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As Filosofias Orientais: Budismo e Taoísmo

No documento Agostinho da Silva (páginas 178-185)

IV. Influências Filosóficas e Religiosas (outros testemunhos)

7. As Filosofias Orientais: Budismo e Taoísmo

Embora já tenhamos feito ao longo do texto várias referências ao apreço que Agostinho foi demonstrando ao longo da sua vida sobre algumas filosofias orientais, tentaremos aqui

318 Idem: 344 319 Cf., idem: 345 320

idem:346, cit. Agostinho da Silva, Uns Poemas de Agostinho, Lisboa, Ulmeiro, 1990, p.52

321 Cf., idem: 346 322 Cf., idem: 347-348

reter algumas ideias de cariz taoista e budista que ressoam na sua obra, a partir da obra dos filósofos que mais o têm estudado.

Como vimos, já no início da década de 40 Agostinho revela interesse pela cultura oriental ao escrever sínteses biográficas sobre “O Budismo”, o “Sábio Confúcio” e uma tradução feita do “Tao Te King”, de Lao-Tse.

Sempre o Professor demonstrou simpatia pela filosofia oriental, sobretudo, pelo budismo e pelo taoísmo, embora, como já se disse, em relação ao budismo sempre se tenha demarcado de uma visão mais ortodoxa, aproximando-se de uma visão proposta por Hui-Neng, autor que releva mais “o agir” como característica essencial do homem, em detrimento de uma postura de maior quietude, por assim dizer, que se privilegia em vias mais clássicas. Também é verdade que nas primeiras incursões feitas ao estudo do pensamento budista, ele mereceu-lhe críticas mais acentuadas do que depois aconteceu em fase mais avançada da vida.

Existem muitas semelhanças entre o Taoísmo e o Budismo. Talvez tenha sido esta uma das razões porque o Budismo foi acolhido com tanta facilidade na China, quando dos primeiros contactos através do patriarca budista Bodhidharma.

Na China existem duas tradições filosóficas que, de alguma forma, são complementares entre si: O Taoísmo e o Confun- cionismo. Em termos simplificados, pode dizer-se que enquanto o Taoísmo se ocupa do conhecimento direto das coisas, despojado de relações abstratas, o Confucionismo trata, sobretudo, do conhecimento convencional, formal, em que assentam as regras sociais.

Lao-Tse, que segundo o étimo significa “velho mestre”, terá vivido na primeira metade do séc. VI a. C., e é mais velho duas gerações que Confúcio. O livro, Täo Te King, Livro da Via e da

Virtude, cuja autoria lhe é atribuída, é considerado como o livro

mais velho da tradição chinesa, onde se explana toda a filosofia taoista. No entanto, hoje pensa-se que a obra foi escrita num

período bastante posterior, talvez no século III, sendo difícil determinar qual a originalidade que permanece em relação aos seus ensinamentos orais.

“Tao”, significa, o “processo” indefinível do mundo, o ca- minho da vida. A palavra chinesa traduz-se por caminho ou estrada, e também é referida algumas vezes como “falar”, embora aqui se dê logo conta de um trocadilho com o termo logo na primeira linha do “Täo Te Ching”, onde se diz que “O Tau que pode ser falado não é eterno Tau.”323

Ou, “o Tau é algo para além das experiências materiais não pode ser explicado nem por pala- vras, nem pelo silêncio.”324

A ideia essencial do Tao é que o mundo produz-se por um “não fazendo” (wu-wei), pois ele age segundo a “espontaneidade” (tzu-jan) e não a partir de ações previamente concebidas; e o princípio essencial é a “espontaneidade”, de forma a deixar livre a mente do indivíduo, levando-o a seguir a sua própria natureza e menos o seu intelecto.

Segundo a tradição taoista o verdadeiro caminho para a sabedoria é a compreensão do vazio, da mesma forma que acontece na tradição budista. “O crescimento e as mudanças pro- fundas só surgem quando estamos dispostos a largar tudo, a instalarmo-nos no lugar do não conhecimento, e sustentar esse vazio é criar uma enorme força e sabedoria interna, pelo que devemos ter o cuidado de não nos precipitarmos a enchê-lo.”325

De forma idêntica, encontramos no “Täo Te King” um conjunto de princípios em que se verificam com facilidade ecos no Budismo. Por exemplo: “Alcança a vacuidade suprema e mantém-te em quietude”;326 “Não há maior erro que o de com- sentir os próprios desejos”;327

ou “Conhecer é não conhecer: Eis a excelência. Não conhecer é conhecer: eis o erro.”328

323

WATTS, Alan, O Budismo Zen. Lisboa: Presença, 2000, p.32

324 Idem: 44 325 Idem: 21 326

Lao-Tse, Tão Te King. Lisboa: Editorial Estampa, 1989, p.28

327 Idem: 59 328 Idem: 84

Para Agostinho, tal como para Lao-Tse, o Tudo (Deus) é o mesmo que Nada, pois ambos consideram que só existe uma substância, inseparável, indiferenciável e impronunciável, porque é, mais do que tudo, silêncio. Deus é o Tudo e o Nada, porque se não fosse o Nada seria incompleto; Deus será o mundo e o que está fora dele; Deus será o humano e o que lhe é transcendente; Deus existirá e não-existirá; e assim também o homem porque é parte de Deus existe e não-existe, sendo paradoxalmente, o

silêncio maior que tudo suporta e envolve.329 É fundamental que

se perceba que o entendimento tem limites: “Nada se entende se não se entende que o todo e o nada são o mesmo. O que é ter transcendido o entender.”330

Esta ideia de harmonização dos contrários mostra-se afim com essas ideias budistas e taoistas, que vêm de Oriente. Como diz Lao-Tse, “Pelo não agir/Nada há que se não faça/É pelo não fazer/ que se ganha o Universo”.331

O que tendo em conta o contexto se poderá sintetizar como, “agir e não agir, eis a questão”.

O pensamento de Agostinho revela afinidades com taoísmo e budismo, quanto a uma conceção não-dualista no entendimento do mundo. A este “salto” paradoxal, mental, espiritual e até metafísico, áquilo que está para lá, transcendente, Lao-Tse chama-lhe Tao, Hui-Neng, Insconsciente, Vazio ou Estado de Buda, Agostinho da Silva, Deus ou Nada. De facto, não há diferença entre Tao, Vazio e Nada.332 “E se a este se chama Tao, Vazio e Nada não é porque, em linguagem niilista, nada seja. É Vazio e Nada porque está além das formas, dos conceitos e dos binómios.”333

Ou, como grafa Agostinho em quadra de jeito popular, “Por muito que possuas/não gabes os feitos teus/se a Deus lhe faltasse o Nada/seria menos que Deus”.334

329

Cf. Pinho, 2006: 316-317

330 Idem:316 – ct. Agostinho da Silva, Pensamento à Solta, ed. cit., p.145 331 Lao-Tse, ibidem: 14

332

Cf., Pinho, ibidem: 321

333 Idem: 322

Bem ao modo de pensar oriental, o nosso autor, relevando uma lógica paradoxal, convida os homens a viverem a multi- plicidade e a contradição existentes em seus espíritos. “Ser-se do paradoxo ou ser-se o paradoxo implica ser-se absoluto e inteiro: “Partido é uma parte: sê inteiro”.335

Numa forma muito simples podemos dizer que para o nosso autor, Deus é o homem sendo. Mas sigamos Pinho, numa definição que se basta a si própria: “No pensar metafísico de Agostinho da Silva existe um Deus, omnipresente e omnipotente, paradoxal e transantinómico, que Tudo e Nada é, que Tudo e a Tudo reúne, inacessível à percepção humana porque é o seu princípio e o seu fim. Contudo, existe um mesmo Deus que se manifesta complementarmente a si próprio e se desvela em hu- manização, isto é, que se humaniza porque se reconhece na sua criação.”336

E para terminar, sintetizaremos com Paulo Borges, onde se diz que, “Na convergência do neoplatonismo grego e cristão, do não-dualismo oriental e da experiência mística universal, o Deus agostiniano sugere-se como o inefável, o uno ou um absoluto simultaneamente transcendente e imanente ao homem e ao mun- do, onde se unificam e superam todos os contrários (…) onde religiões, ateísmo e agnosticismo expressam igualmente aspetos parciais da verdade. O que faz Agostinho um dos mais ousados e insuperados pioneiros do diálogo inter-religioso, que todavia praticou e propugnou à escala mais ampla de um diálogo trans- religioso. Mas o que mais importa, como irrecusável fundamento da própria possibilidade desse diálogo, é que cada um descubra e frua, para tal criando caminhos próprios, a sua irredutível identidade com esse inefável absoluto, simultaneamente deserto e oásis insuperável: “Crente é pouco/sê-te Deus/e para o nada que é tudo/inventa caminhos teus.”337

335

Idem:326, cit. Pensamento á Solta, ibidem, p.153

336 Idem: 335

Concluímos aqui a primeira parte do nosso trabalho e damos fim à nossa proposta de relacionar filosofia com espiritualidade no nosso autor. Na 2ª parte, e convictos que a educação, e nela a pedagogia, como acreditava Agostinho, constituem os instrumen- tos do pensamento essenciais para que os homens se possam tornar mais cultos, mais conscientes, mais evoluídos, em direção a um futuro que se deseja o mais auspicioso possível será, então, nelas e como elas foram abordadas pelo Professor que iremos centrar a nossa atenção.

2ª Parte – Filosofia e Educação: O Pensamento Educacional de Agostinho da Silva num Contexto de Inovação Pedagógica I – Contextualização Pedagógica

No documento Agostinho da Silva (páginas 178-185)