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A Qualidade e a Certificação da Qualidade vistas pela Microeconomia

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.3 A Qualidade e a Certificação da Qualidade vistas pela Microeconomia

Garvin (1992, p. 25) aponta que, na década de 1980, a qualidade foi ganhando terreno junto a presidentes e diretores executivos das empresas americanas; esse fenômeno poderia ser explicado pela associação da qualidade com a lucratividade e pelo fato de ela ser definida de acordo com a visão e as expectativas dos consumidores e clientes. Ao incluírem-na no processo de planejamento estratégico, vêem a qualidade como uma arma agressiva para a concorrência de mercado.

As diversas forças de mercado que assolaram os mercados mundiais por conta da invasão dos produtos japoneses com qualidade superior nos anos 1980, ajudaram a relacionar as perdas de rentabilidade e de participação no mercado com a qualidade inferior produzida pelas empresas ocidentais, particularmente as norte-americanas (GARVIN, 1992, p. 26; FEIGENBAUM, 1991, p. 55-56).

Processos indenizatórios em função da má qualidade de produtos e serviços também começaram a abalar os modelos de gestão: de 1974 a 1981, as ações judiciais aumentavam a uma taxa média anual de 28% (GARVIN, 1992, p. 28).

Em 1973, ainda segundo Garvin (1992, p. 27), agências americanas reguladoras de tráfego nas estradas, proteção ambiental e segurança de produtos de consumo haviam retirado sete milhões de unidades de vários produtos do mercado devido a necessidades de correção de riscos potenciais para a segurança dos consumidores; em 1978, essa cifra aumentara para vinte e nove milhões.

Esse fenômeno provocou uma reação por parte dos governos federal e estaduais americanos. Dentre elas, a aprovação das “leis dos limões” (GARVIN, 1982, p. 27), aplicáveis aos automóveis com defeitos repetitivos, proporcionando aos proprietários desses

bens receberem um novo bem equivalente ou, simplesmente, a devolução do valor pago. Cada processo desses podia valer milhões de dólares.

Essas forças externas provocaram então um efeito sinalizador para a gerência executiva das empresas: corriam risco a reputação da empresa, a sua participação de mercado e a sua rentabilidade. E esses ativos não poderiam ser perdidos.

No caso da teoria de Akerlof (1970), os automóveis usados, em um mercado eficiente, poderiam ser escolhidos corretamente pelos consumidores, entre os que possuem mais ou menos qualidade (PINDYCK; RUBINFELD, 1999, p. 668): os consumidores que quisessem gastar menos, ou que só poderiam gastar certo valor, poderiam adquirir os de mais baixa qualidade devido ao fato de custarem menos, enquanto outros consumidores optariam por comprar melhores bens, já que poderiam pagar pelos de maior qualidade. No entanto, distante do mundo ideal da eficiência do mercado, os consumidores não podem, de fato, distinguir a qualidade do bem usado que compram antes que o tenham comprado: isso provoca a queda dos preços dos carros usados como um todo e, conseqüentemente, a saída dos de alta qualidade do mercado.

Essa falha de mercado, na qual os proprietários de carros de alta qualidade os subavaliam e existem os de baixa qualidade impedindo uma troca mutuamente benéfica (PINDYCK; RUBINFELD, 1999, p. 671) promove um problema que se pode encontrar em muitos mercados, o da seleção adversa (AKERLOF, 1970). Esse fenômeno é aquele em que produtos – ou serviços – com qualidades diferentes podem ser vendidos ao mesmo preço, pois compradores e vendedores não possuem a informação completa necessária para a transação. Importante, para efeito deste trabalho, será conceituar e definir os contornos destes três fenômenos para o universo das empresas que buscam a certificação da qualidade. Ao (1) sinalizarem ao mercado que possuem uma qualidade distinta, as companhias podem promover (2) a diminuição da assimetria da informação entre as partes interessadas na transação e, conseqüentemente, (3) a diminuição da seleção adversa.

2.3.1 A Reputação e a Padronização

Pindyck e Rubinfeld (1999, p. 673) apresentam uma série de situações em que a relação entre compradores e vendedores de produtos e serviços está contaminada pela informação assimétrica. Como exemplo, pode-se citar a ida a um restaurante: com que freqüência um cliente vai até a cozinha verificar se, de fato, o cozinheiro está utilizando os melhores ingredientes, se estão frescos e adotando boas práticas no manuseio de acordo com a

legislação sanitária? É fato que o vendedor – ou o prestador do serviço – saberá sempre mais do que o comprador ou tomador daquele serviço.

A não ser que os vendedores possam fornecer as devidas informações sobre a qualidade dos produtos ou dos serviços aos consumidores e clientes, os insumos, matérias- primas, suprimentos, bens ou serviços de qualidade inferior acabarão por expulsar os de qualidade superior do mercado: conseqüência desse fenômeno será o mercado ineficiente (MILGROM; ROBERTS, 1992, p. 154).

A maior – senão, a única – motivação para as empresas que queiram vender seus produtos e serviços – que, de fato, possuem qualidade superior – será convencer seus consumidores de que sua qualidade é, inegavelmente, a melhor.

Isso será conseguido por meio da reputação (MILGROM; ROBERTS, 1992, p. 139- 140; RUMELT; SCHENDEL; TEECE, 1995, p. 30; PINDYCK; RUBINFELD, 1999, p. 673- 675), mas pode ser conseguido também por meio da padronização. Neste caso, pode-se assegurar a qualidade de um produto padronizando-o, isto é, em qualquer local em que um consumidor estiver, a qualidade será a mesma, pois se construiu uma imagem de padronização de produtos, caso das redes de fast food americanas (PINDYCK; RUBINFELD, 1999, p. 673). Esse fenômeno se pode verificar nas estradas brasileiras, em que os consumidores preferirão parar em um restaurante de uma rede conhecida do que em uma lanchonete que não tenha outras filiais: as reputações que os dois construíram são distintas.

Em estudo bastante recente, Sánchez e Sotorrío (2007) comprovaram haver uma relação forte entre a reputação nos negócios e o resultado financeiro de uma companhia. Ao utilizarem uma amostra de 100 das mais prestigiosas companhias em operação na Espanha no ano de 2004, Sánchez e Sotorrío (2007) observaram que o processo de criação de valor das companhias por meio da reputação é influenciado por uma série de fatores, dentre eles, a estratégia de diferenciação.

Diferenciar-se pela certificação seria um sinal de credibilidade para o mercado, fortalecendo a reputação das companhias.

No caso da norma ISO 9000, poder-se-ia entender que, ao propor uma padronização de práticas de gestão de acordo com conceitos e premissas da gestão da qualidade, esta norma estaria contribuindo para um processo de sinalização das empresas para o seu mercado consumidor, em particular, sinalizando determinados atributos organizacionais que outras partes interessadas (stakeholders) não teriam condições de observação direta (TERLAAK; KING, 2006).

Terlaak e King (2006) defendem que a certificação provê uma vantagem competitiva permanente, mesmo que a certificação realmente não melhore o desempenho operacional da empresa certificada.

Uma constatação importante é que a certificação cria oportunidades para reduzir custos de transação e custos de procura por fornecedores. Tirole (1990, p. 106, 110–114) atestou que a padronização de práticas de compra permite reduzir os custos de fornecimento e mitigar custos de transação pelo fato de reduzir a assimetria de informações entre comprador e vendedor. Isso pressupõe que empresas fornecedoras certificadas pela ISO 9000 permitiriam aos compradores de seus produtos menores custos diretos de produção, menores custos em ter que adotar multi-critérios para cada fornecedor e menores custos de contratação (ANDERSON; DALY; JOHNSON, 1999).

2.3.2 O Exemplo da Sinalização no Mercado de Trabalho

Como já apontado anteriormente, Spence (1973) teorizou a respeito do tema, mostrando que, em determinados mercados, os vendedores enviam sinais aos compradores, repassando a estes últimos informações a respeito da qualidade de um determinado produto ou serviço, dentro de um mercado com informações assimétricas, anteriormente teorizado por Akerlof (1970). Spence (1973) teorizou a partir de uma situação em que trabalhadores, ansiosos por trabalhar, desejam ser contratados por uma empresa.

Os trabalhadores – os vendedores – conhecem suas capacidades, competências, vontade e afinco pelo trabalho; os empregadores – os compradores – apenas descobrirão essas qualidades depois da transação de contratação. Mas por que então empresas não contratam esses trabalhadores, os observam e, se não gostarem, os demitem? Porque é dispendioso e porque, muitas das vezes, os trabalhadores demoram para demonstrar suas habilidades (PINDYCK; RUBINFELD, 1999, p. 675-680). Desta forma, é melhor que, a partir de um sinal, as empresas possam acertar mais nas suas contratações, podendo saber antecipadamente suas habilidades, isto é, antes de serem admitidos.

Mas qual o grau e a força de um sinal? Pindyck e Rubinfeld (1999, p. 675-676) defendem que, para uma entrevista de seleção para uma vaga, trajar-se bem é um sinal, mas é um sinal fraco, posto que mesmo um trabalhador muito produtivo e habilidoso poderia se vestir mal.

“Para ser forte, um sinal deve ser mais facilmente transmitido por pessoas de alta produtividade do que por indivíduos de baixa produtividade, de tal modo que possa ser encontrado mais freqüentemente entre os indivíduos de alta produtividade” (PINDYCK; RUBINFELD, 1999, p. 676).

A sinalização seria, portanto, um ambiente em que as partes revelariam suas informações (MILGROM; ROBERTS, 1992, p. 154-155). Nesse sentido, Spence (1973), ao estudar o mercado de trabalho, apontou a educação como um sinal forte. Neste caso, a educação poderia estar aumentando a produtividade de um trabalhador ao fornecer a ele informações, habilidades e conhecimentos que podem ser úteis no seu trabalho (PINDYCK; RUBINFELD, 1999, p. 676).

Mas, mesmo que a educação não propiciasse a melhoria da produtividade de uma pessoa em seu ambiente de trabalho, ela – a educação – ainda seria um sinal útil da produtividade, já que os trabalhadores mais produtivos teriam maior facilidade para alcançar elevados níveis de educação (PINDYCK; RUBINFELD, 1999, p. 676-680).

Naveh et al. (1999 apud TERLAAK; KING, 2006) comparam a certificação pela ISO 9000 a um diploma de faculdade. Possuir um diploma sinaliza que estudantes de alta produtividade podem se diferenciar daqueles de baixa produtividade, independentemente se eles aprenderam mais ou menos durante os anos de estudo (SPENCE, 1973). Ou seja, obter um diploma seria uma tarefa mais árdua para um estudante de baixa produtividade; os de maior produtividade, provavelmente, completariam os estudos com maior facilidade.

Da mesma forma, as empresas, que precisariam completar os passos necessários para uma certificação, seriam mais ou menos produtivas, tal como no exemplo dos estudantes. Isso pode diferenciar as empresas com atributos organizacionais desejáveis (TERLAAK; KING, 2006).

Cole (1998) defende que a certificação seria um primeiro instrumento utilizado pelas empresas para sinalizar sua qualidade aos clientes.

2.3.3 A Sinalização em Mercados com Informação Assimétrica

A sinalização deve permitir ganhos em mercados outros, envolvendo empresas e informação assimétrica. Em um mercado de bens duráveis, como por exemplo, o de produtos eletrônicos, os consumidores têm de poder distinguir os melhores produtos, as melhores marcas, as que são mais confiáveis e de melhor reputação, de mais tradição no mercado, de

maior respeito pelos consumidores etc. Se não o puderem, os melhores produtos não poderão ser vendidos por preços mais elevados.

Portanto, as empresas têm interesse em trazer ao conhecimento dos consumidores que seus produtos são os de qualidade superior e isso pode ser feito de maneira convincente por meio de certificados e garantias (PINDYCK; RUBINFELD, 1999, p. 680). Há uma dificuldade inerente na questão de buscar uma informação desejada: não é simples e nem há uma maneira direta de conseguí-la (MILGROM; ROBERTS, 1992, p. 140- 141). Além do mais, particularmente, uma autopropaganda não possibilita credibilidade.

Como saber se a expressão “Eu sou altamente motivado, criativo, dedicado e, por conta disso, a sua empresa deveria me contratar!” é verdadeira ou falsa? Se tais auto- afirmações pudessem surtir efeito, todos o fariam e aqueles que tolamente nelas acreditassem, logo aprenderiam pelo erro de sua ingenuidade (MILGROM; ROBERTS, 1992, p. 154). Uma das formas para que o desinformado obtenha informação particular seria por meio de ações observáveis ou declarações verificáveis do informado: isso pode ser feito de duas maneiras. Segundo Milgrom e Roberts (1992, p. 154), essas duas classes de estratégias seriam a sinalização e o “peneiramento” (screening). Enquanto a sinalização é realizada pelo próprio detentor da informação, o screening é realizado pela parte desinformada ou um seu representante.

Para os efeitos deste trabalho, portanto, admite-se que a certificação ISO 9000 atua como um sinal para o mercado, possibilitando vantagem competitiva para as empresas em que os compradores adquirem informação a respeito de atributos escondidos (TERLAAK; KING, 2006) e distinguindo empresas certificadas das não certificadas (ANDERSON; DALY; JOHNSON, 1999), propiciando um prêmio no preço e um aumento no volume de vendas.