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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A Microeconomia e a Informação da Qualidade

Se um consumidor tivesse razoável consciência de sua ignorância quanto a um produto, isso permitiria que ele assumisse que qualquer carro usado teria uma alta probabilidade de ter baixa qualidade, ou seja, ser um “lemon” (AKERLOF, 1970) ou para nós, ser um “abacaxi”. Em português, abacaxi pode significar, enquanto uma gíria, tudo que é indesejável, inútil, perigoso, prejudicial etc. (MICHAELIS, 2005, p. 2). A partir deste ponto, quando se referir a um “lemon” na visão de Akerlof, utilizar-se-á o termo “abacaxi”.

Uma pessoa conhece mais a respeito de um bem que lhe pertence que qualquer outra pessoa, incluindo-se aqui alguém que queira comprar esse seu bem. Desta forma, segundo Akerlof (1970), o mercado de um determinado tipo de bem – carros, equipamentos, máquinas, refrigeradores, móveis etc. – possui inevitavelmente informação assimétrica. Evidentemente que isso provocaria uma queda dos preços do produto usado, o que provocaria a retirada do mercado dos produtos usados com maior qualidade (ROSSER, 2003). Portanto, somente os “abacaxis” seriam oferecidos aos consumidores.

Mesmo que forçado a se desfazer de seu bem, um proprietário desse bem usado com maior qualidade – que não fosse um “abacaxi” – não conseguiria, portanto, receber o justo pelo seu bem, posto que seria visto como dono de outro “abacaxi”.

A esse fenômeno em que os “abacaxis” forçam os bens que possuem qualidade a se retirar do mercado, Akerlof (1970) deu o nome de seleção adversa, ou seja, um consumidor selecionaria – por conta de informação assimétrica – um produto de maneira

adversa à sua real vontade. A possibilidade de se reverter esse quadro seria o de criar reputação suficiente para que um consumidor desse o crédito necessário àquele vendedor.

Ao tornar a informação mais simétrica ao mercado – e aos seus consumidores – uma empresa estaria criando a necessária reputação para tornar indiscutível a qualidade de seu produto, afastando da concorrência direta aqueles produtos “abacaxis”.

Kreps (2004, p. 424) utiliza o termo “hidden information”, ou informação escondida, para designar o mesmo fenômeno, originalmente descrito por Akerlof, em seu artigo seminal de 1970. Kreps entende como antídoto para a informação escondida a sua revelação que, quando feita estrategicamente, precisa ter seu conteúdo cuidadosamente considerado. Em geral, em muitas das transações, uma das partes possui informação que a segunda parte não possui e isso é importante para a real avaliação da transação pela segunda parte. No caso do vendedor de um bem, que conhece a sua qualidade, fica demonstrada a sua vontade de vender, que pode ser uma indicação de que este bem em questão, muito provavelmente, é de menor qualidade (KREPS, 2004, p. 424).

Sendo assim, o comprador deve compreender que, se há interesse pelo vendedor em se desfazer do bem, é provável que ele seja de menor qualidade ou, como apontado por Akerlof (1970) e Kreps (2004, p. 426), que se processe uma seleção adversa de toda a população desses bens.

Surge um círculo vicioso, como aponta Kreps (2004, p. 426): os compradores, não conhecedores da qualidade de um bem em particular, esperam pagar um preço pela qualidade média da população. Mas seria essa a verdadeira média de toda a população? Em verdade, não o será, se o preço de equilíbrio para uma amostra média retirada de toda a população não for alto o suficiente para induzir os proprietários de bens de maior qualidade a venderem. A isso, dá-se o nome de seleção adversa.

Entretanto, os preços do bem precisam baixar para refletir essa relação adversa. Mas, ao se baixarem os preços, os proprietários de bens com qualidade intermediária retirariam seus produtos do mercado, tornando a seleção adversa ainda pior. Os preços cairiam ainda mais e a seleção adversa se tornaria cava vez mais adversa.

2.1.1 Os Produtos de Qualidade Duvidosa

Para que se possa sedimentar a questão que envolve a informação assimétrica e a seleção adversa e o que esse círculo vicioso produz, pode-se analisar um exemplo apresentado por Pindyck e Rubinfeld (1999, p. 669-670), a seguir detalhado.

Em um dado mercado de automóveis usados, existem dois tipos de automóveis disponíveis para compra: os automóveis com alta qualidade e os automóveis com baixa qualidade. Pode-se ainda supor que, nesse mercado, existam tanto vendedores como compradores capazes de reconhecer de qual tipo é o automóvel. Haverá então dois mercados, conforme ilustram as Figuras 1(a) e 1(b).

Na figura 1(a), SH é a curva de oferta de automóveis de alta qualidade e DH representa

a curva de demanda por esses automóveis com alta qualidade. Da mesma forma, SL e DL na

Figura 1(b) são, respectivamente, a curva de oferta e a curva de demanda por automóveis com baixa qualidade.

Pode-se verificar que, para qualquer nível de preço, SH é mais elevada do que SL; isso

porque os donos dos automóveis de alta qualidade relutam mais em querer vendê-los e, para que isso ocorra, será preciso que um preço mais alto seja ofertado. Também DH será mais

elevada que DL, uma vez que os compradores estarão propensos a ofertar um valor maior a ser

pago por um automóvel de alta qualidade.

Na ilustração pode ser visto que o preço de mercado dos automóveis de alta qualidade é de $10.000; para os automóveis de baixa qualidade o preço de mercado é de $5.000. São vendidas 50.000 unidades de cada um dos dois tipos.

Na vida real, sabe-se que o vendedor de um automóvel usado sabe muito mais a respeito de sua qualidade do que o comprador, isto é, conhece melhor o bem, pois convive

com ele há mais tempo. O que ocorre então quando os vendedores conhecem a qualidade do automóvel, mas os compradores não?

Importante lembrar que os compradores descobrirão a qualidade do bem somente depois de o terem adquirido e dirigido por certo tempo. Inicialmente, os compradores poderiam pensar que as chances são meio a meio de que o automóvel que estejam adquirindo seja de alta qualidade (a razão disso é que, quando vendedores e compradores conhecem a qualidade, são vendidas 50.000 unidades de cada tipo).

Portanto, ao fazerem uma aquisição, os compradores estão estimando que todos os automóveis tenham qualidade “média”. De novo, somente após estarem de posse do bem é que eles passarão a conhecer sua verdadeira qualidade. A demanda pelos automóveis de qualidade média, indicada por DM na Figura 1, encontra-se abaixo de DH, mas acima de DL. A

partir de agora, então, como mostra a ilustração, será vendida uma quantidade menor (25.000) de automóveis de alta qualidade e uma quantidade maior (75.000) de automóveis de baixa qualidade.

Conforme os consumidores vão percebendo que a maioria dos automóveis vendidos é de baixa qualidade, suas demandas são deslocadas. A nova curva de demanda, de acordo com a Figura 1, passa a ser DLM, o que significa que, na média, os automóveis possuem qualidade

entre baixa e média.

No entanto, a combinação de automóveis vendidos passa a conter maior proporção de automóveis de baixa qualidade. Em conseqüência disso, a curva de demanda é deslocada ainda mais para a esquerda; assim, a combinação de automóveis passa a conter uma proporção ainda maior de automóveis de baixa qualidade.

Essa sucessão de deslocamentos continua até que apenas automóveis de baixa qualidade estejam disponíveis para serem vendidos. Nesse ponto, o preço de mercado estará muito baixo para que automóveis de alta qualidade sejam ofertados; com isso, os consumidores suporão corretamente que qualquer automóvel que possa ser adquirido nesse mercado será de baixa qualidade. A curva de demanda passa a ser DL.

Desta forma, em um mercado de automóveis usados, se a qualidade aparente do carro for idêntica para vendedor e comprador, então a oferta é igual à demanda.

Mas a qualidade de um carro usado raramente é conhecida dos compradores de forma precisa, enquanto que os vendedores possuem uma melhor idéia de quanto os mesmos valem (KREPS, 2004, p. 427). Os compradores seriam incapazes de perceber algo a respeito da qualidade do carro e estariam esperando pagar pela qualidade média dos carros colocados no mercado.

Desde que todos os carros sejam vendidos, se ambos vendedores e compradores sabem os níveis de qualidade, poder-se-ia supor que todos os carros continuariam a ser vendidos. Entretanto, não é o que acontece; os automóveis são percebidos de maneira distinta entre vendedores e compradores: surge a seleção adversa. E o que acontece ao final deste processo? Com um mercado em equilíbrio com preços baixos, carros que valem menos para seus atuais donos seriam trazidos de volta ao mercado. Então, o valor médio para os compradores seria baixo, mas seria o preço de mercado. O mercado atinge seu equilíbrio.

Segundo Kreps (2004, p. 427), surge um equilíbrio miserável. Um insuficiente percentual dos carros usados existentes estaria no mercado, mesmo que cada carro usado valesse mais para um novo comprador do que para seu atual dono. E esse percentual pequeno não é de uma qualidade média, mas sim os piores carros usados do mercado. Este é o verdadeiro e real mercado dos abacaxis.

2.1.2 O Exemplo da Seleção Adversa no Mercado da Saúde

De outro lado, há ainda os casos em que o comprador sabe mais a respeito do bem a ser adquirido do que o vendedor, em geral na aquisição de serviços. O provedor de um serviço teria um custo incerto, enquanto que o tomador saberia mais sobre esse custo. Exemplo comum na vida de milhões de pessoas é o seguro-saúde.

Como lembra Kreps (2004, p. 428), o termo seleção adversa originou-se da ciência atuarial. O custo de prover um serviço de seguro-saúde dependerá da probabilidade com que o cliente poderá ficar doente ou mesmo morrer. Em princípio, os que estão doentes ou próximos de morrerem, seriam os mais ávidos por consumir esse serviço.

Desta forma, as empresas de seguro-saúde provocariam uma seleção adversa de toda a população. O círculo vicioso se inicia: (1) as taxas de prêmio aumentam para compensar o problema da seleção adversa, (2) os mais sadios deixam de comprar o produto, (3) a seleção de candidatos a adquirir os produtos se torna mais adversa, (4) aumentando os prêmios, (5) piorando a seleção adversa e assim por diante. Os mais necessitados são os que menos têm acesso a adquirir este produto (AKERLOF, 1970).