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O impacto de neoliberalismo na ação coletiva empresarial

No documento Nathalie Beghin Tese de Doutorado (páginas 137-140)

3. Atores, ideias, interesses, motivações e instituições na construção das parcerias

3.3 As parcerias na perspectiva do setor empresarial

3.3.1 O impacto de neoliberalismo na ação coletiva empresarial

As reformas econômicas orientadas para o mercado, iniciadas nos anos de 1980 e intensificadas na década de 1990, provocaram transformações estruturais no empresariado brasileiro. A abertura comercial e a desnacionalização da economia resultaram em maior presença do capital estrangeiro e em um amplo processo de fusões e aquisições em setores estratégicos como produtos químicos, petroquímicos, metalurgia, siderurgia, financeiro,

eletro-eletrônico, telecomunicações e tecnologia da informação. Com isso, saiu-se de um cenário no qual predominava um mercado protegido por uma estrutura oficial de organização dos interesses do capital nacional de caráter compulsório, o sistema corporativo implementado na era Vargas (sindicatos, federações e confederações), para um quadro de abertura pautado pela competição e por um marco voluntário na organização da ação coletiva empresarial. A maior complexidade dos mercados, oriunda não somente da liberalização econômica, mas, também, do processo de democratização da sociedade brasileira, levou o setor empresarial a buscar modernizar-se e organizar-se em novas bases para defender seus interesses. Com efeito, as velhas elites empresariais eram fortemente criticadas por sua inadequação frente aos novos tempos: cartorialismo, baixa produtividade, dependência do Estado, parasitismo em relação os favores governamentais e aversão ao interesse público.

Diniz (2000, 2005, 2006) e Diniz e Boschi (2003) identificam as seguintes características desse processo de aggiornamento da classe empresarial brasileira:

(i) profissionalização da estrutura sindical empresarial que passou a dispor de quadros técnicos mais qualificados, a oferecer diversos serviços e soluções para os problemas cotidianos das empresas, bem como a produzir informações mais especializadas para seus membros. O mesmo ocorreu com a estrutura extracorporativa formada pelas associações setoriais. Outra importante dimensão da profissionalização diz respeito às relações das entidades com o governo e com o Legislativo: foram estruturadas verdadeiras equipes de profissionais especializados em exercer a atividade de lobby, comumente denominada de “relações governamentais ou institucionais”;

(ii) mobilização do setor empresarial em torno da defesa de questões mais amplas. Assim, ao longo da década de 1990 foram criados diversos movimentos podendo-se destacar: (a) a Ação Empresarial que foi instituída em 1991 para acompanhar, no Congresso Nacional, a tramitação da lei de modernização dos portos; depois, a Ação dedicou-se ao acompanhamento da reforma constitucional; (b) a Coalizão Empresarial Brasileira (CEB), lançada em 1996, para influenciar o governo brasileiro nos processos de negociações comerciais internacionais; (c) o Movimento Compete Brasil, instituído em 1998, para defender a necessidade de ampliar as compras, no próprio país, de equipamentos, peças e serviços nas áreas de petróleo, gás natural e petroquímica. Esses movimentos são dotados de flexibilidade e liberdade de ação e atuam em momentos específicos na defesa de aspectos mais gerais da pauta empresarial;

(iii) criação de novas organizações, ligadas a diferentes segmentos empresariais, voltadas não para a defesa de grupos específicos, mas para uma ação de natureza mais abrangente que tem por objetivo estimular o debate nacional. Nesse sentido, podem-se listar algumas entidades emblemáticas, tais como: (a) o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI)157, criado em 1989 para elaborar pesquisas e conceber estratégias sobre a indústria e o desenvolvimento nacional; (b) o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE)158, que começou a operar informalmente em 1987 e foi oficialmente instituído em 1990, tem por objetivo atuar como instrumento de mudança, tanto na estrutura de representação dos interesses do empresariado como na sociedade como um todo. Além de buscar renovar a mentalidade empresarial, verifica-se preocupação em romper com práticas empresariais tradicionais, reforçando-se os procedimentos democráticos, como a negociação, a participação e a representação, expressos na necessidade de estabelecimentos de pactos159; (c) o

Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE)160, criado em 2003 para exercer atividades de lobby perante o governo e para prover o setor privado de estudos e pesquisas nas áreas de comércio e política comercial, relacionados principalmente à área da agricultura e do agronegócio; (d) o Grupo de Líderes Empresariais (LIDE)161, lançado em 2003 com o intuito de fortalecer a livre iniciativa e os princípios de governança corporativa no Brasil. O LIDE reúne cerca de 200 empresas, nacionais e multinacionais sediadas no Brasil que, juntas, equivalem a cerca de um terço do PIB brasileiro. A gestão da organização é realizada pela Fundação Getúlio Vargas, por meio de sua Escola de Administração de Empresas de São Paulo; (e) o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO)162, também fundado em 2003, tem por missão promover a melhoria no ambiente de negócios e estimular ações que evitem desequilíbrios concorrenciais causados por evasão fiscal, informalidade e falsificação, entre outros.

Apesar dessas mudanças observadas no setor empresarial brasileiro que, sem dúvida, trazem alguns elementos de ruptura em relação ao padrão anterior, permanecem importantes elementos de continuidade. A heterogeneidade e a fragmentação da representação da classe empresarial, traços historicamente consolidados, persistem manifestando-se pela coexistência

157 Para mais informações, consultar o site: http://www.iedi.org.br. 158 Para mais informações, consultar o site: http://www.pnbe.org.br.

159 Para mais informações sobre a atuação do PNBE, consultar Diniz e Boschi (1992 e 1993). 160 Para mais informações, consultar o site: http://www.iconebrasil.org.br.

161 Para mais informações, consultar o site: http://www.lideresempresariais.com.br. 162 Para mais informações, consultar o site: http://www.etco.org.br.

de diferentes segmentos, com características diversas e orientações políticas também diferenciadas, em alguns casos inclusive contraditórias. Essa segmentação não é atenuada pela existência de instituições e organizações capazes de aglutinar interesses e formular plataformas comuns mais abrangentes. Além disso, não se observa, até hoje, o surgimento de uma liderança empresarial alternativa, de projeção nacional, capaz de exercer o papel de porta-voz da classe como um todo. O setor empresarial também não rompeu com sua histórica inflexibilidade diante da pauta de demandas dos trabalhadores. A falta de tradição de pactos e seu desprezo pelo público, que envolvem processos de negociação e a disposição para transigir e ceder em benefício de uma agenda comum, continuam sendo característica marcante do setor privado brasileiro no começo do século XXI. Mantém-se, ainda de forma predominante, uma visão restrita e particularista, bem como uma prática de maximização imediata dos ganhos, avessa ao enfrentamento das questões sociais. Sempre que vêm à tona, as demandas sociais são percebidas como um aumento do “custo Brasil” (DINIZ, 2000, 2005).

No documento Nathalie Beghin Tese de Doutorado (páginas 137-140)