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As disputas em torno de conceitos: os movimentos da

No documento Nathalie Beghin Tese de Doutorado (páginas 142-150)

3. Atores, ideias, interesses, motivações e instituições na construção das parcerias

3.3 As parcerias na perspectiva do setor empresarial

3.3.2 As parcerias público-privadas: uma ideia em disputa

3.3.2.2 As disputas em torno de conceitos: os movimentos da

No Brasil, apesar dos esforços verificados para quantificar e caracterizar o comportamento do setor empresarial no atendimento de comunidades mais pobres e na promoção do chamado desenvolvimento sustentável, os dados disponíveis ainda são escassos e não são muito numerosas as tentativas de conceituar essa forma de atuar e de entender sua natureza. Pode-se, grosso modo, identificar dois movimentos estruturados em torno de duas noções que se querem distintas, a saber: o investimento social privado (ISP) e a responsabilidade social empresarial (RSE). A cada um desses movimentos está associada uma organização, não governamental, que lidera sua atuação no Brasil: esse é o caso do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE)164 para o investimento social privado e do Instituto Ethos165, para a responsabilidade social empresarial.

• Responsabilidade Social Empresarial (RSE)

De acordo com o Instituto Ethos, a responsabilidade social empresarial,

(...) é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais (...) A responsabilidade social é focada na cadeia de negócios da empresa e engloba preocupações com um público maior (acionistas, funcionários, prestadores de serviço, fornecedores, consumidores, comunidade, governo e meio ambiente), cuja demanda e necessidade a empresa deve buscar entender e incorporar aos negócios. Assim, a responsabilidade social trata diretamente dos negócios da empresa e de como ela os conduz.

164 Para mais informações, consultar o site: www.gife.org.br. 165 Para mais informações, consultar o site www.ethos.org.br.

O Ethos, criado em 1998, é uma organização influente tanto no Brasil como no resto do mundo166. O Instituto conta atualmente com mais de mil e trezentas empresas associadas,

nacionais e transnacionais, cujo faturamento anual correspondente a aproximadamente 35% do PIB do país e empregam cerca de 2 milhões de pessoas. Seu objetivo principal é o de disseminar a cultura da responsabilidade social empresarial na sociedade brasileira por meio de diversos instrumentos, como produção de conhecimento e de ferramentas de gestão, atividades de formação e de capacitação, outorga de prêmios, promoção de campanhas e desenvolvimento de projetos.

Tentar dimensionar o fenômeno da responsabilidade social empresarial não é fácil. Por tratar-se de um conceito bastante fluído, não existem indicadores que possam medi-lo. Uma forma de apreender sua magnitude é recorrendo a pesquisas de opinião. Nesse sentido, merece menção um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), em 2007, intitulado "Sustentabilidade: Hoje ou Amanhã"167. Os resultados obtidos

revelam que 79% dos executivos pesquisados e 55% dos adultos brasileiros já ouviram falar de sustentabilidade empresarial. No entanto, esses grupos compreendem o conceito de formas diferentes. Para a maior parte dos executivos, sustentabilidade empresarial está atrelada aos conceitos de responsabilidade social (59%) e preservação do meio ambiente (58%). Já para 33% da população em geral, a sustentabilidade tem a ver com desenvolvimento de produtos e, para 23%, com a solidez das instituições. Somente 23% dos adultos brasileiros associaram a expressão “sustentabilidade empresarial” a “respeito ao meio ambiente” e 13% a “investimentos sociais”. No geral, são muito poucos os executivos a acreditar que a responsabilidade social (15%) e a sustentabilidade corporativa (5%) influenciam as decisões de compra de um consumidor em relação a determinado produto. Apenas 7% deles também se dizem pressionados pela sociedade a ser sustentáveis. O estudo também aponta para a baixa credibilidade do setor empresarial nas áreas ambientais e sociais: segundo o IBOPE, para 46%

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O Ethos participa de diversas iniciativas internacionais, como o Global Compact das Nações Unidas, a elaboração da Norma global ISO de Responsabilidade Social (ISO 26000), o Global Reporting Initiative (GRI), entre outras.

167 O levantamento foi realizado com homens e mulheres acima de 16 anos, das classes A, B e C, em todo o

Brasil, entre os dias 20 e 28 de julho de 2007. O estudo também analisou a opinião da comunidade empresarial brasileira por meio de entrevistas com 537 executivos de 381 grandes empresas. O estudo aborda temas como: o entendimento e o comprometimento com a sustentabilidade e as implicações nas vidas das pessoas e organizações; o conhecimento, por parte dos executivos de grandes empresas e dos cidadãos, dos seguintes conceitos: empreendedorismo social, responsabilidade empresarial, responsabilidade socioambiental, desenvolvimento sustentável, negócios sustentáveis, responsabilidade ambiental, responsabilidade social e sustentabilidade empresarial. Para mais informações, consultar:

dos entrevistados as marcas que fazem algo pela sociedade e pelo meio ambiente só o fazem por marketing.

Pesquisa recentemente divulgada pelo IBASE168 sobre a análise das empresas que

publicam o balanço social nos moldes propostos pela organização169 é também bastante reveladora. Ainda que essas companhias não representem o universo das empresas no Brasil, trata-se de um conjunto de peso. São mais de duzentas empresas que, em 2005, apresentaram receitas líquidas totais de R$ 663 bilhões, valor correspondente a cerca de um terço do PIB daquele ano. Essas organizações empregavam diretamente 1,7 milhão de trabalhadores, o equivalente a 6% da força assalariada formal. Esses valores dão a dimensão do poder de influência, tanto positivo como negativo, que essas companhias possuem sobre a vida, a economia e o meio ambiente no Brasil. Os dados do IBASE revelam que o número de balanços publicados cresceu substantivamente desde a criação desse instrumento, passando de 9 balanços em 1997, para 227 em 2005.

Se avanços foram observados, no geral, o caminho a percorrer ainda é longo. Assim, por exemplo, no que se refere ao público interno, a maior parte dos recursos se destina a atividades de alimentação e saúde, e ambas são objeto de incentivos fiscais; não se sabe ao certo qual a contribuição da empresa em relação à do Estado por meio das renúncias fiscais. As práticas de discriminação de gênero e raça são bastante assustadoras, uma vez que somente 16,7% dos cargos de chefia são ocupados por mulheres e, no caso de negros, esse percentual é de apenas 6,7%. Observou-se, ainda, expressivo aumento do número de trabalhadores terceirizados: em 2000, esses trabalhadores representavam 20,5% do total de empregados. Cinco anos depois, essa proporção mais que dobrou, passando para 42,8%. Ainda que a pesquisa do IBASE não disponha de dados mais detalhados, em geral, os trabalhadores terceirizados desempenham funções semelhantes aos trabalhadores da empresa, mas não gozam dos mesmos benefícios, nem condições de trabalho.

As informações revelam igualmente que é ainda muito pequeno o grau de participação dos funcionários nas escolhas dos projetos e das ações sociais e ambientais desenvolvidas pela empresa. No que se refere a atuação na área ambiental, os dados também não são nada animadores: entre 2000 e 2005 caiu significativamente o volume de investimentos nessa área associados a operação ou produção da empresa. No começo da década, os investimentos

168 A esse respeito, consultar Torres e Mansur (2008).

169 O Balanço Social do IBASE, lançado em 1997, é um instrumento que reúne um conjunto de informações

sobre a relação capital/trabalho, sobre os investimentos realizados na área de meio ambiente e em projetos voltados para a comunidade. O IBASE também outorga ou Selo Balanço Social/Betinho àquelas empresas que publicam o balanço seguindo rigorosamente todos os critérios IBASE. Antes de conceder o selo, o Instituto realiza consulta pública sobre a empresa em questão.

operacionais ambientais correspondiam a 12,87% das receitas líquidas; cinco anos depois, esse percentual baixou para apenas 3,84%.

• Investimento Social Privado (ISP)

O Investimento Social Privado, também conhecido como filantropia empresarial, está relacionado com uma das dimensões da RSE, isto é, com a relação da empresa com a comunidade. De acordo com o GIFE (www.gife.org.br), o ISP consiste no

repasse voluntário de recursos privados de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público. Incluem-se neste universo as ações sociais protagonizadas por empresas, fundações e institutos de origem empresarial ou instituídos por famílias ou indivíduos. A preocupação com o planejamento, o monitoramento e a avaliação dos projetos é intrínseca ao conceito de investimento social privado e um dos elementos fundamentais na diferenciação entre essa prática e as ações assistencialistas. Diferentemente do conceito de caridade, que vem carregado da noção de assistencialismo, os investidores sociais privados estão preocupados com os resultados obtidos, as transformações geradas e o envolvimento da comunidade no desenvolvimento da ação.

O GIFE foi criado em 1995 com 26 organizações associadas entre empresas, associações e fundações empresariais. Atualmente conta com 112 associadas que investem, anualmente, cerca de R$ 1 bilhão em projetos sociais, culturais e ambientais, sendo a área educacional a que recebe maior volume de recursos170. O GIFE tem por objetivos contribuir

para o aperfeiçoamento e a difusão de conceitos e práticas do investimento social privado, apoiar seus associados no desenvolvimento de projetos e atividades, subsidiando-os com informações, capacitação, promoção de troca de ideias e experiências, estímulo à celebração de parcerias na área social entre o setor privado, o Estado e a sociedade civil organizada.

O conceito de investimento social privado, por ser mais preciso, é mais fácil de ser dimensionado. Segundo pesquisas do IPEA171, na primeira metade da década de 2000,

observou-se um crescimento generalizado na proporção de empresas que declaram realizar em caráter voluntário algum tipo de ação social para a comunidade: a participação empresarial na área social aumentou 10 pontos percentuais, passando de 59%, em 2000, para 69%, em 2004. São aproximadamente 600 mil empresas formais em todo o país – micro, pequenas, médias e grandes – que, de alguma maneira, atuam voluntariamente em prol de comunidades mais

170 A esse respeito, consultar a publicação “Censo GIFE 2005/2006”, lançada pelo GIFE em 2006.

171 A pesquisa foi realizada com uma amostra de cerca de 10 mil empresas, com um ou mais empregados,

representativas do universo empresarial no Brasil, por porte, setor de atividade econômica e região. Para mais informações, consultar Peliano e Beghin (2003), Beghin (2005) e Peliano (2006).

pobres. São as grandes empresas que apresentam a maior taxa de participação em ações comunitárias, 94% em 2004. Destaca-se, contudo, a expressiva participação das microempresas (de 1 a 10 empregados): 66% delas, ou 410 mil estabelecimentos em 2004, deram algum tipo de contribuição para fora de seus muros. Em 2004, o conjunto de empresas que declarou fazer doações ou apoiar projetos sociais aplicou cerca de R$ 4,7 bilhões172 no atendimento de comunidades em situação de pobreza. Se por um lado, esse valor é bastante expressivo em termos absolutos, por outro, corresponde a apenas 0,27% do PIB daquele ano.

No que se refere às empresas de maior porte, a pesquisa revelou que, no geral, o investimento social privado é entendido como estratégico para o negócio; portanto, integra formalmente a missão da empresa e tem por principais motivações melhorar a sua imagem e aumentar a produtividade do trabalho. Dessa feita, atua-se com regularidade – pois a descontinuidade poderia comprometer a imagem do negócio – e a divulgação do que é feito é crucial. Dá-se ênfase a atividades educacionais com o intuito de melhorar a eficiência geral da economia. Ainda que em valores absolutos os recursos aplicados não sejam negligenciáveis, em termos percentuais representam muito pouco em relação ao faturamento das empresas, menos de 1%. O retorno do que é feito é percebido na melhoria das condições de vida das comunidades atendidas e na melhor inserção da empresa na sua vizinhança. No entanto, essas percepções são impressionistas, pois os empresários não avaliam os resultados das atividades desenvolvidas.

Os dados da pesquisa do IBASE, mencionada anteriormente, vão na mesma direção: os investimentos externos anuais das empresas estudadas correspondem a cerca de 0,5% das suas receitas líquidas e a maior parte deles se destina a atividades de educação e de cultura. Ainda que representando percentuais pequenos dos recursos investidos, a área de combate à fome cresceu expressivamente nos últimos anos, provavelmente, parte disso deve-se à resposta do setor empresarial à mobilização em torno do Fome Zero: em 2001, não havia recursos alocados para esse tipo de atividade; já em 2007, 6% do total investido destinava-se a ações de combate à fome.

RSE e ISP: apesar das diferenças existem pontos comuns

As especificidades de cada um desses movimentos nem sempre são muito claras. Observa-se no Brasil, no bojo do movimento de aggiornamento das organizações de defesa dos interesses do setor empresarial analisadas anteriormente, que desde os anos de 1980 e,

172 Reais constantes de 2004, deflacionados pela média anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor

particularmente, a partir da década de 1990, criaram-se inúmeras instituições empresariais ou de origem empresarial que passaram à atuar nesse campo, frequentemente mesclando as duas noções. Assim, por exemplo, além das organizações já mencionadas, pode-se citar a Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas (ACDE)173 e a Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial (FIDES)174, pioneiras nesse debate no Brasil, a Câmara Americana de Comércio/São Paulo (AMCHAM)175, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS)176, a Fundação ABRINQ pelos Direitos da Criança177, o Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (COEP)178, o Instituto Cidadania Empresarial (ICE)179 e a Comunitas180.

É igualmente ilustrativo dessa nova dinâmica, que já se espraia nas tradicionais estruturas corporativas de representação dos interesses empresariais, a criação, no âmbito das várias federações da indústria, de conselhos, núcleos ou assemelhados de investimentos sociais privados ou de responsabilidade social empresarial. Mencione-se, ainda, a criação, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI)181, do Conselho Temático Permanente de Responsabilidade Social (CORES), que tem por atribuição estimular o desenvolvimento integrado e em rede de ações e iniciativas de responsabilidade social nas organizações associadas. O SEBRAE também iniciou sua atuação nessa área ao realizar, em parceria com o Instituto Ethos, o Programa de Responsabilidade Social Empresarial para Micro e Pequenas Empresas. Registre-se, ainda, no bojo da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA), a criação do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE)182, com objetivo de refletir o retorno de uma carteira composta por ações de empresas de reconhecido comprometimento com a responsabilidade social e a sustentabilidade empresarial. Note-se que organizações recentemente criadas de defesa de interesses empresariais mais amplos, como o PNBE e o LIDE, também passaram a desenvolver mecanismos nesse campo: o braço social do LIDE tem o nome de “Empresários pelo Desenvolvimento Humano” (EDH), e o do PNBE é o Instituto PNBE de Responsabilidade Social183.

173

Para mais informações, consultar o site: http://www.adcesp.org.br.

174 Para mais informações, consultar o site: http://www.fides.org.br. 175 Para mais informações, consultar o site: http://www.amcham.com.br. 176 Para mais informações, consultar o site: http://www.cebds.com. 177

Para mais informações, consultar o site: http://www.fundabrinq.org.br.

178 Para mais informações, consultar o site: http://www.coepbrasil.org.br. 179 Para mais informações, consultar o site: http://www.ice.org.br. 180 Para mais informações, consultar o site: http://www.comunitas.org.br. 181 Para mais informações, consultar o site: http://www.cni.org.br. 182 Para mais informações, consultar o site:

http://www.bovespa.com.br/Mercado/RendaVariavel/Indices/FormConsultaApresentacaoP.asp?indice=ISE.

De maneira geral, em que pesem as especificidades e as particularidades dessas instituições e de suas práticas, observam-se algumas semelhanças, podendo-se destacar:

o reconhecimento comum – expresso pela multiplicação dessas organizações que buscam promover a responsabilidade social empresarial ou o investimento social privado – de que existem graves problemas sociais no país e de que as empresas têm papel a cumprir no enfrentamento dessa questão;

o entendimento generalizado de que há compatibilidade entre rentabilidade econômica e RSE ou ISP, pois são as próprias empresas que se organizam para promover esse tipo de prática;

a preocupação implícita, mas que permeia todas elas, em reverter a imagem negativa do empresariado na medida em que ele ancora sua atuação em expressões como: “bem comum”, “bem-estar social”, “ética”, “paz”, “cidadania”, “responsabilidade social” e “sustentabilidade”;

o esforço comum de promover a comunicação e o diálogo com diversos setores da sociedade, por meio de prêmios, selos, debates, constituição de redes ou de produção e divulgação de informações;

a negação explícita da regulação pública na medida em que se defende a regulação privada, combatendo-se sistematicamente, por exemplo, qualquer tentativa de obrigatoriedade de mecanismos de accountability;

a promoção implícita da dissolução dos conflitos oriundos das desiguais relações de poder entre capital e trabalho, homens e mulheres ou brancos e negros que se materializa nos objetivos de “humanização das empresas”, de “coresponsabilidade do setor empresarial no desenvolvimento sustentável”, da designação dos empregados como “colaboradores”, no estímulo à “parceria na construção de uma sociedade justa” ou na utilização do conceito de “terceiro setor” que, no geral, desconhece o conjunto de organizações dedicadas à luta contra as desigualdades sociais e à defesa dos direitos humanos.

Embora esses pontos comuns não se constituam numa atuação coordenada e articulada por parte do setor empresarial, pois nenhuma organização é capaz de aglutinar essas práticas num projeto estratégico partilhado por todos, fica claro que a associação de empresas privadas com organizações governamentais para combater a pobreza busca responder a novas regras do mercado de forma a não afetar sua lucratividade. Ou seja, a parceria com o setor público em projetos sociais procura conquistar maior legitimidade perante a sociedade por meio de ações que reforcem as liberdades individuais e que aumentem a eficiência do mercado. Não se trata,

pois, de contribuir para ampliar os direitos sociais e assim promover a efetiva redistribuição das riquezas geradas. É por isso que a maior parte das empresas de grande porte apoia ações nas áreas de educação, saúde, assistência e alimentação voltadas para crianças e jovens. No entanto, as questões que representam entraves à acumulação, especialmente aquelas articuladas em torno do trabalho, não somente são ignoradas como regularmente burladas ou violadas.

Outro elemento revelador de que, no Brasil, o setor empresarial procura desviar a atenção do debate em torno da redistribuição e circunscrevê-lo ao da compensação, é a mobilização em torno dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs). Os ODMs representam uma pauta mínima de metas a ser atingidas pelo conjunto da sociedade global e foram desenhados tendo como referência países extremamente pobres, como por exemplo os países africanos. O Brasil, contudo, acordou seu pacto social por meio da Constituição Federal de 1988, que estabelece conquistas que vão muito além dos mínimos contidos nos ODMs: esse deveria ser o conjunto de metas a ser apoiado pelo setor empresarial. Entretanto, os acordos sociais contidos na Carta Magna e nas leis infraconstitucionais são percebidos como entraves à acumulação e o esforço justamente é o de eliminá-los, e não de respeitá- los184. No seu lugar, propõe-se um conjunto de ações que, se por um lado melhoraram concretamente a vida das pessoas, por outro, pouco contribuem para transformar os arranjos societais que produzem e reproduzem a desigualdade e a pobreza.

Assim, por exemplo, o Ethos vem animando uma enorme campanha em torno do compromisso que as empresas podem ter com os ODMs por meio de publicações185, de processos de capacitação de profissionais de mídia e de mobilizações. A referência aos Objetivos do Milênio também serve de baliza para defender as parcerias celebradas pelas empresas privadas com organizações governamentais186. Ou seja, para o Ethos, e outras

organizações empresariais desse campo, a motivação desses arranjos público-privados não se articulam em torno dos direitos sociais, mas dizem respeito à realização de ações que em pouco ou nada comprometem sua lucratividade e que não alteram as causas da pobreza e da desigualdade no país. Nessa mesma linha, menciona-se o Portal ODM187 recém lançado no

184 Ver, por exemplo, as propostas da reforma tributária defendidas pelo setor empresarial que não somente

mantém o caráter regressivo do sistema tributário brasileiro como põem em risco o financiamento das políticas de seguridade social, de educação e de emprego e renda ao advogar pela desvinculação de suas fontes de financiamento. Para mais informações, ver Salvador (2008).

185 Para mais informações, consultar Ethos (2004).

186 No seu site, o Ethos estimula a realização de parcerias para a concretização das Metas do Milênio. Para

maiores informações, consultar:

http://www.ethos.org.br/DesktopDefault.aspx?TabID=3487eAlias=EthoseLang=pt-BR.

Fórum Social Mundial de Belém, em janeiro de 2009, pela Federação das Indústrias do Paraná (FIPE), em parceria com organizações do governo federal (Secretaria Geral da Presidência da República, IPEA e IBGE) e das Nações Unidas (PNUD e UNICEF). Trata-se de ferramenta que possibilita o acompanhamento dos ODMs em âmbito municipal a partir de

No documento Nathalie Beghin Tese de Doutorado (páginas 142-150)