• Nenhum resultado encontrado

Nação de Língua Portuguesa e mais além…

No documento Agostinho da Silva (páginas 109-113)

III. O Regresso a Portugal (1969-1994) 1 Os Primeiros Textos

1.3. Nação de Língua Portuguesa e mais além…

É, pois, de um projeto religioso a ser concretizado pelos de Língua Portuguesa que trata a utopia Agostiniana. Um projeto que deve afirmar os desígnios da Língua Portuguesa face às congéneres europeias, francesa, alemã, inglesa, todavia sem as subestimar, mas que a possa recuperar, pelo menos, como uma das línguas francas internacionais que já foi, em virtude da enorme importância que adquiriu no século XVI depois das descobertas do caminho marítimo para a Índia e para o Brasil, mas também do Tibete, do Japão, da aborígene Austrália. Vale a pena citar Agostinho: “Talvez tenhamos então nós alguma coisa para dizer naquele português que já foi língua franca de Atlântico e Pacífico e o deveria ser de um Mar Universal que apenas ficou esboçado entre os séculos XV e XVII; é isto o que vale como projecto; o resto é puro entretenimento, e perda, de gente condecorante ou condecorável; homenageada ou homenageante; já esquecida ou a esquecer; que é ainda o melhor que têm a esperar.”166

Neste sentido, não encontra Agostinho pensamento filosófico português que espelhe o nosso desígnio, tal como ele o pensa, antes encontrando nele, sobretudo, ideias renascentistas que vêm da europa do norte, acima dos Pirenéus, como também se encontram algumas influências dos protegidos príncipes de Maquiavel, que num todo desvirtuam aquilo que de mais amplo nos deveria caracterizar enquanto nação pensante, “embora não

165 Idem, «Três vezes se diria…», Notícia, nº597, 15/5/1971, ibidem: 147 e 148 166 Idem, «Embora pondo como um caso…», Notícia, nº 598, 22/5/1971, ibidem: 154

negue a existência de pensadores que reflectiram sobre psicologia de portugueses, ou sobre história de Portugal, ou sobre expe- riências suas que podem ser causadas por terem nascido em Portugal, se educarem em Portugal e em Portugal terem vivido; há, em Portugal e Brasil, e esta é a tal completa Nação Portuguesa de que me não cansarei de falar, escritores cujos temas são filosóficos, e poremos como exemplo um Bruno ou um Tobias Barreto, ou, mais de nosso tempo, um Leonardo Coimbra ou um Vicente Ferreira da Silva, ou um Álvaro Ribeiro e os co- laboradores do Instituto Brasileiro de Filosofia; mas filósofos mesmo, só apontaria eu Espinosa, se é que lhe podem determinar, dentro da Península, raízes preponderantemente portuguesas.”167

Não quer Agostinho negar a existência de uma Filosofia em Portugal, mas “não o creio, porém, possível enquanto se consi- derar que a Filosofia está muito bem colocada nas Letras, como se de letras se tratasse e não de Ciências e de Teologia (…) de que a filosofia, como deve ser, seria servidora apenas.”168

Ou por outras palavras, “O que eu quero é que a filosofia que haja por estes lados arranque do povo português, faça que o povo português, bem comido e bem bebido e bem sabido, tenha confiança em si mesmo (…) Filosofia que realize todas as potencialidades de que português tem dado mostras, portugueses de Portugal, portugueses do Brasil, felizmente bem lançados de índio e de negro, portugueses de África, tribais e pretos, que pouco me importam os que continuam teimosos nas tradições culturais das Avenidas Novas, portugueses da Índia, tem- porariamente no estrangeiro, portugueses macaístas de olho em fenda ou não, portugueses, direi pardos, do Timor de Botelho Mourão.”169

Sobre a caracterização religiosa do Projeto que se quer para os países de Língua Portuguesa, deve ter uma dimensão ecumé-

167 Idem: 155 168

Idem: 155

169 Idem, «Resposta a “Inquérito sobre a Filosofia Portuguesa», Diário do Minho, 11/12/1971, ibidem:

nica, mas sem que nenhuma religião tenha preponderância sobre as outras. Talvez até se estabeleça algum nível de hierarquia entre elas, mas “Estado fez-se para garantir a todos os cidadãos segurança económica, liberdade de informação e possibilidade de aderir à metafísica que entender mais conveniente ou mais verdadeira, incluindo, repito, a metafísica de não ter metafí- sica.”170

A necessidade de ter um Estado que não seja alheio à dimensão religiosa expressa-se, desde logo, a partir de um sentido etimológico da própria palavra religião que em sentido amplo, significa religação, entre o homem e Deus, ou seja, da neces- sidade de que o Homem de novo reencontre Deus, depois da “queda”, tal como nos é descrita pelos textos bíblicos. “Acho, porém, que a queda foi isso mesmo, um afastamento do homem da harmonia geral do mundo, o que os textos sagrados apresentam em geral como uma desobediência às ordens de Deus; mas como a ordem essencial de Deus era a fraternidade, o amor entre as criaturas, desobedecer a Deus era opor-se ao universo. Utilizá-lo. Abater animais para comer, quebrar a sociologia das plantas orga- nizando fazendas, ou simples hortas, escravizar afinal tudo o que não era homem.”171

O regresso ao Paraíso implica, assim, no nosso autor, uma outra ordem civilizacional que se situa nas antípodas desta que vivemos, e que está lá muito atrás, ou muito à frente, para lá da revolução agrícola do neolítico, antes da descida dos primeiros hominídeos das árvores das florestas para a savana, um tempo que aponta para uma recoleção agrícola sem caça e, portanto, antes que se impusesse para nossa sobrevivência o sacrifício de qualquer animal. Avança Agostinho, “a língua portuguesa deve- ria, além dos usos quotidianos, ser o veículo, a língua litúrgica de uma nova crença, a de que Deus só existe quando todos os seres estão essencialmente unidos: que a pluralidade, quando lhe não

170

Idem, «Do Plural», O Arauto, 4/11/1971, ibidem: 226

171 Idem, Um Prefácio Geral, col. «Clássicos do Mundo Português», Beira, Moçambique, edição do autor,

subjaz a plena e contínua consciência da unidade, é a fragmen- tação, a destruição de Deus.”172

Nesta ecuménica Nação de Língua Portuguesa recupera-se a ideia de um Evangelho português como um roteiro de bordo que nos encaminhe ao desejado cais do “Encoberto” como sonhava Bandarra, o místico sapateiro de Trancoso, com esse reino a vir que instaurasse a Paz no mundo. Ou como diz o nosso autor, “A Nação Portuguesa teria como sua razão de vida construir a Paz, a paz económica, a paz social, a paz religiosa, a paz cultural, pregando-a e sobretudo praticando-a, a ninguém vendo como inimigo, a todos propiciando um ponto de apoio para que se soltassem do círculo verdadeiramente infernal em que o mundo gira.”173

Pois que é falar em cristandade senão falar de paz?

Uma Igreja Católica que tem estado ao lado dos poderosos terá dificuldade em dizer que a sua real intenção é de libertação, de superação da humanidade na comunhão dos santos. Uma Igreja Católica que se quer realmente universal, cujo ecumenismo se estenda a todas as outras religiões, muçulmanos, animistas, budistas ou xintoístas, e até mesmo a agnósticos e ateus, ensi- nando a todos fé na Vida, afinal o que é Deus.

Os que vão a caminho de Deus não têm melhores princípios do que a pobreza voluntária, o servir aos outros e o silêncio interior. Assim, se chegará o mais longe possível no contemplar da paz e da criação.

As ideias de Agostinho espelham-se aqui no exemplo franciscano que proclama o abandono das riquezas e a sua justa partilha por todos, numa entreajuda mútua, melhor forma de se salvarem almas, e não se preocupando com os caminhos do poder, pois que tentações diabólicas e ilusórias honras se escondem por detrás dele.

Um homem é um deus em potência que não tem outra obrigação senão a de viver em liberdade absoluta, com uma fé

172 Idem: 243 173 Idem: 248

inabalável no presente, “…sem uma política que os force a ser manhosos como escravos; sem religiões que se estabeleçam sobre o medo; e sem escolas que logo de princípio, pela carteira, a cópia e o ditado, nos modelam para as facilidades do trânsito e nos abortam para o infinito de Deus.”174

A este fim devem ir os Portugueses, a Língua Portuguesa, estendendo a Igreja ao conjunto de todos os homens e que todos tenham liberdade, económica, de saber, de pensar.

Nessa Igreja ecuménica a construir há que vigiar: a desis- tência do ter, o tal voto de pobreza, não possuir gente, “coisa fatal enquanto houver capitalismo, exércitos, burocracia”, e nem se possuir a si próprio.

“Esta a revolução a que nos chamam, esta a presença que se impõe, o diálogo que se tem de travar (…) tem de nos ser pão quotidiano a diária humilhação de nos sentirmos piores do que queríamos ser; temos de saber e sentir e nos convertermos ao que são os homens dozen ou do candomblé, até que encontremos, e sejamos, a essência que a tudo liga; se formos incapazes de o dizer ou escrever, sejamo-lo, o que vale mais, e rezemos, para que sejam os outros. Se o não fizermos, não cumpriremos o ao que viemos; e que dirá quem nos mandou quando chegarmos de mãos vazias e olho baixo?”175

No documento Agostinho da Silva (páginas 109-113)