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Fontes primárias de informações: entrevistas com informantes-

No documento Nathalie Beghin Tese de Doutorado (páginas 43-49)

1. Construção teórico-histórica, metodológica e conceitual do objeto de pesquisa

1.2 Procedimentos metodológicos: organização e análise dos dados

1.2.2 Fontes primárias de informações: entrevistas com informantes-

A pesquisa qualitativa foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas com atores partícipes da construção da agenda das parcerias no Brasil. As entrevistas buscaram reconstruir o processo e a movimentação dos atores, bem como suas motivações e seus interesses, de modo a auxiliar nossa reflexão e verificar nossa hipótese inicial de trabalho.

Para o entendimento das etapas de conformação de uma agenda pública, deve-se compreender as características dos atores envolvidos, quais instituições representam, que papéis desempenham, que autoridades representam, como se relacionam com os outros e, sobretudo, quais suas motivações e que ideias e interesses defendem. Sabe-se que, na maior parte das vezes, não existem consensos: as percepções e as interpretações são distintas, bem como as formulações de alternativas ao enfrentamento dos problemas. Há um ciclo de negociações, concertações e mesmo imposição de decisões, seguidas, finalmente, de diferentes formas, estratégias e oportunidades para se fazer avançar um tema na agenda pública.

Entende-se ser a pesquisa qualitativa, como método científico32, apropriada para

auxiliar na contextualização socio-histórica e na apreensão da natureza das parcerias público-

31 A concepção de informante-chave adotada na presente tese baseia-se nas ideias formuladas por Minayo (1999:

102), segundo as quais o conjunto de entrevistados deve buscar refletir a totalidade nas suas múltiplas dimensões. Dessa feita, a seleção de informantes-chave deve: (i) privilegiar os sujeitos sociais que detêm os atributos que a pesquisa pretende conhecer; (ii) selecionar um número suficiente para permitir certa reincidência das informações, porém não se desprezam informantes ímpares cujo potencial explicativo tem de ser levado em conta; (iii) diversificar os entrevistados selecionados para possibilitar a apreensão de semelhanças e diferenças; e, (iv) esforçar-se para que a escolha do locus e do entrevistado contenham o conjunto de experiências e expressões que se pretende objetivar na pesquisa. Conforme destaca Goldenberg (1999: 85): “Em princípio, o pesquisador entrevista as pessoas que parecem saber mais sobre o tema estudado do que quaisquer outras. Acredita-se que essas pessoas estão no topo de uma hierarquia de credibilidade, isto é, o que dizem é mais verdadeiro do que aquilo que outras, que não conhecem tão bem o assunto, diriam. Na verdade, o pesquisador não deve se limitar a ouvir apenas estas pessoas. Deve também ouvir quem nunca é ouvido, invertendo assim essa hierarquia de credibilidade”.

privadas no social, pois possibilita retratar a complexidade desse fenômeno – repleto de interconexões, de incertezas e de acasos que dificilmente são capturados pelos métodos quantitativos tradicionais. Para compreender o que move empresários e governos a construir arranjos para combater a pobreza, é preciso analisar a linguagem, na medida em que ela permite esclarecer o sentido complexo dos contextos simbólicos.

O caráter interdisciplinar a ser conferido à abordagem qualitativa, assim como a preocupação com os significados e as intencionalidades dos atores sociais, permite um conhecimento particular e geral do que está sendo investigado. Com efeito, os resultados da análise da linguagem dos principais agentes envolvidos com a agenda das parcerias33 refletem a matriz de tradições, preocupações, apreciações, motivações, interesses e ações de um conjunto bem maior desses atores.

As perguntas centrais deste levantamento qualitativo são as seguintes:

• Qual o principal problema social que os arranjos voluntários entre entidades governamentais e empresas privadas visam enfrentar?

• Quais os contextos econômicos, sociais, institucionais e políticos que promovem o tema do combate à pobreza por meio das parcerias entre entidades governamentais e empresas privadas?

• Quais as principais ideias e os principais valores que circulam entre os atores envolvidos com a agenda das parcerias?

• Quais as motivações e os interesses dos principais atores envolvidos com essa agenda?

Para responder a essas indagações, foi entrevistado um conjunto de 22 informantes- chave que contribuem à formação da agenda das parcerias no Brasil porque a praticam, a promovem, a estudam, a monitoram ou a criticam. Esses informantes-chave foram selecionados de acordo com os critérios apresentados no Quadro1.2.

33 São eles dirigentes governamentais, empresários, parlamentares, acadêmicos, profissionais de entidades não

Quadro 1.2 – Critérios de seleção dos informantes-chave

Áreas de atuação Critérios de seleção Informantes-chave

Políticas Públicas Nacionais

PPN

18%

Representantes de organizações do governo federal que celebram parcerias com empresas privadas nas áreas de saúde, educação, fome e pobreza

Informante-chave PPN 1 Informante-chave PPN 2 Informante-chave PPN 3 Informante-chave PPN 4 Políticas Públicas Internacionais

PPI 4,5%

Representante de organização das Nações Unidas que promove e discute a responsabilidade social empresarial e a ação social das empresas Informante-chave PPI 1 Responsabilidade Social Empresarial RSE 18% Representantes de organizações que promovem a responsabilidade social empresarial ou o investimento social privado Informante-chave RSE 1 Informante-chave RSE 2 Informante-chave RSE 3 Informante-chave RSE 4 Trabalho T 14% Representantes de organizações que defendem os direitos e interesses dos trabalhadores

Informante-chave T 1 Informante-chave T 2 Informante-chave T 3 Defesa de direitos DD 18% Representantes de organizações não governamentais que defendem direitos Informante-chave DD 1 Informante-chave DD 2 Informante-chave DD 3 Informante-chave DD 4 Legislativo L 4,5%

Parlamentar que atuou na elaboração de Projetos de Lei sobre responsabilidade social empresarial

Informante-chave L 1

Estudos e Pesquisas

EP 9%

Estudiosos dos temas da responsabilidade social empresarial e do investimento social privado Informante-chave EP 1 Informante-chave EP 2 Mídia M 14%

Profissionais da mídia impressa (jornais e revistas) que discutem os temas da gestão empresarial, da responsabilidade social empresarial e do investimento social privado Informante-chave M 1 Informante-chave M 2 Informante-chave M 3

Para poder entrevistar esses informantes-chave, preparamos um guia de entrevistas a partir das categorias, resultantes do framework de Kigdon (1984) adaptado por Carvalho et al. (2006), que compõem o nosso referencial teórico: problema, contexto, ideias, interesses e motivações, instituições e referências. No Quadro 1.3, a seguir, apresentamos o guia de entrevistas e o plano de análise delas:

Quadro 1.3 – Guia de entrevista e plano de análise

Categorias de análise

Descrição Perguntas

Problema O reconhecimento do problema e a

forma de descrevê-lo são essenciais para a compreensão das motivações, bem como das respostas que serão oferecidas para seu enfrentamento.

1. Em sua opinião, qual(ais) o(s)

principal(ais) problema(s) que leva(m) as organizações governamentais e as empresas privadas a celebrar parcerias na área social?

Contexto O contexto se refere ao ambiente no

qual se gesta e desenvolve a iniciativa e do qual emergem situações, informações ou pressões. As influências podem ser internacionais, regionais ou nacionais, de cunho político, social ou econômico. A descrição do contexto é também reveladora da forma como o informante percebe o fenômeno sob análise.

2. Em sua opinião, quais fatores (econômicos, sociais e políticos), nacionais e internacionais, influenciaram e influenciam a realização de parcerias entre empresas privadas e órgãos governamentais no combate à pobreza? 3. Esses arranjos vêm crescendo em tempos

recentes? 3(a) Por quê? 3(b) Tem algo de novo no ar?

4. Em sua opinião, qual a perspectiva para as parcerias entre empresas privadas e organismos governamentais no combate à pobreza? 4(a) Vai crescer e se consolidar? Ou não? 4(b) Por quê?

5. Quem são os principais atores/agentes das parcerias? 5(a) Quem promove? Por quê? 5(b) Quem dificulta? Por quê?

Ideias As ideias são preferências de valores dos atores envolvidos. Elas se formam por meio de diversas fontes de informações oriundas de pesquisas – científicas ou de opinião – de eventos, de meios de comunicação – de massa ou especializados – da internet, de amigos, conhecidos ou figuras públicas, entre outras.

6. O que entende por pobreza?

7. De que forma as parcerias entre empresas privadas e instituições governamentais contribuem (ou não) para combater a pobreza?

8. Esses arranjos devem ser submetidos ao controle democrático? 8(a) Por quê? 9(b) Como?

9. Em sua opinião, qual a diferença entre parceria e participação? 9(a) Fazer parceria é uma forma de participação? Ou não? 9(b) Por quê?

10. Cite dois exemplos emblemáticos (positivos ou negativos) de parcerias empresa/governo no combate à pobreza.

Interesses e

motivações Trata-se de captar os interesses e os conflitos em jogo, a influência dos grupos de pressão, das redes de interação entre os principais atores do processo, a capacidade de

argumentação, negociação de interesses e os conflitos que convergem para a escolha de

determinada forma de intervenção em detrimento de outras.

11. Em sua opinião, quais as motivações de cada um dos atores envolvidos para estimular a realização de parcerias entre empresas privadas e governo no combate à pobreza?

12. Quais são os principais resultados das parcerias? 12(a) Positivos/méritos. 12(b) Negativos/deficiências.

13. Em sua opinião, o que deve ser feito para aprimorar os arranjos entre empresas privadas e governo no combate à pobreza? 14. Quem são os principais beneficiários

dessas parcerias?

Instituições e referências

Busca-se apreender como as instituições – governamentais, não governamentais, empresariais, mídia, congresso – operam na

implementação das parcerias entre governos e empresas privadas no combate à pobreza. Busca-se, igualmente, identificar quais são as referências desses atores, de modo a mapear seu universo relacional. Eventualmente, tais referências podem auxiliar no aperfeiçoamento da pesquisa.

15. Qual nível de prioridade que esse tema tem no governo, nas empresas privadas, na mídia, nas ONGs, no Congresso Nacional?

16. Cite três atores (acadêmicos, instituições, meios de comunicação, parlamentares, empresários, governantes etc.) que considere relevantes para essa temática e explique por que os escolheu.

Para organizar e sistematizar os depoimentos dos informantes-chave, a metodologia qualitativa apresenta algumas questões-chave no decorrer da construção do objeto de estudo e das mediações teórico-metodológicas selecionadas. Assim, faço minhas as questões formuladas por Carvalho et al. (2006) em seu marco referencial, a saber: por meio das entrevistas e do conjunto do corpo discursivo de diferentes atores sociais envolvidos no fenômeno das parcerias entre governos e empresas privadas podemos responder às questões de fundo que circunscrevem o objeto da pesquisa? Como interpretar o significado das experiências e das práticas dos sujeitos pelo viés das entrevistas? Como as subjetividades, inerentes aos sujeitos, podem ser consideradas conhecimentos científicos?

Tendo em mente essas indagações, a interpretação dos dados qualitativos, coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, foi desenvolvida por etapas, a partir de método adaptado por Carvalho et al. (2006). Trata-se de um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter o significado dos conteúdos enunciados pelos entrevistados, em suas entrelinhas, seus ditos e não ditos, ou seja, os significados manifestos e latentes, a partir de material qualitativo. Em função dos objetivos da pesquisa e da seleção da técnica de

análise de conteúdo temático (busca de temas e significados mais recorrentes nas falas dos entrevistados), realizamos os seguintes procedimentos de análise dos dados primários:

(i) transcrição completa das entrevistas gravadas, objetivando a pré-análise do conteúdo; (ii) constituição do corpus e preservação do corpo discursivo – objetiva resguardar o

contexto e a unidade das entrevistas. Essa etapa consiste no agrupamento das entrevistas com base no roteiro, visando à estruturação das narrativas, segundo os objetivos e eixos qualitativos da pesquisa e as dimensões do guia da entrevista. Nessa etapa foram relacionadas as categorias de análise, cada uma correspondendo a uma questão do guia de entrevista. Trata-se da fase de organização do material (MINAYO, 1996), visando responder a algumas normas de validade, tais como:

• exaustividade – se o corpus representa todos os aspectos do guia de entrevista; • representatividade – se o corpus contém a representatividade do conjunto de

falas dos atores;

• pertinência – se os dados analisados devem ser adequados ao objetivo da pesquisa;

(iii) interpretação dos dados a partir do quadro analítico proposto por Kingdon e adaptado de Carvalho et al. (2006).

Em julho de 2007 realizamos o pré-teste da pesquisa qualitativa com três informantes- chave das áreas de políticas públicas (PPN1), trabalho (T2) e pesquisa (EP1). O instrumento de coleta de informações revelou-se adequado, não sendo necessária sua reformulação. O restante do levantamento estendeu-se ao longo dos meses seguintes e foi concluído em agosto de 2008. As entrevistas foram realizadas nas cidades de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. No total foram cerca de 22 horas de entrevistas; em média, a entrevista durava de 40 a 50 minutos. As entrevistas foram gravadas com exceção de uma na qual o informante-chave não aceitou que o gravador fosse acionado, alegando não haver necessidade de tal procedimento; a conversa foi registrada por meio de notas manuscritas. Todos os informantes-chave assinaram o Termo de Consentimento. A degravação das entrevistas resultou em mais de 220 páginas de material escrito com fonte Times New Roman 12 e espaçamento simples, o que revela a enorme quantidade de informações coletadas.

Diante disso, tivemos que fazer uma seleção e optamos por dar maior atenção às questões relacionadas ao problema, ao contexto, às ideias e às motivações. Note-se que grande parte das referências assinaladas pelos entrevistados faz parte do universo da tese (na bibliografia, na seleção de informantes-chave, na menção a organizações e na apresentação de exemplos de parcerias). Por fim, um terço dos entrevistados foi apontado como referência

pelos outros entrevistados (diretamente a pessoa ou a organização para a qual trabalha), e para vários deles foram mais de três menções. Esse resultado é alvissareiro na medida em que revela que selecionamos interlocutores relevantes para o tema, especialmente aqueles que promovem a agenda das parcerias no Brasil. Com efeito, a absoluta maioria das referências citadas pelos informantes-chave estava relacionada a um sentimento muito favorável à responsabilidade social empresarial, ao investimento social privado34 e às parcerias que entidades governamentais e empresas privadas celebram para combater a pobreza. Os demais entrevistados, ainda que não tenham sido citados como referência, também pertencem a setores que são centrais para o processo de formação da agenda das parcerias no Brasil, mas que atuam com maior distanciamento do “buxixo” ou de maneira mais crítica, ou, então, ainda resistem a incorporar essa temática na sua própria agenda política, apesar de se constituírem em atores diretamente afetados por esse fenômeno social.

Conforme vimos, o sentido das parcerias é fortemente influenciado pelo contexto no qual se desenvolvem. Partimos da hipótese de que esse contexto é atravessado por ambivalências e ambiguidades que, a depender da correlação de forças vigente, resultará em diferentes formatos de arranjos público-privados para combater a pobreza. Entendemos que a análise proposta por Bauman (1999, 2000, 2001, 2003, 2005) em torno do conceito de “modernidade líquida” representa poderosa ferramenta de interpretação das contradições que caracterizam as sociedades ocidentais dos tempos atuais. É isso que analisaremos no item a seguir.

No documento Nathalie Beghin Tese de Doutorado (páginas 43-49)