• Nenhum resultado encontrado

A Missão de Portugal: da Idade Moderna à Idade do Ouro

No documento Agostinho da Silva (páginas 66-73)

4. Aprofundando o Cristianismo

3.2. A Missão de Portugal: da Idade Moderna à Idade do Ouro

3.2. A Missão de Portugal: da Idade Moderna à Idade do Ouro

Com essa intenção haveríamos de nos fazer ao mar. Com as madeiras do pinhal de Leiria, mais um bom punhado de inovações técnicas nas artes de marear, com nossa vela triangular avançando contra o vento e com contabilidades feitas na Ordem de Cristo, lá fomos traçar inéditas autoestradas pelo mar.

Assim, se galgou o Atlântico para ocidente e aquilo que era barreira intransponível foi ultrapassada, o que permitiu chegar ao contacto com os povos que viviam nas Américas como tão bem nos descreve Pêro Vaz de Caminha, na sua Carta de Achamento

das Terras do Brasil. De igual forma, contornámos o continente

africano, chegámos à Índia, ao Grão Cataio do Tibete, ao Japão. Muitas e boas descrições dos nossos cronistas que iam nas caravelas, e que contavam sobre os mundos desconhecidos, ou quase desconhecidos, que iam encontrando. Um Álvaro Velho que foi na frota de Vasco da Gama à Índia, o jesuíta António de Andrade que vai dizer das vantagens cristãs ao Imperador do Grão Cataio do Tibete, de Hermenegildo Capelo na sua Expe- dição ao interior do continente africano. Estes alguns dos bons exemplos como fomos conhecendo e contactando com outras culturas, o que permitiu depois a parceiros europeus seguirem-nos

o exemplo e potenciar as inter-relações com todas essas culturas espalhadas pelo mundo. O mar constituía, então, o melhor dos meios para o incremento das trocas comerciais.

Acima de tudo, o movimento de expansão iniciado em Portugal tem a importância decisiva que não se encontra nos navegadores do norte da Europa, que consiste no facto de levarmos ao mundo a mensagem da boa nova cristã, cumprindo o nosso dever de ser católico, ou seja, fraternal e universal, numa dimensão mais de acordo com as nossas origens doutrinárias, não encontradas entre franceses, holandeses e ingleses, os nossos sucessores nesse movimento ultramarino, mais partidários de uma causa protestante e, portanto, capitalista, com todas as consequências que daqui nos chegam.

Com D. João II entrou, em Portugal, Maquiavel, mais o Renascimento italiano, doutrina incompatível com as daqueles que entendiam o que era o nosso país.

Com o desenvolvimento do espírito Renascentista, o espírito europeu vai alargar o seu domínio ao mundo, produzindo seus liberalismos, seus parlamentarismos, sua expansão económica capitalista, extrínseca à natureza do que é Portugal, partindo-se de uma quebra real de fraternidade, do abandono de deixar para trás os que menos podiam, dividindo-se o mundo em senhores e escravos, e cito, “manifestando superioridades de raça e superio- ridades de saber científico, habilidade técnica e de capacidade organizadora.”80

Toda esta empresa capitalista a que vai este novo espírito da Europa ocidental, se vem opor a um espírito mais puramente cristão que não permitia um projeto de humanidade assente no lucro.

Este tipo de economia, se outras forças não intervirem, acabará por vender a alma da humanidade a poderes menos desejáveis. E tudo isto vem tanto através da ciência e, mais grave, através da religião de Lutero e Calvino. Mas não só do norte,

também do sul, com o renascimento italiano, através da Univer- sidade e do apuramento do latim escrito.

Portugal que de alguma forma foi resistindo a este espírito, definitivamente se rende com o Marquês de Pombal, ficando cada vez mais enredado no Projeto europeu e na impossibilidade de seguir o seu caminho medieval. Nunca mais se registam em anais as Cortes e, a educação de Portugal, pautar-se-á daqui em diante por uma cada vez maior ação centralizadora do Estado.

Restava o Portugal ideal que Vieira deixara com o sonho evangélico do Quinto Império, numa estreita ligação de Portugal com o Brasil, já que o país só em si não teria mais capacidade para tal tarefa. Em síntese, referir o Quinto Império em Vieira é falar de um Reino de irmandade, de compreensão, de cooperação que se devia estender pelo universo como preparação necessária para um futuro reino de Deus.

De certa forma, o espírito manifestado por Vieira que é o de cantar Portugal valorizando-o, vai reaparecer fortemente na transição do século XIX para o XX. Neste período, constituíram- se duas fortes agremiações no país, a Renascença Portuguesa e a Seara Nova, no seio dos quais se desenvolveram ideais, simulta- neamente, opostos e complementares, sobre o que verdadeiramen- te interessaria fazer em Portugal. O primeiro sob o signo da Saudade, o segundo sob o signo da Ação.

Duas correntes de ouro do pensamento português, nos seus fundamentos medievais, na grandeza dos mares, na sua relação com a monarquia popular e democrata, na construção do Brasil, na vontade de instauração política dos princípios desenvolvidos.

Fernando Pessoa, uma das grandes figuras dessa nova geração de pensadores, vai prolongar a ideia de Vieira sobre o V Império, embora numa interpretação própria. Um Império que fundirá os 4 grandes impérios que o antecederam (Grego, Romano, Cristão e Europeu), com tudo o que esteja ainda fora deles de verdadeiramente mundial e universal.

Um novo império que se caracterize por uma aproximação entre conhecimento esotérico e exotérico – ciência e mística. Com uma nova religião que sairá de dentro cristianismo, mas que o transcenderá – um Paganismo ou Politeísmo Supremo – que garanta a identificação com o Todo e que parta da junção de todos os sistemas religiosos. Não sendo nada para poder ser tudo; sendo tudo de todas as maneiras, porque só assim será verdade.

Pessoa associa também o V Império ao mito sebastianista, ao Reino do Encoberto, e diz que quando ele chegar teremos paz em todo o mundo, embora não fale de paz eterna, nem que seja o último império que está por vir, como diz Vieira. Um Império que terá uma dimensão acentuadamente cultural e espiritual, andró- geno, que juntará o universo masculino e feminino, ideia que já Luís de Camões tinha desenvolvido na Ilha dos Amores, Canto IX dos “Lusíadas”.

É na herança de Camões, Vieira e Pessoa que Agostinho da Silva segue, embora introduza novas dimensões nessa forma de pensar Portugal. De acordo com o Professor, não se vê maneira de tornar realmente cristã uma civilização que apenas o tem sido na aparência, no que diz sobretudo respeito à produção e distribuição de bens e que não se deve confundir exclusivamente com a organização técnica do universo físico.

O empreendimento Português medieval tinha a lucidez que para lá da materialidade técnica, da racionalidade instrumental, reunia cristãos, mouros e judeus, no supremo exemplo medieval português, nas cerimónias das Festas do culto popular do Espírito Santo, ou seja, no desejo de concretização do Reino de Deus na Terra, da busca de eternidade. Ou seja, em síntese, de cumprirmos a saudosa manifestação na conquista de um ser eterno, fechando o círculo, regressando à “Idade do Ouro”.

Abrindo citação, “se a Europa não oferecer condições de criação civilizadora, o que é muito possível, que tome o Brasil inteiramente sobre si, como parte do seu destino histórico, a tarefa de (…) oferecer ao mundo um modelo de vida em que se entre-

laça numa perfeita harmonia os fundamentais impulsos humanos de produzir beleza, de amar os homens e de louvar a Deus: de criar, de servir e de rezar.”81

4. “Um Fernando Pessoa”82: A “Mensagem”

Na “Mensagem”, como diz Agostinho da Silva, a obra mais importante de Fernando Pessoa, de importância idêntica aos “Lusíadas” para Portugal, o autor vai descrever o que, de facto, mais importa salientar sobre o nosso país: por um lado, as prin- cipais figuras e acontecimentos que se devem engrandecer na sua história, por outro, o que mais importará realizar no futuro, um mundo de paz que se realize antes de mais nas almas e, depois, que se alargue ao mundo.

Destacando três poemas da análise que Agostinho da Silva faz à obra, poema a poema, Brasão, Mar Português e Encoberto, logo se descobre o que nela se vê: a partir de Brasão, “a primeira ideia que nos dá Pessoa é a de que há um certo passado de Portugal que não é de natureza puramente histórica: é apenas uma revelação do passado: é apenas uma revelação do que é em Portugal uma perenidade; (…) é a potência sem o acto, a energia sem a matéria, a História sem o tempo: Deus, vendo Portugal em Si eterno, escreveria Brasão. (…) Em Mar Português é Portugal podendo apenas uma mínima parte do que pode; não se entregando todo e, portanto, apenas possuindo; em Mar Por- tuguês, Portugal Tem, não É (…) Em O Encoberto, porém, toda a sua grandeza se revela: (…) e o descerramento desta sua glória é quase a renovação, agora de homens para homens, do clamor antigo dos anjos, quando o Céu fez por uma Terra que dele se desaviera, o sacrifício supremo de si próprio: Pax in excelcis; paz nas alturas, em que o homem, indo além de si mesmo, se faz

81 Idem: 142

82

Um Fernando Pessoa, Porto Alegre, Instituto Estadual do Livro, 1959; Lisboa, Guimarães Ed., 1959/

Santo, não a paz em que o homem, rendendo-se, organiza, explora e defende sua própria baixeza.”83

De acordo com o nosso autor, a natureza de Portugal apre- senta à partida uma maior grandiosidade do que aquela que nos revela a organização do mundo ocidental e é dessa que Pessoa nos vem falar na sua Mensagem. “Em Brasão, Portugal é o rosto com que a Europa fita um Ocidente que, ao plenamente ser, justificará todo o passado de miséria que a humanidade tiver atravessado; a missão de Portugal não poderá ser outra senão a de resgatar o que a Europa fez e de a salvar a seus próprios olhos; por isso o seu campo, o dos Castelos, é o que serve de base ao das Quinas, o das Chagas de Cristo, este o campo próprio de Portugal: é expirando na cruz, esgotando-se no seu sangue e na sua piedade, que Portugal poderá salvar o mundo.”84

E os heróis de Portugal que vão desfilando por este relevado livro de Pessoa, e que a tudo isso justificam, vão sendo poeticamente caracterizados: eis, o Conde D. Henrique e Dona Tareja, D. Afonso Henriques e D. Dinis, D. João I e Filipa de Lencastre que nos dão a Ínclita Geração, o Mar Português e D. João II, D. Sebastião e o Encoberto… Dir-se-á, então, que a

Mensagem não pretende uma simples descrição da História de

Portugal, desde o seu início até aos ilustres navegadores, mas que trata, além do mais, do seu interrompido prólogo. “ (…) a glória de ter mostrado que o mar é sempre o mesmo e que a sua posse nada significa de vital; o sentimento de que o que vale na empresa de buscar é a busca e não o encontro; o mérito de ter sido o corpo da vontade de Deus, de ter sido o Tempo da Eternidade a revelar; o impulso que irá conduzir a história para além dos que a lançaram; a consciência de se ter realizado no mundo físico, e sem nisso estar verdadeiramente empenhado, a mais alta façanha de que homens se podem orgulhar; o ter ensinado que toda a descoberta se faz apenas quando se tem a coragem de passar além

83 Idem, 1988: 18 84 Idem: 18

dos domínios da alegria e da dor; por fim, em Última Nau e prece, a certeza de que, embora tenha vindo a noite e seja vil a alma, Deus ainda reserva para o seu povo Distância a conquistar.”85

A hegemonia holandesa e inglesa dos mares que se seguem, com seu capitalismo industrial e financeiro, suportados por uma ideologia protestante que promove a legitimação do lucro, mais uma política maquiavélica de preservação do poder que vem do sul europeu, tudo promovendo a exploração do homem pelo homem, dão conta do recuo que a Europa vem evidenciar nestes séculos que se sucederam, face ao divino projeto católico português, fraterno e universal, que por agora se interrompeu, mas que conforme anuncia nesta Mensagem, “Portugal, completando a sua obra, dará ao mundo o seu íntimo Império feito de anseios, de lonjuras, de Reinos ilocalizáveis em tempo ou espaço, o seu reino de alma humana continuamente sendo e continuamente ansiosa de mais ser (…) então, através de todo o nevoeiro, pelo próprio nevoeiro, terá surgido a Hora; o Encoberto, em milagre supremo, se descobrirá.”86

Mas há uma diferença muito importante, segundo o nosso autor, entre o Portugal que vai desde a fundação da nacionalidade até aos Descobrimentos e o Portugal que agora terá de dar continuidade ao iniciado Império, trata-se de um Portugal expandido aos cinco continentes e que melhor se traduzirá em ideia veiculada pelo poeta, como uma pátria da Língua Portuguesa e já não unicamente de um território continental. Uma Pátria da Língua, portanto, que se alargou aos lugares de língua oficial portuguesa, tal como se encontra em África, na Ásia e na América, mas também às comunidades de emigrantes que existem espalhadas pelo mundo. “É um Portugal que não tem seu centro em parte alguma e cuja periferia será marcada pela expansão de sua língua e da cultura de Pax in excelsis que ela levar consigo; é um Portugal que não se importará com a definição de regimes

85 Idem: 22 86 Idem: 23

políticos, de regimes económicos ou de instituições religiosas, porque esse será o problema de suas unidades, só ficando por essência e definição do próprio conceito – Portugal, totalmente excluídas aquelas formas institucionais que vão, como o auto- ritarismo político, o liberalismo económico ou a negação do Espírito Santo, contra o que há de estrutural no próprio homem: o Portugal da Hora, o Portugal de Bandarra, de Vieira e da Mensagem, não é de modo algum o Portugal do Minho ao Algarve, culturalmente tão provinciano e tão acanhado: é, mas já expandido a todo o mundo (…) o Portugal das terras comunais, o Portugal de Santa Maria. Só para este Portugal ressuscitarão os mortos de Alcácer, porque só para ele vale a pena alguém viver.”87

5. Entre os terreiros do Candomblé: assunção e

No documento Agostinho da Silva (páginas 66-73)