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Os chans

No documento Download/Open (páginas 114-120)

CAPÍTULO IV OS TROLLS

4.2 Os chans

A virada do milênio trouxe uma revolução na web, onde mais pessoas conseguiram acessos as redes e as grandes corporações, antes fora do mercado digital, começaram a investir pesado em negócios online. Porém, o principal para os trolls foi de que estes novos usuários, que acessavam seus novos sites, depois que saíram da Usenet, levavam tudo muito a

39 Do original: The denizens of these new sites adopted and extend the philosophy of their trolling predecessor: abhorrence of censorship – wich was thought of as archaic and analogue – and the idea that nothing online was to be taken seriously. The humour – wich still charcterises a loto f internet culture – was abstract, self-referential and irreverent.

sério (BARTLETT, 2014). Um dos usuários do SomethingAwful, Christopher Poole, um garoto de 14 anos, encontrou um site japonês chamado Futaba, que era uma imageboard, ou seja, uma página que permitia a postagem de imagens onde os usuários teciam comentários sobre elas. Para Poole, porém, o principal atrativo do site era possibilidade de postar qualquer coisa de maneira anônima (BARTLETT, 2014). Este era um fator diferente dos outros sites onde os trolls do ocidente atuavam, pois ali era possível serem identificados e possuiam moderação, que levava a derrubada de diversas postagens.

No Futaba os usuários eram criativos, muito ofensivos e sem controle. Como explica Jamie Bartlett (2014, p.35), “o site foi notório no Japão para a ficção sangrenta sobre estudantes abatendo professores, animação pornô e muito além disso, causando indignação moral geral”. O endereço do site era www.2chan.net, que era um tributo a outro site com postagens horrendas chamado 2channel. Poole então decidiu fazer a versão ocidental e em inglês deste site que tudo podia ser publicado com completo anonimato, é ai então que surge o 4chan, em homenagem ao original japonês e indica que seria o dobro de diversão (BARTLETT, 2014).

O 4chan (e todos os seus clones em seguida) funciona através das boards. Cada uma tem um tema específico, como animação, games, política ou pornografia. As postagens são feitas através de threads ou fios. Os posts começam com a inclusão de uma imagem e as respostas a esta publicação não necessariamente precisavam conter outras imagens. As threads são organizadas em páginas, sendo possível o usuário clicar nas postagem e ler toda a discussão (BERNSTEIN, MONROY-HERNÁNDEZ, et al., 2011). As postagens se limitam a 15 páginas por board, ou seja, quando o tráfico de mensagens ultrapassam este limite, as mensagens anteriores são permanentemente apagadas, dando lugar as novas.

Bernstein, Monroy-Hernánderz et al. (2011, p.52-53) explicam como funciona o anonimato dentro do chans, ao detalharem que funciona através de mecanismos e padrões, que permite ao usuário não apenas utilizar uma identificação falsa, mas simplesmente não possui nenhum rastro de quem realizou a postagem. Não existem contas, toda a informação é centrada na postagem feita pelo usuário: se não for colocado nenhum nome no campo designado da mensagem, o chan irá designar o emissor como Anonymous, ou seja, anônimo. Isso é possível pelos chans possuírem uma técnica de criptografia chamada tripcode. Esta criptografia cria uma string (uma identificação cirptografada) para cada postagem, o que permite a troca de mensagens dentro da thread.

Esta cultura de anonimato promeveu um ambiente onde os usuários colocoram no ar seus pensamentos mais sombrios. Pronografia esquisita,

piadas internas, gírias nerds, imagens de gore, pensamentos suicidas, assassinos e incestuosos, racismo e misoginia são características do ambiente criado por esta estranha experiência virtual, mas eram principalmente feito de memes engraçados (NAGLE, 2017, p.14, tradução nossa40).

Os memes foram uma das principais postagens que se popularizaram nos chans. O termo foi criado pelo biólogo Richard Dawkins, em 1976, para descrever artefatos culturais, como tecnologia, inovação, tendências da moda e ideias, que se dissemina e se entranha na sociedade. Com o tempo, se tornou uma forma ubíqua de socialização nas mídias sociais (PHILLIPS, 2015, p.21). O pesquisador sobre mídia Limor Shiffman (apud PHILLIPS, 2015, p.21), identifica que os memes são um grupo de itens digitais que compartilham características similares de conteúdo e forma e que possui uma consciência entre si (ou entre os usuários), que é circulado e transformado através das mídias digitais conectadas.

Whitiney Phillips (2015, p.62) explica a relação dos trolls com o memes no início de suas interações nos chans:

Trolls, particularmente no início dos seus espaços, tomou por certo que a cultura trolling era composta por memes, e quase todas as conversas eram salpicadas com referências meméticas, alguns dos quais eram simplesmente trocadilhos simples (por exemplo, “fap” para “masturbação”), e alguns dos que foram extremamente envolventes e exigiam um alto nível de alfabetização cultural (tradução nossa41).

Um dos principais memes compartilhados nas boards do 4chan foi o Pepe The Frog (o Sapo). O personagem foi criado por Matt Furie, para a revista em quadrinhos Boy’s Life. As histórias envolviam Pepe e seus amigos antropomórficos em atividades cotidianas de colegiais americanos em seu tempo livre, como jogar games, comer pizza, usar entorpecentes e, como a principal característica do personagem, ser inofensivo (ROY, 2016). Em 2008, as histórias de Pepe começaram a circular na internet e serem memetizadas, a imagem inofensiva do sapo começou a se transformar também em sarcasmo, raiva, tristeza, entre outras expressões e começou a ser amplamente compartilhado no 4chan e, dali, para outros sites da web.

Segundo o site Hate Symbols Database42, apesar da imagem do Pepe ser usada na

maior parte do tempo para memes inofensivos, os chans começaram a relacionar o sapo com mensagens de intolerância unido ao uso de linguagem ofensiva em tons racistas, antissemitas

40 No original: This culture of anonymity fostered an environment where the users went toa ir their darkest thoughts. Wierd pornography, injokes, nerdish argot, gory images, suicidal, murderous and incetuous thoughts, racismo and misogyny were characteristic of the environment created by this strange virtual experimente, but it was mostly funny memes.

41 No original: Trolls, particularly in the early troll space, took for granted that trolling culture was comprised of memes, and preppered nearly every conversation with memetic references, some of wich were simplistic word swaps (e.g., “fap” for “masturbation”), and some of wich were extremely involved, and demanded a high level of cultural literacy.

e misóginos. Esta característica dada a Pepe, também seria o tom que os memes no chans receberiam, eram criados para a difamação de pessoas ou grupos. Os memes seriam a peça central nos ataques que o 4chan e seus clones começariam a realizar na web, principalmente contra os normies, na principal board dos chans, a aba randômica denominada /b/.

4.3 Os Normies

Segundo o site Know Your Meme43, o termo normie se refere àquele que crê na opinião

popular, conformados com as conduções sociais. A origem se refere a obra de Stephanie Brown sobre alcoolismo, onde a autora utiliza o termo para identificar as pessoas que não possuem a doença. Nos chans, é utilizado para caracterizar os membros da sociedade que são conformados com as políticas sociais e a defesa de minorias. São aqueles que não fazem parte de uma cultura diferenciada, ou seja, seriam inferiores aos que estão engajados em algum tipo de pensamento ou ideia, e merecem o desprezo por parte dos channers. Para Alice Marwick e Rebecca Lewis (2018, p.29):

Mas por que a radicalização é possível? Muitos usuários dos chans postam sobre se sentirem incapazes de se relacionarem com a cultura mainstream, refletindo um sentimento de anomie. Anomie, como Emile Durkheim teorizou, vem da rápida mudança social. Isso pode levar a um descompasso entre o que a sociedade alega que os indivíduos podem alcançar e o que é realmente alcançável, resultando em laços de grupo enfraquecidos, falta de adesão às normas sociais, fragmentação da identidade e falta de propósito. Principalmente homens brancos, eles são incapazes de adotar uma posição de minoria empoderada da mesma forma que uma mulher branca se sentindo alienada pela cultura sexista pode se tornar feminista ou um homem negro pode abraçar o ativismo anti-racista (tradução nossa44).

O artista Dale Beran (2017, online) explica que nos chans, “o padrão aceito era um tipo de bandeira de livre expressão libertária, em que meninos-homens isolados afirmavam seu direito de fazer ou dizer o que quer que fosse, desprezando sentimentos alheios”. Para demonstrar esse sentimento de livre expressão, o board randômico começou a ser inundado com suásticas, pornografia infantil, racismo e misoginia como uma forma de ser contra este sistema que impediam estas pessoas de terem sucesso na vida.

43 https://knowyourmeme.com/memes/normie

44 Do original: But why is radicalization possible? Many chan users post about feeling unable to relate to mainstream culture, reflecting a sense of anomie. Anomie, as Emile Durkheim theorized, follows from rapid social change. This can lead to a mismatch between what society claims individuals can achieve and what is actually achiev-able, resulting in weakened group ties, a lack of adherence to social norms, frag-mentation of identity, and purposelessness.128 However, because they are primarily white men, they are unable to adopt an empowered minority subject position in the same way that a white woman feeling alienated by sexist culture might become a feminist or a black man might embrace anti-racist activism

O 4chan, portanto, começaria a guinar seus ideais de diversão, para uma construção política mais voltada a direita (a ser visto mais adiante). Porém, antes é necessário entender um pouco mais das características dos chans, e um dos principais são as Regras da Internet que eles criaram para justificarem seus atos e organizar as comunidades em torno daquilo que defendem.

4.4 A décima quarta regra – Nunca discuta com um troll

O 4chan criou, para eles, as Regras da Internet. A primeira versão, segundo o site Know Your Memes45, apareceu na página do Yahoo Respostas em junho de 2007. Inicialmente

eram 50 regras que indicavam a conduta de um usuário de chan ou anônimo na web. Dale Beran (2017, online) descreve o intuito da criação destas regras:

O site codificou seu sistema de valores em uma série de regras. Como tudo o que ele fazia, as regras foram construídas uma a uma a partir de elementos da cultura pop. A regra nº 1 nasceu da regra nº 1 do "Clube da Luta" [filme de 1999 dirigido por David Fincher]: "Não falar sobre o 4chan".

Beran (2017, online), continua:

Todas as regras tinham um quê de "O Senhor das Moscas" [livro de William Golding, de 1954], ou seja, era muito evidente que tinham sido criadas por uma sociedade anárquica e agressiva de adolescentes –ou, pelo menos, homens com mentes de garotos–, meninos-homens particularmente solitários, sem vida sexual, que, de acordo com suas próprias piadas, moravam no porão da casa de seus pais (Christopher Poole viveu no porão da casa dos pais até bem depois de o site fazer sucesso).

A descrição de Beran bate com as regras. A segundo regra enfatiza a primeira: Você não falará sobre o /b/. Além desta regra possuir outros oito artigos para reforçarem a proibição de se falar dos chans. A terceira regra enfatiza as duas primeiras: Nós somos Anonymous. Fortalece como as mensagens são postadas, de forma anônima, sendo um dos principais fatores de união do grupo.

Às quartas e quintas regras trazem este sentimento de união entre os membros das boards:

4- Anonymous é uma legião;

5- Anonymous não esquece. Anonymous não perdoa46.

45 https://knowyourmeme.com/memes/rules-of-the-internet 46 http://rulesoftheinternet.com/

Ambas as regras anunciam os membros dos chans como um grupo unido sendo que a quinta indica que eles não esquecem e não perdoam ataques contra eles ou àquilo que defendem. A sexta regra apresenta o sentimento do grupo:

6- Anonymous podem ser horríveis, insensíveis e monstros indiferentes47.

A sétima regra trata sobre como o grupo é capaz de realizar qualquer coisa, porém a oitava apresenta a importância que os channers dão à liberdade no site:

8- Não há nenhuma regra real sobre postagens48.

A nona e a décima regra são sobre como os membros devem se conectar à internet. Já a décima primeira começa sobre as motivações para os ataques que os channers realizam:

11- Todos seus argumentos cuidadosos podem ser ignorados.

11.1- Tudo o que disse, não importa o quão cuidadoso e confiável for, poderá ser considerado errado se a maioria estiver contra você49.

Aqui já se nota o tom que as regras possuem, de validar a violência com que os membros realizam suas postagens e a falta de empatia. A intenção é apenas a de atacar, não importa a validade da mensagem, basta ter a disposição para discordar. O que é reforçado pela próxima regra:

12- Qualquer coisa que você disser pode ser usado contra você50.

Fica clara a intenção de atacar, seja por qual motivo for. O que continua com a décima terceira regra:

13- Qualquer coisa que você disser poderá ser transformada em qualquer outra coisa51.

Então, vem a décima quarta regra, a mais importante para este trabalho: 14- Não discuta com um troll- isso significa que ele ganhou52.

Esta regra, unidas as outras, indica que o troll não busca o debate, e sim o embate. O combate ao trolling incentiva ainda mais estes personagens a realizarem seus ataques. Mesmo quando ignorados, eles adotam outras estratégias para inflamarem discussões, o que torna as estratégias para minimizar o trolling cada vez mais ineficazes (SANFILIPPO, SHENGNAN e FICHMAN, 2017). Para realizar estas práticas, os trolls organizam dentro dos chans uma

47 http://rulesoftheinternet.com/ 48 Idem 12. 49 Idem 12. 50 Idem 12. 51 Idem 12. 52 Idem 12.

série de estratégias para atingirem seus objetivos, como a divulgação de dados pessoais de suas vítimas.

No documento Download/Open (páginas 114-120)