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Jaime Cortesão (1884-1960) e o “Ecumenismo Lusíada”

No documento Agostinho da Silva (páginas 161-164)

IV. Influências Filosóficas e Religiosas (outros testemunhos)

3. Jaime Cortesão (1884-1960) e o “Ecumenismo Lusíada”

Jaime Cortesão é outro dos intelectuais portugueses que vai exercer algumas influências em Agostinho da Silva, eles que têm data marcada pelo destino para várias vezes se cruzarem na vida.

Tal como António Sérgio, Jaime Cortesão é um dos fun- dadores da Revista “Águia” e do Movimento da Renascença Portuguesa, e também como ele acaba por deixar o Movimento em dissidência com o grupo de Pascoaes, em 1921, e integrar o grupo de fundadores da “Seara Nova”.

Eis alguns dados biográficos deste autor para que melhor se perceba da sua relação com Agostinho da Silva. Jaime Cortesão

concluiu o curso de Medicina na Universidade de Coimbra, em 1909. Foi diretor da Biblioteca Nacional e deputado durante a 1ª República. Com o golpe militar que lhe pôs fim, por motivos de perseguição política acaba por se exilar em Paris, onde esteve entre 1927 e 1940. Como se viu, também Agostinho da Silva, embora muito mais novo que ele, também passou pela “Águia”, e também saiu, embora mais tarde, para colaborar com a Seara Nova, acabando por se encontrar com ele e com Sérgio, em Paris, onde esteve com bolsa de investigação. Os três se encontraram também nos célebres Encontros do Sábado na casa de António Sérgio.

Mais ainda, em 1940 Cortesão decide exilar-se no Brasil, depois de uma passagem por Portugal em que acaba por ser preso, fixando residência no Rio de Janeiro, onde passa a lecionar no ensino universitário. Ora, Agostinho da Silva acaba também por embarcar para a ex-colónia portuguesa, corria o ano de 1944, e quando em 1945 decide fixar-se no Uruguai, vai contrair segundas núpcias com a filha deste “nosso” médico.

Sobre o trajeto de vida de Agostinho, como já vimos, acaba por regressar ao Brasil em 1947, depois de algum tempo que viveu ainda na Argentina, instalando-se na Serra de Itatiaia, mas mudando-se para a cidade do Rio de Janeiro no ano seguinte, onde passou a trabalhar com Cortesão em projeto de investigação sobre a vida de Alexandre Gusmão, na Biblioteca Nacional. Para além disto, ainda lecionava na Universidade Federal Fluminense e investigação no Instituto Oswaldo Cruz, onde fez estudos de entomologia, na divisão de parasitologia médica.275

Em 1954, como igualmente já se referiu, regressado da Universidade da Paraíba, na cidade de João Pessoa, participa também com Cortesão na preparação do “IV Centenário da Cidade de São Paulo”, do qual este foi coordenador. A Exposição esteve patente até 1955, mas, como sabemos, nesse ano já Agos-

tinho da Silva tinha ido para Santa Catarina com a missão de ajudar a fundar a Universidade.

Então, efetivamente, os contactos entre Agostinho e Cortesão vêm já lá muito de trás, embora tenha sido no Brasil que se dá o estreitamento de relações entre os dois, mas a admiração e as influências que o primeiro sente em relação ao segundo datam de período ainda antes da sua ida para o Brasil, como é referido por Romana Pinho: “As quatro linhas mestras que alicerçam o pensamento e a praxis de Jaime Cortesão e que vão condicionar, de algum modo, a estruturação da obra de Agostinho (o autor, em todo o seu espólio, denota afinidades explícitas com Cortesão, todavia há documentos que apresentam nitidamente essa flagrância: Vida de Francisco de Assis, Doutrina Cristã, Reflexão

à Margem da Literatura Portuguesa ou Educação de Portugal)

são ideal de cavalaria, franciscanismo, Culto do Espírito Santo e desejo de liberdade e democracia.”276

Toda a obra de Jaime Cortesão é, pois, altamente influenciadora dessas ideias de Agostinho, embora Romana Pinho acabe por destacar O Humanismo Universalista dos Por-

tugueses277, como se pode perceber numa fase já de maior

maturidade do pensamento do nosso autor, e que se liga com a conceptualização da noção de ecumenismo, ligada à defesa do Culto do Espírito Santo.278 Para o justificar a autora cita o próprio Agostinho: «Ecumenismo consiste em ver todas as religiões como os vários aspectos da religião portuguesa, e por Portugal esperemos que humana, da religião do Espírito, que um dia, na sua forma última e pura, abandonará todos os ritos pelo viver a vida graciosa, trocará todas as orações pelo perder-se em Deus e, tendo atingido a realidade, lhe serão sacramentos símbolos só. O ecumenismo português tem de se afirmar pela igualdade de tratamento teológico e político de todas as religiões que Portugal contém (…) Ecumenismo não é contrato, é vida; vida plena e

276

Idem: 176-177

277 Jaime Cortesão, O Humanismo Universalista dos Portugueses, Lisboa, Portugália Editora, 1965 278 Cf., PINHO, idem: 177

coagulada, como Deus a quer.»279 E continua a autora inspirada em palavras do nosso autor, “o Ecumenismo não é só a reunião e consequente superação de todas as religiões ao seio do Espírito Santo, é, porventura, a assunção do perfil missionário dos portugueses enquanto percursores da instauração de uma Era Nova, do Tempo de um novo Espírito…”280

Ou seja, em síntese, esse novo tempo de celebração ecuménica que caracteriza o tal reino do Espírito Santo, ideia herdada e inspirada, como vimos atrás, pelo histórico messianismo português e que encontra eco nos dois autores que “vão pensar a acção, a liberdade e o amor em forma de missão, de criação (de beleza), de serviço e de ora- ção.”281

São nítidas as influências da obra de Jaime Cortesão sobre esse ecumenismo lusíada que o nosso autor vai desenvolver e defender. E se dúvidas houvesse, é o próprio Agostinho quem o diz: «não descobri nada: vem tudo de Cortesão».282

Quando em 1959, Agostinho da Silva no IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, realizado em São Salvador da Bahia vai propor a criação de uma Comunidade Luso Brasileira, ainda é sobre essa vivência plena do universalismo e do humanismo de que Cortesão fala e que no fundo não é mais do que o cumprimento desse Reino do Espírito Santo.283

No documento Agostinho da Silva (páginas 161-164)