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A máquina Bummer

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CAPÍTULO III – O USUÁRIO COMO PRODUTO

3.1 Algoritmos e o filtro bolha

3.1.1 A máquina Bummer

O cientista da computação Jaron Lanier (2018, p.39-41) analisa que o problema não é a internet e nem o tempo que ficamos vidrados em nossas telas digitais. Lanier indica que nossos dispositivos móveis podem sim modificar comportamentos, porém também são utilizados para bons motivos. Outro aspecto indicado pelo autor é de que o problema também não é apenas a reunião de usuários nas redes em ambientes tóxicos. Para Lanier, o problema está quando todos estes fenômenos descritos são impulsionados por uma arquitetura de rede e de negócios onde o objetivo é encontrar clientes dispostos a modificar o comportamento de alguém.

Lembre-se: com a propaganda de antigamente era possível mensurar se um produto se saía melhor depois que era anunciado, mas agora as empresas estão medindo se indivíduos mudaram seus comportamentos, e os feeds de cada usuário são constantemente ajustados para atingir esse objetivo. Sua mudança de comportamento foi transformada em produto. Um produto particularmente atraente não apenas para os usuários, mas para clientes/manipuladores, porque temem que serão deixados de lado se não pagarem por ele (LANIER, 2018, p.40-41, grifo do autor).

Lanier (2018, p.41) ainda analisa que o esquema descrito por ele amplifica as emoções negativas mais do que as positivas e, assim, com potencial prejudicial para a sociedade. O autor afirma que “clientes mais assustadores obtêm um retorno maior por seus investimentos”. Ao descrever todos estes fatores das mídia digitais, Lanier (2018, p.42-43), cria um novo acrônimo para classificar estes conjuntos de problemas, que denominou de Bummer- Behaviors of User Modified, and Made indo a Empire for Rent, ou em português, Comportamentos de Usuários Modificados e Transformados em um Império para Alugar. Lanier (2018, p.44) detalha que a Bummer é uma máquina de seis partes móveis, são elas:

A de Aquisição de Atenção que resulta na supremacia do babaca B de meter o Bedelho na vida de todo mundo

D de Direcionar o comportamento das pessoas da maneira mais sorrateira possível

E de Embolsar dinheiro ao deixar que os maiores babacas ferrem secretamente todas as outras pessoas

F de multidões Falsas e sociedade Falsificadora

Lanier (2018, p.44-54) explica as seis partes de seu acrônimo. A parte A indica que nas redes a principal recompensa disponível aos usuários é a atenção. Assim, são feitos jogos mentais e a maldade é tida como a principal fonte desta atenção, pelo fato de retê-la dos usuários nestes conteúdos. A parte B traz o fator da coleta de dados feitas pelas empresas, principalmente pelos smartphones. Como os usuários das redes compartilham seus dados pessoais, permite que os algoritmos das mídias sociais os correlacionem com propagandas e conteúdos de interesse, além de melhorarem estas indicações através deste feedback adaptativo das informações. A parte C é aquela que oferece estímulos individuais para uma mudança de comportamento. O efeito deste componente é um acesso cada vez menor à verdade e diminui a capacidade de empatia dos usuários. A parte D tem como propósito direcionar e manipular os usuários. A intenção é fazer as pessoas consumirem cada vez mais os sistemas ou plataformas que mais acessam. Ou seja, caso conteúdos tristes é o que um usuário mais acessa em suas mídias sociais, mais dessas postagens serão mostradas a ele. A parte E apresenta a Bummer como uma máquina que aluga seus serviços a fim da manipulação, ou encontrar outras formas de monetização. Lanier (2018, p.50) explica:

Se não estiver pagando em dinheiro a uma plataforma Bummer, o cliente precisa abastecê-la com dados para não ser esmagado por ela. Quando o Facebook enfatizou as “notícias” em seu feed, o mundo inteiro do jornalismo teve que fazer uma reformulação para se adequar aos padrões Bummer. Para não serem deixados de fora, jornalistas precisaram criar histórias que priorizavam os cliques e podiam ser removidas do contexto. Eles foram forçados a se tornar Bummer para não serem aniquilados pela máquina. A última parte da máquina Bummer, a F (LANIER, 2018, p.53-54), faz referência aos perfis falsos e ao uso de robôs nas mídias sociais. Para Lanier, o uso destes artifícios resulta em um vandalismo social, porém, invisível, que causa uma pressão social sintetizada e influência na psicologia e comportamentos humanos.

Para compreender os perigos da Bummer, o especialista em segurança tecnológica Bruce Schneier (2015, p.21) analisa que em 2010 a humanidade havia criado mais dados por dia do que foi feito desde o início dos tempos até 2003. Em 2015, continua o autor, 76 exabytes de dados passaram pelas redes por todo o ano. Schneier (2015, p.22) exemplifica como esse fluxo de dados impacta o usuário ao apresentar o caso de Max Schrems. Em 2011, este austríaco estudante de direito pediu ao Facebook que lhe entregasse todos os dados que

tinham sobre ele, através de uma lei da União Europeia que permite tal requisição. Schrems e o Facebook travaram uma batalha de dois anos na justiça, onde a gigante da informação perdeu e teve de ceder todos os dados ao estudante. Foi mandado a ele um CD que continha 1200 páginas em formato PDF e o conteúdo mostrava não apenas seus contatos e o que ele compartilhava em sua linha do tempo, mas também todas as fotos e páginas que ele já havia clicado e toda propaganda que tinha visto. O Facebook tinha salvo tudo o que Schrems havia feito na plataforma.

Compartilhar conteúdo online se tornou uma das principais formas de interação nas mídias sociais. Como demonstrado no caso acima, o estudante austríaco recebeu mais 1200 páginas de sua interação de apenas uma plataforma digital. O fundador da revista Wired, Kevin Kelly (2017, p.24) descreve esta característica das redes digitais:

A revolução lançada pela web não ficou centrada no hipertexto e no conhecimento humano. Seu cerne foi ocupado por um novo tipo de participação, que evoluiu para se transformar em uma nova cultura baseada no compartilhamento. E as formas de “compartilhamento” possibilitadas pelos hiperlinks agora estão gerando um novo tipo de pensamento – parte humano, parte máquina – que não pode ser encontrado em nenhum outro lugar do planeta ou da história. A web desencadeou uma nova forma de tornar-se.

A pesquisadora em ciências da comunicação, Rosane Borges (2016, online), esclarece que “com os algoritmos, descobrimos que a mercadoria somos nós, nossos pares de olhos (a mais-valia da sociedade da hipervisibilidade), nossos desejos”. O sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman (2011, p.28), crê que os impactos das novas tecnologias da comunicação, os “ganhos tendem a ser privatizados, e as perdas socializadas”, tanto que “a famosa ‘prova da existência’ de Descartes, ‘Penso, logo existo’, tem sido substituída e rejeitada por uma versão atualizada para nossa era da comunicação de massas: ‘Sou visto, logo existo’” (2011, p.28). A reflexão de Bauman leva a outra característica da digitalização da sociedade, que é quanto de direito os usuários têm de se expor ou não, já que a informação se tornou a matéria-prima da conectividade.

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