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As formas de atuação

No documento Nathalie Beghin Tese de Doutorado (páginas 104-108)

2. Formação da agenda internacional das parcerias público-privadas do social (PPPGs)

2.2 A emergência do movimento da Responsabilização das Empresas (RE)

2.2.3 As formas de atuação

Broad e Cavanagh (1997) propõem uma tipologia para tentar retratar as diversas formas de responsabilizar as empresas. Eles fazem a partir de cinco categorias analíticas apresentadas no Quadro 2.3 a seguir. Complementamos o quadro com exemplos de maneira a ilustrar cada um dos tipos propostos.

Quadro 2.3 – Tipos de atuação do movimento da responsabilização das empresas

Tipo de atuação Descrição Exemplos

1. Por objetivos

estratégicos (i) Mudar as formas como se produz e consome. • Campanhas contra os produtos transgênicos. Campanha na defesa do Comércio Justo. • Rede Alerta contra o Deserto Verde que tem por

objetivo frear a expansão das monoculturas do eucalipto e do pinus (Brasil).

(ii) Regular a atuação das

transnacionais. • Ações a favor de uma autoridade supraregional ou supranacional de regulação das transnacionais (Nações Unidas, Comunidade Europeia, MERCOSUL).

• Códigos ou processos de certificação

independentes do setor empresarial (SA 8000, Código da FLA, FSC).

100 As TNCs “nivelam por baixo” quando criam filiais em países que desrespeitam o meio ambiente, que pouco

se importam com os impactos negativos das empresas nas comunidades locais, que possuem governos corruptos, que não dispõem de leis trabalhistas, que oferecem mão de obra barata e trabalhando em péssimas condições e que não contam com meios de comunicação de massa independentes etc.

(iii) Influenciar o

comportamento das empresas. • Indicadores e diretrizes de responsabilidade social empresarial, prêmios.

2. Voltada para a pressão de atores (empresariais, governamentais, multilaterais)

(i) Alterar diretamente o comportamento das empresas, por intermédio de estratégias de denúncia, de pressão, de diálogo ou de uma combinação delas.

• Boicote contra a atuação da Shell na Nigéria. • Environmental Defense Fund (EDF)

convencendo McDonalds a utilizar material reciclável nas suas embalagens101.

• Parceria entre investidores e organizações ambientais na criação dos Princípios CERES (Coalition for Environmentally Responsible Economies)102.

• Pressão da Coalition for Justice in the Maquiladoras103 para que as empresas

americanas, canadenses e mexicanas situadas na fronteira do México, no bojo do NAFTA (North

American Free Trade Agreement), respeitem os direitos dos trabalhadores mexicanos bem como o meio ambiente da região.

(ii) Alterar indiretamente o comportamento das empresas por intermédio de sistema legal nacional, regional ou internacional.

• Ações de pressão dos governos para aprovação nos países das Convenções da OIT.

• Ações que visam a que todos os países membros da OCDE implementem a Convenção sobre a Luta contra a Corrupção.

3. A partir de diversos métodos ou

instrumentos

(i) Códigos, selos e certificações propostos por organizações multilaterais ou não governamentais

elaborados a partir de consultas às partes interessadas.

• Código Internacional de Comercialização de Alimentos Sucedâneos ao Aleitamento Materno da Organização Mundial da Saúde (OMS). • Código de Conduta da Fair Labour Association

(FLA).

• Certificação de madeira pelo Forest Stewardship Council (FSC).

(ii) Acordos Marcos

Internacionais entre sindicatos e transnacionais.

São acordos negociados entre organizações sindicais – geralmente por meio de um Secretariado

Internacional – e transnacionais. Esses acordos especificam padrões trabalhistas mínimos e o respeito a direitos laborais básicos, tais como liberdade de associação e de negociação.

(iii) Ações diretas • Ocupação de empresas ou de órgãos públicos. • Manifestações, passeatas, comícios.

(iv) Campanhas • Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais da organização Médicos Sem Fronteira (MSF) para pessoas vivendo com HIV/Aids104.

• Campanha Make Trade Fair da Oxfam105. • Campanha Continental contra a ALCA (Área de

Livre Comércio das Américas)106.

101 Para mais informações, consultar o site da EDF: http://www.environmentaldefense.org. 102 Para mais informações, consultar o site da CERES: http://www.ceres.org.

103 Para mais informações, consultar o site da CFM: http://www.coalitionforjustice.net. 104 Para mais informações, consultar o site de MSF: http://www.msf.org.

105 Para mais informações, consultar o site da campanha: http://www.maketradefair.com/en/index. 106 Para mais informações sobre a campanha, consultar o site da Aliança Social Continental (ASC):

(v) Processos judiciais • Organizações não governamentais que processaram a Shell pelas suas atividades na Nigéria.

• Organizações não governamentais que

processam empresas pela violação de direitos de povos indígenas.

• Trabalhadoras que processaram a Wal-Mart por discriminação de gênero.

(vi) Diálogo entre organizações não governamentais e transnacionais.

Esse tipo de mecanismo é mais comum entre as organizações ambientalistas, como, por exemplo, os já citados Princípios CERES ou a relação entre o Environmental Defense Fund e a McDonalds. (vii) Instrumentos que

influenciam o consumidor. • Boicotes. Selos.

• Lojas que comercializam produtos de comércio justo.

• Organizações de comércio alternativo que defendem o comércio justo em oposição ao livre comércio (Alternative Trade Organizations – ATO).

• Produção de informações: estudos, pesquisas, indicadores, relatórios, documentários etc. (viii) Fundos de investimentos

com responsabilidade social (Fundos SRI – Socially Responsible Investing).

• Fundo Ethical do Banco Real107 (Brasil) que conta com o apoio do Instituto Ethos e do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

• Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bolsa de Valores de São Paulo, Brasil (Bovespa)108.

4. Em função dos atores que

desencadeiam a ação

(i) Grupos ambientalistas As formas de atuação variam do confronto ao desenvolvimento de trabalhos conjuntos com empresas ou organizações empresariais.

(ii) Sindicatos Atuam pressionando governos para a regulamentação das convenções da OIT e para que instaurem marcos legais que ampliem os direitos trabalhistas e melhorem as condições de trabalho. Participam de processos de discussão de mecanismos internacionais de regulação promovidos tanto por organismos multilaterais (ONU, OCDE, UE) como por

iniciativas privadas (FLA, SA 8000). Têm realizado acordos diretamente com as transnacionais (Acordos Marcos Internacionais).

(iii) Grupos religiosos São investidores de diferentes religiões que

promovem a responsabilidade social empresarial em suas organizações. Uma das maiores e mais antigas organizações nesse âmbito é o Interfaith Center for Corporate Responsibility109 (ICCR), criada em 1973.

107 Para mais informações, consultar o site do Fundo: www.fundoethical.com.br.

108 Segundo a Bovespa, o índice tem por objetivo refletir o retorno de uma carteira composta por ações de

empresas com reconhecido comprometimento com a responsabilidade social e a sustentabilidade empresarial e também atuar como promotor das boas práticas no meio empresarial brasileiro. Para mais informações, consultar o site da Bovepsa:

http://www.bovespa.com.br/Mercado/RendaVariavel/Indices/FormConsultaApresentacaoP.asp?Indice=ISE.

No Brasil, a Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social (FIDES)110, ligada a Associação

Cristã de Dirigentes Empresariais (ACDE), incentiva ações de responsabilidade social desde 1986. (iv) Investidores Trata-se dos chamados Investimentos Socialmente

Responsáveis, os Fundos SRI (Social Responsible

Investments). Dados do Social Investment Forum revelam que, nos Estados Unidos, os ativos SRI cresceram mais de 324% em doze anos, passando de U$ 639 bilhões, em 1995, para U$ 2,71 trilhões em 2007. No mesmo período, o conjunto dos ativos administrados por gerentes profissionais cresceu menos de 260%, passando de U$ 7 trilhões para U$ 25,1 trilhões111.

(v) Organizações não governamentais

Desenvolvem ações que vão do confronto ao estabelecimento de parcerias com o setor empresarial. Esse universo de organizações é extremamente heterogêneo do ponto de vista de sua natureza, objetivos e métodos de atuação.

5. Em função do escopo geográfico

Atuação que busca alterar o comportamento das empresas nos espaços local, nacional, regional e internacional.

• Local: Fórum Amazônia Sustentável (Brasil)112. • Nacional: Boicote contra a Shell na Nigéria. • Regional: Coalition for Justice in the

Maquiladoras que abrange a área do NAFTA. • Internacional: movimento em defesa da criação

pelas Nações Unidades de uma instância reguladora da atuação das transnacionais.

Fonte: Broad e Cavanagh (1997), complementado com informações próprias.

Concordamos com Bendell (2004) quando alerta para o fato de que o movimento da responsabilização social não é um “movimento social”. Para constituir-se como tal, as organizações que deles participam deveriam, além de ter base social, compartilhar experiências, crenças e valores, bem como um projeto sociopolítico e cultural comum. Esse não é o caso de organizações que, de um lado, reivindicam a extinção das corporações ou seu controle pelo Estado e, de outro, daquelas que apenas almejam mudar o comportamento das TNCs num processo de “humanização do capitalismo”. Se o movimento não é “social”, não deixa, entretanto, de ser um movimento cujo objeto de atuação são as empresas privadas, especialmente as transnacionais, e que busca, de distintas maneiras, contrapor-se aos efeitos perversos da globalização.

Lipschutz (2005) é mais severo nas suas críticas. No seu entendimento, esses mecanismos de corregulação representam, na realidade, a privatização de mecanismos de 110 A esse respeito, consultar o site do FIDES: http://www.fides.org.br.

111 A esse respeito, ver o Relatório do Social Investment Forum (2006).

regulação: trata-se de um tipo de contrato entre produtores e consumidores no qual em troca da lealdade do comprador, promete-se um bom comportamento por parte do produtor. Ainda que Lipschutz tenha razão, na medida em que a defesa exclusiva de instrumentos de regulação privada contribui para enfraquecer, cada vez mais, a regulação pública, é preciso destacar que são muitas as propostas de fortalecimento do poder público no controle da atuação das empresas privadas. Analisando diversas sugestões de medidas de responsabilização das empresas que circulam entre as organizações da sociedade civil, Bendell (2004) identificou várias que requerem a regulação pública das transnacionais, tais como: (i) transparência por meio de publicação obrigatória de balanços socioambientais ou semelhantes, de realização periódica de auditorias e de divulgação das atividades de lobbying; (ii) consultas às comunidades afetadas pela atuação das empresas, incluindo governos – isso significaria a assinatura compulsória de acordos comunitários; (iii) responsabilização pelos atos ilícitos perante a justiça do país de origem ou perante uma autoridade jurídica internacional. Note-se que tais propostas pressupõem a existência de instituições públicas que amparem essas novas formas de governança local, regional e global. A demanda por transparência e consulta à comunidade visa fortalecer o poder público local. A proposta de estender a cobertura de leis nacionais ou de expandir a jurisdição de organismos do judiciário internacional busca possibilitar as pessoas que vivem em países que falham na promoção e na proteção dos direitos humanos proteger-se em outras instâncias.

Diante da pressão da sociedade e do crescimento da exclusão social em escala planetária, as empresas privadas, associadas a governos e organismos multilaterais enfraquecidos, passam a investir recursos e energia em uma dimensão específica da responsabilidade social empresarial, a saber, as parcerias com o poder público para o combate à pobreza, as chamadas parcerias público privadas globais (PPPGs).

No documento Nathalie Beghin Tese de Doutorado (páginas 104-108)