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O surgimento dos trolls

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CAPÍTULO IV OS TROLLS

4.1 O surgimento dos trolls

O uso do termo troll data antes do surgimento das comunidades virtuais. Jonathan Bishop (2014, p.8-9) descreve que na década de 1960, o exército americano utilizava uma tática de combate, não autorizada, que consistia em utilizar aeronaves de combate para atrair o inimigo e revelar seus pontos fortes e fracos. Assim, entendiam a tática inimiga e planejavam maneiras de atraí-los ao campo de balhata a fim de explorar as fraquezas descobertas.

Esta mesma tática militar foi transferida aos ambientes conectados, ainda no começo da internet, na década de 1970. A ideia de descobrir as fraquezas e os pontos fortes dos usuários, eram utilizados pela denominados elders, que eram os participantes mais antigos destas comunidades. Os elders expunham os novos membros de seus grupos a uma série de ataques para que estas identificassem onde eram fortes e fracos, assim conseguiriam aprimorar as suas opiniões. Esta prática era chamada de flame war, onde o debate se torna uma guerra de insultos, com a intenção de provocar uma reação da vítima (BISHOP, 2014).

A primeira plataforma que se tem notícia sobre o trolling, foi na Usenet. Ela surge depois do desenvolvimento da Arpanet, criada por Vinton Cerf, em 1974, que desenvolveu o Transmission Control Protocol/ Internet Protocol, ou como mais conhecido, o TCP/IP. Estes

protocolos permitiram a construção da comunicação entre nós (BISNETO, 2003) e também das comunidades online, tal qual a Usenet. Ela foi criada em 1979, na Universidade da Carolina do Norte e de Duke, nos Estados Unidos e em 1980 foi disponibilizada ao público. Sua grande vantagem, antes da World Wide Web, que chegaria apenas uma década depois, foi a de criar uma forma de comunicação rápida entre computadores de forma gratuita. A Usenet permite a criação de grupos de notícias que são agrupados por categorias, onde os usuários compartilham e comentam sobre estes temas (ROJAS, 2002). Apesar da chegada de novas tecnologias, a Usenet continua a existir até hoje e se tornou um espaço prolífico para publicações controversas, como narra Margaret Wertheim (2001, p.218):

Nos últimos anos, sites neonazistas e skinhead proliferaram na Web, enquanto grupos USENET deram amplas oportunidades para racistas e fanáticos difundirem suas mensagens de ódio. Surfar por estes sites, com suas diatribes abertamentes violentas, anti-sociais e anti-governo, é realmente baixar a um novo círculo do Inferno. Para não falar da pornografia, para qual a Web sem dúvida representou o maior benefício desde a invenção da fotografia. [...] Em suma, embora expoentes contemporâneos da tradição renascentista vejam o ciberespaço com um lugar potencialmente celestial, num retorno à tradição medieval anterior, é planamente possível, se não tomarmos cuidado, que o ciberespaço fique parecido bem menos com o Céu do que com o Inferno.

A primeira menção conhecida do termo troll, ocorreu em 14 de dezembro de 1994, no grupo da Usenet alt.folklore.urban, que se dedicava a postagens sobre lendas urbanas. Apesar da mensagem original já não existir, ficou registrado um dos comentários, que dizia: “Talvez depois que eu postar isso, nós poderíamos ir trollar um pouco mais e ver o que acontece” (BROWN, 2016, online, tradução nossa36). Joseph M. Reagle Jr. (2015, p.91) indica que as postagens feitas na Usenet se propagavam rapidamente quando viralizavam e eram compartilhados por outros grupos de notícias dentro da rede, mesmo que o tema não fosse de interesse daquela comunidade. Reagle Jr. (2015, p.92) continua a explicar que a proliferação de mensagens ofensivas e do comportamento de trolling durante a década de 1990 era desencadeado e inflamado por um troll que queria irritar alguém e não exatamente realizar um ataque pessoal a pessoa. Reagle Jr (2015, p.105-106) exemplifica o caso de uma postagem denominada “Oh como eu invejo os estudantes Americanos” (tradução nossa37), onde o autor postou sobre sua admiração sobre a vida nas fraternidades universitárias americanas e sua ‘para-homossexualidade’. A mensagem fisgou (bait) três mil comentários, sendo uma das primeiras mensagens de trolling a viralizarem nos anos 1990. O post queria irritar os

36 Do original: Maybe after I post it, we could go trolling some more and see what happens. 37 Do original: Oh how I envy American students.

membros de fraternidades e não atacar alguém de forma pessoal, assim era o trolling em seu início.

Entre 1992 e 1995, como explica Whitney Phillips (2015, p.15-16), o uso do termo troll era de forma casual, que sugere uma referência linguística e comportamental de alguns usuários da plataforma. Porém, já em 1996 os trolls eram extremamente comuns na Usenet que, continua Phillips, buscavam uma ‘correção dos indignados’. Phillips (2015, p.16) acredita que os trolls são os principais causadores da não criação de uma comunidade online saudável. Phillips cita o estudo da pesquisadora sobre mídia e internet Judith Donaths, que em 1998 estudou os usuários da Usenet e constatou o trolling ali praticado como uma mentira maliciosa e deliberativa. O estudo alertou que dentro das comunidades da Usenet, os trolls foram os reponsáveis para que os membros dos grupos fossem menos propensos a confiarem em quem não fazia parte dele e de novos usuários que ainda não tinham masterizado as normas do grupo. “Em suma, os trolls incitam a paranóia e a paranóia azeda o espírito comunal que anseia por se expressar on-line” (PHILLIPS, 2015, P.16, tradução nossa38).

Os grupos na Usenet eram identificados como ‘alt*.’. Isso permitiu que os trolls dentro da plataforma formassem vários grupos e criassem formas sofisticadas para espalharem suas práticas (BARTLETT, 2014). Em 1999, o usuário Cappy Hamper listou no grupo ‘alt.trolls’ seis tipos diferentes de trolls: o Straight-up asshole flame troll (em tradução livre: Troll idiota incendiador direto), o Clueless newbie joke troll (Troll novato sem noção), o Hit, run and watch troll (Troll que bate, corre e observa), o Confidence ou Tactical troll (Troll confiante ou tático), o Creative cross-post troll (Troll criativo em postagem cruzadas) e o Gang troll (Gangue de troll) (BARTLETT, 2014). Cada grupo classificado possuía suas táticas para praticarem o flame, principalmente ao incitarem grupos de não trolls a se atacarem.

Na virada do novo milênio, com a chegada de novas tecnologias que possibilitavam novas opções de mídia, como vídeos e fotos, devido as melhores conexões e taxas de upload, fez com que a Usenet se esvaziasse e, com ela, levou a migração dos trolls. A Usenet passou a ser menos frequentada por trolls, apesar de ainda existir, porém, ela é precursora das mídias sociais atuais. A opção para os trolls foi a migração para novos sites que surgiram no início dos anos 2000, como o SomethingAwful, o Fark e o Slashdot. Estas páginas se caracterizavam como irreverentes, sem censura e normalmente criados por estudantes ou adolescentes, como explica Jamie Bartlett (2014, p.32). Estes sites continham histórias, links,

38 Do orginal: In shirt, trolls incite paranoia, and paranoia sours the comunal spirit that yearns to express itself online.

sugestões e áreas de comentários gerados pela própria comunidade, o que também abriu a oportunidade para a criação de postagens ultrajantes, que eram as mais populares e lidas pelos usuários (BARTLETT, 2014).

Os habitantes desses novos sites adotaram e ampliaram a filosofia de seus antecessores trolls: a aversão a censura- que foi pensada como arcaica e analógica- e a ideia de que nada online deveria ser levado a sério. O humor – que ainda caracteriza muito a cultura da internet – foi abstrato, autoreferrencial e irreverente (BARTLETT, 2014, p.32, tradução nossa39).

Nesta época, os trolls utilizavam estes sites como iscas para pegadinhas. Postavam algumas mensagens ofensivas com links, para fazer com que outros usuários acessassem e eram redirecionados para páginas que continham pornografia bizarra, mensagens racistas e depreciação de celebridades e personalidades da política, tática também conhecida como shock trolling – a trollagem feita para chocar quem vê (BARTLETT, 2014). Jamie Bartlett (2014, p.33-34) traz com exemplo a Gay Nigger Association of America (Associação dos Negros Gays da América), apesar do nome não parecer nada demais, a palavra nigger é extremamente preconceituosa para se referir a um afro-descendente nos Estados Unidos. O grupo se especializou em disseminar material ofensivo contra blogueiros, celebridades, sites populares e qualquer outro que o grupo tivesse algo contra. Também hackeavam sites para mostrar o quão não seguro eles eram, o que levou a alguns membros do grupo serem investigados pelo FBI.

Apesar da migração dos trolls da Usenet para a Web ter sido efetiva, novas tecnologias chegariam e minariam seus espaços, como as mídias sociais. Estas que seguem as lógicas de mercado e, como explicado anteriormente no capítulo 2, centralizaram a rede, o que trouxe maior controle por parte dos administradores e minaram a atuação dos trolls. Isso os levou a mais uma migração, onde a presença das grandes corporações da informação não interferem com a adição de serem completamente anônimos, que foram os chans.

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