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Alicerces da Civilização Ocidental: da Idade do Ouro à Idade Moderna

No documento Agostinho da Silva (páginas 63-66)

4. Aprofundando o Cristianismo

3.1. Alicerces da Civilização Ocidental: da Idade do Ouro à Idade Moderna

Havia entre os Gregos a ideia que, em tempos idos, teria havido uma Idade do Ouro, período em que os homens viviam na Terra como se do Paraíso se tratasse: a felicidade conhecia as formas mais apuradas entre os Deuses, as guerras inexistiam, os interesses do grupo sobrepunham-se aos individuais, alimen- tavam-se sobretudo a partir dos frutos que colhiam das árvores. E, assim, poderiam ter prolongado este modo de vida na Terra, se não se tivesse verificado uma corrupção dos costumes, tendo-se entrado num outro período histórico designado por Idade do Ferro.

Estas ideias deixadas pelo pensamento Grego, durante muitos anos consideradas duvidosas, haveriam de ganhar sustentação científica, segundo Agostinho da Silva, com os trabalhos etnográficos e etnológicos que se começam a desen- volver, sobretudo, a partir do século XIX. Diz o autor que, entre os mais primitivos desses povos descritos, as características da sua organização social correspondia inteiramente à desse período da Idade do Ouro.

Seguindo as palavras de Agostinho, “Os mais primitivos desses povos, os que se apresentavam com mais puras caracte- rísticas, sem interferência alguma de povos em mais adiantado grau de civilização, viviam dos frutos que colhiam nas florestas, às vezes de caça e pesca, eram extremamente alegres, fidelíssimos às instituições monogâmicas, dando perfeita igualdade de trata- mento às mulheres, incapazes de castigar as crianças, e sem

nenhuma espécie de propriedade, sem organização social e sem nenhum vestígio de religião organizada.”78

A principal razão porque se terá entrado nesse outro período histórico, a Idade do Ferro, encontra-se na escassez dos alimentos que eram recolhidos nas florestas, o que terá feito com que o homem se tenha virado mais para uma alimentação animal, desenvolvendo depois progressivamente as práticas agrícolas. De uma relação, por assim dizer, mais amistosa com a natureza, o homem entrava agora em guerra com ela. Este o primeiro passo para uma significativa sedentarização da vida que terá correspondido à afirmação de um conjunto de costumes onde se espelham mais os nossos dias, do que um conjunto de outros que seriam mais próprios dessa Idade do Ouro. A agricultura e a pecuária haveriam de trazer a escravização da mulher e dos animais, o sentido de propriedade, as primeiras formas de subordinação das crianças a uma educação formal, à organização das formas religiosas.

Esta separação com a natureza e a rutura que se verifica com a progressiva sedentarização, só é agora interrompida quando na altura das colheitas e, sobretudo, com a vindima, onde todos têm de novo livre acesso aos alimentos sem a obrigatória ocupação no trabalho. Trata-se de um período que se caracteriza pela abertura da vida à festa e à alegria, à espontaneidade, à libertação dos instintos. Ou seja, aquilo que agora é pontual era nesse outro tempo, a regra dominante da vivência comum. Agora, logo terminado o tempo das colheitas e da festa, de novo se impõe a necessidade da disciplina do fazer das sementeiras, do cansativo trabalho diário, de uma rotina já afastada da espontânea alegria de viver.

A crescente sofisticação tecnológica tão característica do mundo moderno vai reduzindo, cada vez mais, a noção de sagrado, e à medida que se intensifica a luta contra a natureza, o homem tem cada vez menos tempo e sensibilidade para apreender

essa relação sagrada com as coisas. A luta incessante pela obtenção dos alimentos necessários à sua subsistência tem afastado o homem de uma unidade primordial que, durante a “Idade do Ouro”, sempre foi característico da humanidade.

Mas, paradoxalmente, no dizer de Agostinho, será também através desse desenvolvimento tecnológico que, um dia, o homem conseguirá a transformação das necessidades alimentares e as formas de a obter, e que de novo será possível o seu regresso a essa dimensão divina da vida. De qualquer forma, ou o homem reencontra o caminho que o leva ao sagrado, ou a salvação da alma humana corre o risco de se perder inexoravelmente.

Só com o fim do Império Romano do Ocidente, e por força de uma ação cristã, primeiramente exercida pelos escravos e mulheres, e depois confirmada pelos povos bárbaros invasores, voltamos de novo a uma intenção de plena sacralização da vida no ocidente. O Reino de Deus que Jesus anuncia é o da “Idade do Ouro”. Mas entre o sonho e a sua aplicação prática vai toda uma distância que se detém nas reais capacidades de organização humana. A incapacidade de ajustamento do ideal cristão à or- ganização política das sociedades vai fazer com que o modelo Romano perdure, durante muitos séculos, como o modelo do mundo.

Neste sentido, a formação da Idade Média é ela própria o Renascimento que, porventura, possibilitará de uma forma mais evoluída o desenvolvimento tecnológico que permitirá aos homens a libertação do trabalho e a possibilidade de realização do espírito anunciado por Cristo que foi bem equacionado durante todo esse período.

Mas há que perceber que “na realidade todo o tempo medie- val era mais descanso que chegada; os homens tinham parado a muito menos de meio caminho da economia, da política e da técnica; tinha de se ir mais longe e, então, novamente se desfez a grande irmandade dos homens.”79

O triunfo do espírito cristão e a reconquista do paraíso perdido são as premissas que melhor caracterizam o ideal de todo o movimento de expansão ultramarina, em que Portugueses e Espanhóis se lançaram. Nobres intenções que haveriam de sucum- bir às forças do protestantismo, cientismo e capitalismo impostas, sobretudo, pelos povos do norte europeu. Provavelmente, porque não terá chegado ainda a Humanidade a uma estrutura coletiva que lhe permita libertar-se da escravização produtiva dos bens de consumo e que de novo nos permita guiar a essa perdida Idade do

No documento Agostinho da Silva (páginas 63-66)