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O trolling no mainstream das mídias sociais

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CAPÍTULO IV OS TROLLS

4.11 O trolling no mainstream das mídias sociais

O caso do Gamergate mostrou que os ataques organizados nos chans e maximizado pelo Breitbart fez que membros de outras mídias sociais, como o Twitter, também começasse a atuarem da mesma maneira dos trolls: organizando raids e fazendo o doxxing contra àqueles considerados inimigos. Este fenômeno é denominado por Joseph Reagle Jr. (2015, p.100) de trollplex, que ele define como “um ataque de pessoas que vêm de origens variadas, exibem um comportamento variado, mas compartilham um alvo, uma cultura e locais” (tradução nossa59).

Reagle Jr. (2015, p.103) utiliza a pesquisa do psicólogo Albert Bandura para descrever o comportamento do trollplex. Para Bandura, identifica as atitudes destas como desengajamento moral, onde se veem como boas pessoas que tomam atitudes indecentes usando algumas justificativas como ‘ela mereceu isso’, linguagem eufemística e comparações

59 Do original: an attack by people who come from varied backgrounds, exhibit varied behavior, but share a target, a culture, and venues.

vantajosas. Além disso, também costumam desumanizar seus alvos e desconsideram ou deturpam as consequências de seus atos caso prejudiquem alguém.

Whitney Phillips (2015, p.151) explica que a aparição de trolling nas mídias sociais mainstream decorreram da popularização dos memes e da cobertura da mídia sobre as ações dos hackativistas, principalmente nos movimentos Ocuppy, o que atraiu muitos usuários a se identificarem com esta cultura e se atrelarem a ela. “Novos recrutas significavam novos valores culturais, e novos valores culturais significavam novos comportamentos, e novos comportamentos resultaram em uma mudança subcultural fundamental”, enfatiza Phillips (2015, p.151, tradução nossa60). Phillips (2015, p.152) indica que os trolls não estão mais confinados em um único lugar, mas que já estão presentes em outros ambientes virtuais. A pesquisadora destaca que em 2014, encontrou trolls no Tumblr, Reddit e Twitter tanto quanto no 4chan, e que alguns sequer escondiam seus perfis e assumiam como trolls.

Importante ressaltar que o trolling sofre uma mudança quando sai de seus ambientes marginais para as plataformas populares. Os pesquisadores Madelyn Sanfilippo, Shengnan Yang e Pnina Fichman (2017, p.1802), apresentam a existência de trolls sociais e políticos nas mídias sociais. Os sociais são motivados por buscarem pertencimento ou confiança pessoal, além de poderem estar engajados em causas que acreditem ser sociais, assim, suas atitudes são vistas tanto negativas quanto positivas. Já os trolls políticos atacam os argumentos opositores em sites de notícias, seções de comentários e mídias sociais, onde coordenam seus esforços para espalharem pelas redes seus ideais. Os autores (2017, p.1807) ao analisarem as mensagens postadas no Facebook do governador texano Rick Perry, concluíram que algumas mensagens com teor de trolling foram tidas como simpáticas pelos participantes da discussão. Esta aceitação acontece porque a ideologia política lhes davam proteção para seus ataques, ao serem encarados como mensagens que seriam para o bem, uma crítica válida, mesmo que feita com uma narrativa trolling. Neste contexto, a principal mídia digital onde se encontra a maior incidência dos trolls sociais e políticos está no Twitter.

Os pesquisadores da comunicação Ergin Bulut e Erdem Yoruk (2017, p.4097), analisam que a arquitetura do Twitter, de permitir mensagens curtas de até 280 caracteres, cria movimento na rede que estimula aqueles que não se engajam em debates políticos a entrarem neles. Os autores também acreditam que a plataforma facilita a disseminação de mensagens populistas. Devido a postagens curtas, respostas como ‘quem está errado, quem culpar e como resolver’ são dadas pelos principais influenciadores políticos da mídia digital. Bulut e Yoruk

60 Do original: New recruits menat new cultural values, and new cultural values meant new behaviors, and new behaviors resulted in a fundamental subcultural shift.

(2017, p.4097) indicam que é mais fácil de seguir perfis de trolls no Twitter, devido a aceitação citada acima, e por compartilharem algum tema, interesse ou preocupação em comum. Também impactam a agenda política ao subirem hashtags as quais ficam entre os Trending Topics (as principais tags sendo usadas pelos usuários), que são retweetados pela rede. Bulut e Yoruk (2017, p.4097) concluem que este fênomeno de trolling no Twitter é uma ocorrência global.

Os pesquisadores Matti Pohjonen e Sahana Udupa (2017, p.1179), ao estudarem o discurso de ódio no Twitter que ocorre na Índia, afirmam que:

Na prática, culturas de abuso on-line surgiram na junção de tecnologia, mercado e culturas políticas de expressão na Índia. A saliência experiencial de instantaneidade, loops de reação rápida, possibilidades de anonimato relativo, e a possibilidade de automatizar trolls e chamar a atenção de interessados espectadores através de tags e retweets amplificaram as condições para encontros de confronto na mídia online. Adicionado a isso é o prêmio colocado pelo mercado em mensagens curtas para aumentar os dados de agregação para análise do consumidor e exibição em telas pequenas (Fuchs, 2015), assim como com o Twitter permitindo 140 caracteres (tradução nossa61).

Pohjonen e Udapa (2017, p.1181) entendem que “com o abuso, usuários online encontram uma maneira de serem ouvidos na confusão do tráfego online, e o fascínio da publicidade instantânea os ajuda a tornaram-se ainda mais rabugentos (tradução nossa62)”. A própria plataforma tem consciência deste problema. Danny Wallace (2018, p.142) indica que o Twitter já se tornou a mídia social mainstream com a maior quantidade de trolls, e que a empresa sabe disso. Wallace destaca que a principal advogada da plataforma, Vijaya Gadde, declarou que a empresa tem sido extremante lenta em tirar do ar as mensagens abusivas.

Nesta direção, o trolling política também começou a ser utilizado pelos próprios atores que lutam por vagas nas instituições democráticas, principalmente os que defendem as ideias da direita alternativa. O autor Joel Stein (2016, p.2), utiliza o presidente americano Donald Trump para esclarecer que o trolling se tornou uma das principais ferramentas para a direita alternativa. Stein explica que Trump compartilha conteúdo produzido por trolls, como memes e tweets, mas também utiliza as mesmas táticas para atacar seus adversários políticos. Stein

61 Do original: In practice, online abuse cultures have emerged at the junction of technology, market, and political cultures of speech in India. The experiential salience of instantaneity, rapid reaction loops, affordances for relative anonymity, and the possibility to automate trolls and invite attention of interested bystanders through tags and retweets have amplified the conditions for confrontational encounters on online media. Added to this is the premium placed by the market on brief messages to augment data aggregation for consumer analytics and display on small screens (Fuchs, 2015), as with Twitter allowing 140 characters.

62 Do original: With abuse, online users

find a way to be heard in the clutter of online traffic, and the allure of instant publicity props them to become even more cantankerous.

relata o caso em que o presidente americano revelou o telefone na televisão do seu concorrente durante as primárias Republicanas, o senador Lindsey Graham, ou seja, fez o doxxing. Além disso, indiretamente Trump incitou seus seguidores do Twitter a atacarem o estrategista do partido Republicano, Cheri Jacobus, que teve como consequência a desistência do mesmo de continuar no cargo.

Stein (2016, p.2-3) ainda relata o caso sobre a atriz Leslie Jones. Negra, ela foi coprotagonista no reinício da franquia de filme Ghostbusters, que além dela, foi estrelado por outras três mulheres, diferente do original que tinha quatro homens como atores principais. Pelo fato da troca de gênero do elenco principal, os trolls atacaram a atriz afrodescendente como principal foco por ter ‘estragado’ a franquia. Seu Twitter foi inundado por mensagens racistas e memes ofensivos. Seus dados pessoais também foram postados online e Jones começou a receber emails com ofensas racistas e ameaças de morte. O ataque levou o Twitter a deletar o perfil de Milo Yiannoupoulos, que utilizou de termos racistas para se referir a atriz e serviu de incentivo aos seus mais de 300 mil seguidores a assediarem Jones. Stein (2016, p.3) relata que Yiannopoulos se defendeu ao dizer que ser responsável por seus seguidores era rídiculo e culpou que o feminismo se tornou bem sucedido em tornar as mulheres em vítimas profissionais. Stein (2016, p.5) completa:

Quando os sites são invadidos por trolls, eles abafam as vozes de mulheres, minorias étnicas e religiosas, gays - qualquer um que possa se sentir vulnerável. Os jovens desses grupos assumem que o trolling é uma parte normal da vida on-line e, portanto, autocensurável. Uma pesquisa anônima dos escritores da TIME descobriu que 80% haviam evitado discutir um tópico em particular porque temiam a resposta online. A mesma porcentagem considera o assédio online uma parte regular de seus trabalhos. Quase metade das mulheres na equipe considerou desistir do jornalismo por causa do ódio que enfrentaram online, embora nenhum dos homens o tenha feito. Seus comentários incluíam “Eu tenho me enfurecido com insultos religiosos, tinha pessoas rastreando meus pais e os chamando em casa, perguntavam a respeito de minhas partes do corpo”. Outra escreveu: “Eu tenho os trolls online usuais me chamando de nomes horríveis e falam que sou preconceituosa e estúpida e mereço ser estuprada. Não acho que os homens percebam como isso é normal para as mulheres na Internet.” (tradução nossa63).

63 Do original: When sites are overrun by trolls, they drown out the voices of women, ethnic and religious minorities, gays–anyone who might feel vulnerable. Young people in these groups assume trolling is a normal part of life online and therefore self-censor. An anonymous poll of the writers at TIME found that 80% had avoided discussing a particular topic because they feared the online response. The same percentage consider online harassment a regular part of their jobs. Nearly half the women on staff have considered quitting journalism because of hatred they’ve faced online, although none of the men had. Their comments included “I’ve been raged at with religious slurs, had people track down my parents and call them at home, had my body parts inquired about.” Another wrote, “I’ve had the usual online trolls call me horrible names and say I am biased and stupid and deserve to be raped. I don’t think men realize how normal that is for women on the Internet.”

Esta normalidade incomum relatada pelas mulheres na pesquisa descrita por Stein, revela que o trolling começa a ser tornar como aceitável nas trocas de mensagens feitas online. Mais uma vez, Stein (2016, p.6) analisa:

A cultura de trolls pode estar afetando a maneira como os não-trolls tratam uns aos outros. Um estudo ainda a ser publicado pela Universidade da Califórnia, em Irvine, o professor Zeev Kain mostrou que quando as pessoas foram expostas a relatos de boas ações no Facebook, eles eram 10% mais propensos a relatar boas ações naquele dia. Mas o oposto também está ocorrendo. "É possível ver as normas de discurso mudando online, e elas provavelmente estão ligadas a normas comportamentais", diz Susan Benesch, fundadora do Dangerous Speech Project e associada do corpo docente do centro de Internet e Sociedade de Harvard. "Quando as pessoas pensam que é cada vez mais O.K. Para descrever um grupo de pessoas como sub-humanos ou vermes, essas mesmas pessoas provavelmente pensarão que é O.K. ferir essas pessoas.” (tradução nossa64).

Diante deste contexto, o trolling forma o que Reagle Jr. chamou de trollplex: a aceitação dos ataques virtuais por parte dos usuários, na defesa de um ideal, o que torna comum o assédio e o comportamento de gladiadores ideológicos. Para exemplificar esta atitude, o cenário político brasileiro nos últimos dois anos apresenta alguns casos. Em 2018, o desembargador, Rogério Fraveto, do TRF-4, mandou soltar o ex-presidente Lula em julho daquele ano (BORGES, 2018). O resultado foi de ataques ao desembargador, principalmente quando o atual deputado federal por São Paulo, Alexandre Frota o jornalista Claudio Tognolli, divulgaram seu telefone celular no Twitter65. O doxxing sofrido por Fraveto levou a uma série de ameaças realizadas contra ele e sua família, principalmente ao indicarem que o jurista seria filiado ao Partido dos Trabalhadores e, por isso, mereceria o assédio.

Outro caso, este de 2019, traz o filósofo Olavo de Carvalho como principal protagonista. O guru da direita alternativa brasileira publicou em seu Facebook o endereço e uma foto da casa do jornalista Denis Russo Burgierman (NOGUEIRA, 2019). O jornalista fez uma matéria sobre Carvalho na revista Época, no que o filósofo o acusou de querer fazer um perfil que o denegrisse e o acusou de ser seu inimigo. O interessante neste caso é que Burgierman foi aluno do guru em seu Curso de Filosofia On-line (COF) e o conhecia. Na postagem feita no Facebook, Carvalho pediu que se seus seguidores tivessem mais

64 Do original: Troll culture might be affecting the way nontrolls treat one another. A yet-to-be-published study by University of California, Irvine, professor Zeev Kain showed that when people were exposed to reports of good deeds on Facebook, they were 10% more likely to report doing good deeds that day. But the opposite is likely occurring as well. “One can see discourse norms shifting online, and they’re probably linked to behavior norms,” says Susan Benesch, founder of the Dangerous Speech Project and faculty associate at Harvard’s Internet and Society center. “When people think it’s increasingly O.K. to describe a group of people as subhuman or vermin, those same people are likely to think that it’s O.K. to hurt those people.”

65 Fonte: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/frota-e-jornalista-da-jovem-pan-divulgam- telefone-do-desembargador-rogerio-favreto/

informações sobre o jornalista, que publicassem nos comentários, o que se seguiu foi uma série de postagens que traziam suposto telefones de Burgierman (SILVA, 2019). O jornalista foi outra vítima de doxxing realizada por um importante ator na política nacional. Estes dois casos demonstram como o trolling se tornou uma ferramenta ideológica para a imposição de pautas políticas, utilizadas como justificativas para os ataques.

Os trolls saíram de seus ambientes marginais virtuais para o mainstream da rede e influenciam através de seus ataques e a disseminação de suas tags pelas mídias sociais, o comportamento de embate ideológico online. Para melhor demonstrar este comportamento e seu impacto, é necessário analisar a ação dos trolls na principal plataforma popular na qual atuam, o Twitter, e na época onde a política mais entra em foco nas discussões: as eleições presidenciais. O próximo capítulo traz um estudo para demonstrar como o trollplex se formou na arena ideológica que o Twitter se tornou durante o pleito de 2018.

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