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Luís de Camões e “A Ilha dos Amores”

No documento Agostinho da Silva (páginas 121-125)

III. O Regresso a Portugal (1969-1994) 1 Os Primeiros Textos

2. A prática epistolar e a defesa de uma via religiosa

2.2. Correspondência com José Flórido

3.1.1. Luís de Camões e “A Ilha dos Amores”

E aqui, nessa metafísica portuguesa, caberá por excelência Luís de Camões e a Ilha dos Amores, canto IX dos Lusíadas, mas não caberá o racionalismo de António Sérgio, cujo pensamento não soube interpretar a essência da alma lusa, porque “o povo português não é racionalista e quando examinamos o fracasso, pois houve fracasso das cooperativas de António Sérgio, descobrimos a razão que ele foi sempre ver, como modelo de cooperativa, a cooperativa inglesa ou a cooperativa sueca e nunca viu, como possibilidade de fazer uma cooperativa pensada de novo em Portugal, os grupos comunitários, a economia comunitária de produção e consumo dos portugueses da Idade Média.”192

E acrescentando, António Sérgio foi, afinal, um estrangeiro em Portugal, à semelhança do que têm sido muitos dos intelectuais portugueses que têm proposto, sobretudo, modelos de desenvolvimento que lhe são extrínsecos.

Como já se disse, encontra o nosso autor grandes semelhanças entre as ideias de Quinto Império, tal como foram definidas pelo Padre António Vieira e por Fernando Pessoa, tal como vê semelhanças entre essas ideias e as de Luís de Camões

191 Idem: 28 192 Idem: 43

nos Lusíadas, muito particularmente quando se refere a essa tal

Ilha dos Amores.

Quando os portugueses capitaneados por Vasco da Gama deixam a Índia e empreendem o caminho de regresso, Camões vai assinalar um encontro inesperado que aguardava pelos nautas. Em pleno Índico, por obra divina “aqueles marinheiros portugueses, aquela esquadra de Gama que volta, não trazia nenhuma carta geográfica, nenhum dos pilotos tinha pensado naquela possibi- lidade e é uma Deusa de fora, é a força interna do mundo, é a máquina interna da História que leva a Ilha dos Amores para diante dos navios portugueses.”193

Não foi preciso que os marinheiros fizessem nada. Foi, por assim dizer, o destino, os deuses nas palavras de Camões, que acabaram por fazer esses marinheiros, por serviços prestados, serem premiados com uma realidade transcendental caracterizada pelo Amor que mais do que grandes feitos na Terra acabam por conjugá-la com a perfeição de um mundo divino. “ É um comportamento que se caracteriza por estarem apaixonados por toda a espécie de fenómeno que lhes aparece nessa ilha, sem que possamos ali entrar com os preceitos morais do bem e do mal, do lícito e do ilícito que nós, continuamente, usamos na vida. É como se eles tivessem entrado em alguma coisa na qual tivessem plena licença de serem homens inteiramente livres. São as ninfas, é a comida, é a paisagem, são os passeios, o encanto das conversas, tudo isso há. Portanto, para Camões, um projecto de futuro inclui uma inteira liberdade do homem e um inteiro gosto do homem pela apreciação dos fenómenos.”194

Por consequência da empresa portuguesa que tornou una a terra que o mar separava, acontece no poema de Camões esse fenómeno surpreendente aos nautas lusos, “a Deusa leva os marinheiros portugueses a um monte, para verem, ao longe, a Máquina do Mundo”195

e “ouvem da Deusa aquilo que será o

193

Idem: 74

194 Idem: 76 195 Idem: 78

futuro da História de Portugal.”196 Quer dizer, os marinheiros portugueses são libertos “naquela Ilha, da prisão do Tempo mas, também, das grades do Espaço.”197

Então, a pergunta inevitável em Agostinho, como podemos nós aceder a essa experiência vivida pelos nossos antepassados marinheiros, entrar nesse “céu aberto na terra”198 que nos liberte do tempo e do espaço? E a resposta é automática: como já vimos atrás, teremos de suplantar esta organização económica capitalista que se vem desenvolvendo no ocidente desde o renascimento, a que nos conduziu a filosofia, a ciência e a técnica, tal como a organização da escola que lhe é subjacente, e que tão amarrada trás o homem a um mundo de condições insuficientes que lhe permitam caminhar rumo a uma Ilha plena de Amor. É certo que foram, a Filosofia e a Ciência, “bons instrumentos para subirmos, como são os degraus da escada e o corrimão, mas talvez não um patamar em que fiquemos, nem um terraço para contemplarmos o verdadeiro Céu.”199

Quanto ao fenómeno religioso, também aqui parte do caminho estará por fazer. Tendo, no Ocidente, o cristianismo suplantado essa apologia do mundo clássico grego-romano quanto à necessidade de apoio numa pluralidade religiosa para a libertação do homem e chegado à ideia de um Deus único quanto à ideia de criação e de salvação do mundo, no Oriente, seguindo a doutrina de Buda, em vez de uma ideia de Deus absoluto chegou- se à ideia de “Nada”, ou seja, de que para libertação do mundo melhor do que o pensar e tentar explicar é, simplesmente, aceitá- lo, legitimando em cada um de nós essa ideia de vacuidade, esse “nada” que é “tudo”. E Agostinho conclui: “Então parece que, tendo o Ocidente chegado à ideia de um Divino Todo Poderoso, Omnisciente, e tendo o Oriente chegado à ideia de o Divino ser o Nada, com a possibilidade de Tudo, talvez o esforço de 196 Idem: 78 197 Idem: 79 198 Idem: 73 199 Idem: 84

pensamento e procedimento da Humanidade para o futuro seja esse, o de juntar as duas ideias.”200

De resto, essa ideia budista de “nada” não é outra coisa do que os votos de pobreza, castidade e obediência a que chegaram monges cristãos ocidentais, “são votos de ser Nada, de se liber- tarem pelo Não Ser.”201

Então, é também esta a ideia da “Ilha dos Amores”. Com ela Camões incita-nos a realizar esse Céu na Terra.

3.2. “ O Império Acabou. E Agora?”202

À semelhança do que aconteceu com o jornalista Vítor Mendanha, o mesmo viria a suceder com a jornalista do “Diário de Notícias”, Antónia de Sousa. Entre 1986 e 1987, um conjunto de entrevistas/conversas entre a jornalista e Agostinho da Silva, dariam origem à publicação póstuma de um livro, em Maio de 2000. De seu título, “O Império acabou. E agora?”.

De alguma forma, Agostinho vai repetindo, completando e consolidando as suas ideias através do que vai escrevendo, das entrevistas que vai dando. Mais uma vez nos surge a ideia dos desígnios lusíadas assente em autores e ideias chave que se vão desenvolvendo desde a formação do país.

Desde logo, a primeira dinastia e a definição das fronteiras continentais de Portugal, onde se realça a herança de São Bernardo e da Ordem de Cister a que pertencia; depois, D. Dinis e sua mulher Rainha Isabel de Aragão, mais a importância da proteção à Ordem do Templo ao arrepio da vontade do Papa, e à instituição no país do culto popular do Espírito Santo, culto a que Agostinho da Silva dá extrema importância para o futuro do país, tudo numa organização política e económica que privilegiava o comunitarismo medieval, período em que se institui a Língua Portuguesa e se funda a marinha que depois irão às descobertas;

200 Idem: 96 201

Idem: 99 202

em seguida salienta-se Luís de Camões e muito particularmente o Canto IX dos Lusíadas, “A Ilha dos Amores”, em que o nosso autor, encontra na sua essência um sentido equivalente à ideia de “Quinto Império”, aos seus objetivos últimos, que foi desenvol- vida pelo Padre António Vieira; e da mesma forma se refere à ideia de “Quinto Império” que é prosseguida e desenvolvida por Fernando Pessoa, muito embora pesem as suas particularidades.

Para Agostinho da Silva, por detrás de todas elas a mesma essência, o ideal cristão de construção do Reino de Deus entre os homens, ou numa palavra, da conquista de uma eternidade que nos espreita e se esconde. Essa mesma eternidade, ou “ilumi- nação”, que é de todo equivalente nalgumas filosofias orientais, sobretudo no Budismo Zen e no Taoísmo, que ele não para de relevar.

No documento Agostinho da Silva (páginas 121-125)