 477 da CLT:

§ 1º O pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão do contrato de trabalho firmado por empregado com mais de um ano de serviço só será válido quando feito com a assistência do respectivo sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 766, de 1969).

1. Em entrevista realizada em agosto de 2018 com uma dirigente sindical do setor de confecções da base de Americana/SP sobre os efeitos da reforma trabalhista, a repre- sentante dos trabalhadores afirmou que o fim da homologação no sindicato tem com- prometido a capacidade de a instituição saber o que as empresas estão levando para a dimensão da negociação individual. Ela diz: “era através da homologação que nós sabíamos tudo o que ocorria nas empresas. Eu tenho conhecimento de alguns pro- cessos, porque o advogado me manda um áudio, ou ele me manda uma mensagem no WhatsApp. Mas se tivéssemos a homologação, como era antes, lotado de gente... Nós atendíamos trinta homologações num dia, numa manhã. Hoje, se nós atendemos cinco homologações na semana é muito. Tem semana que passa sem nenhuma ho- mologação”. Dirigente do Sindicato Trabalhadores Indústria do Vestuário Americana Região. A pesquisa sobre os primeiros impactos da reforma trabalhista no setor pode ser vista em Colombi et al. (2020, no prelo).

2. A reforma não alterou o Art. 500 da CLT, segundo o qual o pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho. Exemplos de trabalhadores com estabilidade são: gestante, cipeiro e dirigentes sindicais.

NEGOCIAÇÕES COLETIVAS PÓS-REFORMA TRABALHISTA (2017) 568

Sem a assistência do sindicato, os trabalhadores encontram dificulda- des para avaliar se estão recebendo os seus direitos integralmente. Além disso, deixam de contar com o auxílio jurídico dos sindicatos a respeito de fraudes e violação de direitos que poderiam ser questionadas perante a Justiça do Trabalho. Os sindicatos, por sua vez, ficam sem informações do que está ocorrendo no interior das empresas para orientar a sua ação.

O fim da obrigatoriedade da assistência sindical no ato da homologação veio acompanhada por outras medidas como a prevalência do negociado sobre o que está disposto em lei, o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical e a possibilidade de as partes assinarem um termo de quitação anual. Juntas essas medidas formam um conjunto de dispositivos que visam atacar, diretamente, a capacidade de atuação das entidades sindicais e inibir que os trabalhadores busquem reparar direitos sonegados na Justiça do Trabalho na perspectiva de reforçar o sentido privado das relações de trabalho por meio de uma negociação direta entre as partes. Scherer (2019) afirma que medidas como essas que implicam maiores dificuldades de acesso, pelos tra- balhadores, à Justiça do Trabalho, estimulam o descumprimento de direitos e a informalidade/ilegalidade, e não a inclusão dos ocupados na estrutura legal vigente no país. Afirma, ainda, que o fim da exigência de homologação das rescisões de contrato de trabalho no sindicato favorece a:

burla de direitos trabalhistas, já que o trabalhador, sozinho, frequente- mente não está preparado para verificar a correção do pagamento das verbas rescisórias. Com isso, caem as chances de sucesso na busca de reparação junto à Justiça do Trabalho. Empresários mal-intencionados, ou mesmo descuidados, podem se aproveitar de situações como essa. (SCHERER, 2019, p. 190).

Embora o procedimento da homologação tenha deixado de ser obri- gatório, ele não é proibido. Isto significa que os sindicatos podem acordar com as empresas a continuidade do processo de assistência aos trabalhado- res no momento da rescisão.

Para saber como esse tema vem sendo tratado pelos sindicados no âmbito das negociações coletivas, foram analisados instrumentos cole-

tivos celebrados entre as mesmas partes em 2016 e 2019, com o intuito de perceber se e como o tema da homologação aparecia após a reforma, ou seja, nos instrumentos coletivos de 2019. É importante ressaltar que a realização de homologações sem a participação sindical não precisa constar em negociação coletiva. Entretanto, uma vez que o tema apareça no instrumento, torna-se possível avaliar se os sindicatos estão buscando garantir, por esse meio, a assistência no ato da homologação.

No documento NEGOCIAÇÕES COLETIVAS (páginas 50-53)