III. O Regresso a Portugal (1969-1994) 1 Os Primeiros Textos
1.1. Ideias para uma Federação
O que mais caracteriza estes primeiros textos portugueses, nesta fase de regresso à pátria é uma preocupação em renovar e divulgar alguns dos temas que Agostinho foi desenvolvendo ao longo da vida. Como diz Paulo Borges, na sua nota introdutória à edição do segundo volume dos referidos Ensaios, com título Em
Prol da Paz, “os textos aqui publicados mostram-nos um
Agostinho que, expostas nas anteriores obras e ensaios as fundamentais intuições e ideias acerca das virtualidades planetá rias da cultura lusíada, enceta agora, de 1970 a 1973, a sua divulgação, esclarecimento e renovação em artigos publicados em vários periódicos de Portugal (com destaque para a Vida
Mundial), Angola (Notícia) e Brasil (Correio Braziliense), culmi-
nando com uma incursão na Galiza.”154
Numa valorização da cultura lusíada, uma das principais bandeiras que sempre é erguida por Agostinho é a da liberdade, condição primordial que deve assistir à própria condição onto- lógica de se viver. Nas suas palavras: “Parece que foi chave de tudo a liberdade (…) e compreendeu-se que é cada homem um fenómeno em si, único na vida, com sua própria mensagem que
152
Ensaios sobre Cultura e Literatura Portuguesa e Brasileira, org. de Paulo A.E. Borges, Lisboa,
Âncora/ Círculo de Leitores, 2000/ 2001, 2 vols.
153
Textos e Ensaios Filosóficos, org. de Paulo A.E. Borges, Lisboa, Âncora/ Círculo de Leitores, 1999, 2
vols.
154 Paulo Borges, Em Prol da Paz, in Ensaios sobre Cultura e Literatura Portuguesa e Brasileira,vol. 2,
jamais renascerá igual e de que nos convém a todos meditar a lição e aprender até nos erros que cometa (…) Sobre esta liberdade se edificou a unidade que, se a queremos verdadeira, sólida e fecunda, só pode vir de que todos a todos aceitemos como legítimos e não haja cidadãos de segunda e terceira classe (…). E não há grandeza alguma que não arranque daqui, da afirmação de que nenhum homem verdadeiramente o é enquanto submetido à miséria, à ignorância e ao medo (…).”155
E acentua o autor que a esta liberdade se aliará o mais sofisticado desen- volvimento tecnológico contemporâneo, como arma auxiliar preciosa para um bem viver de todos, em vez de só para alguns.
Nestes primeiros textos da sua chegada a Portugal, a par da ideia de liberdade como um dos grandes valores a defender na cultura lusíada, logo surge a ideia que Fernando Pessoa nos lega na sua Mensagem, revelando-a como um dos grandes esteios do seu pensamento filosófico. A afirmação da cultura portuguesa no mundo, o destino da nobre e enorme História de Portugal, primeiro na construção do país, depois na construção desse desejado “quinto império” de escala mundial que para lá da definição das fronteiras continentais, se prolonga na expansão ultramarina pelo mundo, mas que acabara por se quedar em denso
nevoeiro, tal se tornou a confusão e o desânimo político instalado
em Portugal, pela falta de um nítido rumo que no passado assistira ao desígnio lusíada.
É a Mensagem de Fernando Pessoa, fonte de inspiração de Agostinho, que urge cultivar e divulgar pelas consciências, pois que por aí se anuncia o justo futuro de Portugal e da Língua Portuguesa. Mais do que uma enunciação dos seus postulados interessava-lhe agora assinalar da importância de, por ela, agir: “Acção, eis a Mensagem: se pensas, faze; se adoras, sê; se a geometria é teu domínio, torna-a, como no século XV, o melhor navio e o melhor mapa do teu tempo, ou, por outras palavras, dize aos outros homens qual o sistema melhor para que o Paraíso se
aproxime e quais os melhores roteiros, não só para que a nossa alma se salve, mas para que, por sua salvação, se salvem as de todos os outros, que isso é, creio eu, ser religioso, e não apenas homem de igreja; se a religião é teu domínio, torna-a concreta, para o que não basta substituir o órgão pela guitarra eléctrica, o latim pelo vernáculo e a volta por laço de gravata: pregar-se-á antes pela coragem dos actos, a pobreza da vida e, sobretudo, o desdém do poder.”156
Para Agostinho da Silva, o conhecimento e a divulgação da
Mensagem é fundamental e urgente, pois que é nela que se
encontra o que, antes de mais, importa colocar como candeia acesa para o caminho que se vê escuro e que precisa ser percorrido pelos da cultura lusíada. É urgente que ela se ponha em ação, porque dela depende até a salvação da alma humana. Eis um dos terrenos preferidos de Agostinho e condição primeira da sua razão de viver: a salvação da alma, e a razão pela qual se deve viver a vida e organizar a sociedade, o que mais importa, e não só a do indivíduo em si, mas de toda a humanidade. E diz mesmo Agostinho que sobre a vasta obra do poeta, excluindo o poema
Ode Marítima e o heterónimo Caeiro, o que verdadeiramente
importa conhecer é mesmo Mensagem, pois que tudo o resto não passam de “simples apanhaduras de uma oficina de ourives; distracções, enlevos ou abatimentos do Profeta (…).”157
À condição essencial de liberdade junta-se, pois, esta
Mensagem, uma construção filosófica do devir lusíada, mas com
adição de eminente valor prático. A vida mais do que pensá-la, embora a isso também nos ajude a filosofia, importa realizá-la, sendo, assim, a sua dimensão prática que mais importa.
Em Agostinho, a Mensagem tem não só uma relação profunda com a importância do devir da Língua Portuguesa para o mundo, mas também a das Línguas consideradas irmãs como são as ibéricas, ou de expressão ibérica, e nem a diferente raiz da
156 Idem, «Mensagem», Notícia, nº682, 12/9/1970, ibidem: 21-22 157 Idem: 22
língua basca impõe dificuldades ao almejado projeto comum que se afirma. De facto, para o nosso autor, a missão essencial que cabe a Portugal desenvolver no mundo é, antes de mais, um projeto cultural e linguístico que cabe ao país impulsionar. É necessário que Portugal parta para a construção de uma organização de futuro congregadora de vários estados, em que se salvaguardará o direito autonómico, de acordo com as pretensões das respetivas unidades e que se pode caracterizar por um espírito federalista, ou “como sendo um possível centro de cristalização de três federações de povos.”158
Uma organização que junte os povos ibéricos, dada a sua proximidade geográfica, outra que junte todos os povos de língua portuguesa, e uma outra ainda que junte todos os das línguas ibéricas. A tudo isto se terá de ir, mas não sem que antes, como nos alerta, se construa no próprio país uma Federação interna: “a federação de repúblicas municipais, fortes e livres, em que a política não seja apenas um espectáculo, mas um exercício; a economia se ponha como concreta e local; e se exija plena informação que torne a todo o homem consciente de seu destino: sempre mais que humano.”159