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3. Atores, ideias, interesses, motivações e instituições na construção das parcerias

3.4 Outros atores sociais e as parcerias público-privadas

3.4.4 A mídia

A mídia brasileira tem dado crescente cobertura aos temas da RSE e do ISP203 ainda que de uma forma acrítica e superficial e que, no geral, beneficia essencialmente o setor empresarial. Nesse sentido, é emblemático um artigo publicado pela Veja – uma das principais revistas brasileiras com circulação semanal de mais de um milhão de exemplares204 – na sua edição nº 1.963, de 5 de julho de 2006, intitulado “Os santos do capitalismo”. Nesse artigo, louva-se a histórica doação de cerca de 30 bilhões de dólares do megaempresário

202 Para mais informações sobre a Articulação Soja, consultar o site: http://www.cebrac.org.br/forumnovo. 203 A título de ilustração, importantes revistas semanais dispõem de projetos especificamente voltados para esse

tema. A Carta Capital divulga anualmente as “Empresas Mais Admiradas”, além de publicar regularmente informações e pesquisas sobre esse assunto. A revista Exame disponibiliza todo ano seu “Guia Exame de Boa Cidadania Corporativa”, que a partir de 2007 passou a chamar-se de “Guia Exame de Sustentabilidade”. Nos jornais de grande circulação, é bem conhecido o Caderno mensal Razão Social de O Globo. O Valor apóia O Prêmio Ethos-Valor – Concurso para Estudantes Universitários sobre Responsabilidade Social Empresarial e Desenvolvimento Sustentável que tem por objetivo incentivar e aprofundar o debate sobre a responsabilidade social das empresas e o desenvolvimento sustentável na comunidade acadêmica brasileira, envolvendo professores e alunos de todas as áreas, nos cursos de graduação e pós-graduação.

americano Warren Buffet à Fundação Bill e Melissa Gates, ressaltando que “O gesto filantrópico de ambos (Buffet e Gates) não só se insere na lógica do capitalismo moderno, como também coloca o regime de mercado num patamar moral superior”.

A Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) tem realizado um trabalho inédito de diagnosticar como se dá no cotidiano a cobertura da responsabilidade social empresarial, nos jornais brasileiros. Nesse sentido, em 2006, publicou em parceria com o Instituto Ethos uma pesquisa205 mostrando que a absoluta maioria das matérias, 76,6% delas, era descritiva, tratando apenas de eventos factuais (inaugurações, prêmios, seminários, lançamento de projetos, etc.). Um aspecto mais positivo é que, em cerca de 23% das matérias, as práticas ditas “socialmente responsáveis” eram abordadas a partir de uma perspectiva mais ampla, trazendo elementos de avaliação, ou mesmo de proposição em relação aos temas pautados. Outro dado apurado indica que 96,3% dos textos não questionam eventuais dificuldades na consecução de práticas de responsabilidade social e somente 10,9% preocupam-se em apontar os resultados alcançados. O olhar acrítico fica evidente nos seguintes achados: nos textos que citam alguma empresa, 70% lhe atribuem uma prática socialmente responsável e apenas 3% relatam práticas socialmente irresponsáveis; menos de 5% das matérias analisadas traziam opiniões divergentes ou discussão do contexto da responsabilidade social empresarial; os sindicatos são mencionados em 6,3% dos casos e os órgãos de defesa do consumidor em 0,7% – ou seja, não são percebidos como atores relevantes para a promoção de uma atuação socialmente relevante por parte do setor privado. Note-se que a associação da responsabilidade social empresarial a questões como “promoção de direitos” ou “promoção da cidadania” apareceram em menos de 5% dos textos. Observou- se, ainda, grande confusão conceitual na qual não se distingue responsabilidade social empresarial de filantropia empresarial. As alianças com outras organizações não são entendidas como importantes, pois 60% dos textos que remetem a práticas socialmente responsáveis ignoram qualquer tipo de parceria. Conforme destacam Canela e Vivarta (s/d: 10), “A visão um tanto simplista da imprensa pode ser verificada não só pelo deserto conceitual, mas também pela inexistência de textos (3,7%) apontando dificuldades na implementação de práticas socialmente responsáveis”.

205 A esse respeito, consultar ANDI e ETHOS (2006). Trata-se de um estudo quanti-qualitativo que avalia como

os jornais impressos entendem e pautam o conceito e os temas da responsabilidade social empresarial. A realização da pesquisa envolveu a análise de 750 matérias publicadas em 54 dos maiores jornais do país, entre agosto de 2003 e setembro de 2004. A metodologia adotada para a escolha das matérias foi a do mês composto: ao longo dos 30 dias, sorteia-se um dia para leitura dos 54 jornais representantes das várias regiões brasileiras. A análise da notícia foi feita por meio de palavras-chave e pela resposta a um questionário previamente elaborado.

O conjunto de estudos e análises promovidos pela ANDI sobre a função dos veículos noticiosos como alimentadores da esfera pública e elementos de accountability revelam a atuação da mídia ter deixado a desejar. Em geral, ainda que existam exceções, a imprensa nacional: (i) não contextualiza a RSE; (ii) tem como principal fonte de informações a própria empresa; (iii) não tem qualquer olhar crítico sobre o fenômeno, ao contrário, tende a incensá- lo; (iv) privilegia ações filantrópicas ou eventos (seminários, cursos, prêmios, congressos); (v) ignora o papel do Estado (Executivo, Judiciário, Ministério Público, Agências Reguladoras); (vi) não apresenta o contraditório dando voz para outros atores. Em outras palavras, a qualidade da informação deixa a desejar, o que faz com que a mídia não esteja cumprindo com seu papel de alimentar e promover o debate público (ANDI e GIFE, 2000; ANDI e ETHOS, 2006; CANELA e VIVARTA, s/d).

É preciso lembrar que a mídia é também ator empresarial que vive de anúncios de outras empresas, poderosas, resultando numa tensão entre os objetivos das áreas comercial e de produção de conteúdos. Além da falta de qualificação e de condições adequadas de trabalho dos profissionais da mídia para tratar dos temas da RSE, do ISP e das parcerias, é conhecida a prevalência dos interesses do negócio acima de qualquer objetivo em um setor cada vez mais concentrador de poder. Note-se, ainda, as contradições que perpassam esse setor: ao mesmo tempo que não cumpre a contento sua razão de ser, alardeia exercer papel importante no campo social. Com efeito, a Associação Nacional de Jornais (ANJ), com 137 jornais afiliados, recentemente lançou seu Relatório de Responsabilidade Social 2006 – 2008206, no qual revela que a absoluta maioria dos veículos associados, 93%, realizavam ações voluntárias voltadas para o atendimento de comunidades. Tais informações confirmam que a atuação das empresas no campo social ainda está longe de expressar que o setor empresarial estaria, de fato, se autorregulando no sentido de uma distribuição mais justa das riquezas.

No documento Nathalie Beghin Tese de Doutorado (páginas 159-161)