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Entre os terreiros do Candomblé: assunção e transcensão do Catolicismo

No documento Agostinho da Silva (páginas 73-101)

5.1. “A Superação do Protestantismo”88

O que mais se releva nesta fase da vida do autor a partir justamente do texto “Superação do Protestantismo”, escrito em 1954, é o do sua afirmação pelo universalismo católico e pela importância que “se espera advir ao pleno florescimento histórico pelo desvendamento da Terceira Pessoa da Trindade, o Espírito Santo.”89 Segue-se a sistemática referência ao culto popular do Espírito Santo e à importância do espírito medieval português.

As “Aproximações” (1960), “Considerando o Quinto Impé- rio” (1960) “Só Ajustamentos” (1962), “Ecúmena” (1964), “Aqui Falta Saber, Engenho e Arte”(1965), “Quinze Princípios Portu- gueses” (1965) e “Algumas Considerações sobre o culto popular do Espírito Santo” (1967) são as obras que sucedem, onde o nosso

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Idem: 31 88

«Superação do Protestantismo», in Anais do Congresso Internacional de Filosofia (São Paulo, 9 a 15 de Agosto de 1954), vol. I, pp.281-287; Textos e Ensaios Filosóficos, org. de Paulo A.E. Borges, Lisboa, Âncora/ Círculo de Leitores, 1999, pp. 183-190, 2º vol.

autor irá desenvolver esse ideal cristão. Mas se o cristianismo se encontra muito presente nesta fase da sua obra, num período que corresponde largamente à sua estada entre São Salvador da Bahia e Brasília, período que é marcado pelo golpe militar no Brasil que instaura um regime de ditadura política, em 1964, é sabido que Agostinho da Silva manifestou grande interesse pelos terreiros do “Candomblé” que, como teremos oportunidade de desenvolver mais à frente, mistura cultos tradicionais religiosos africanos com santidades católicas, tendo até sido iniciado neste culto. Sempre Agostinho da Silva revelou um espírito de grande abertura com as mais diferentes formas de pensamento religioso. Mas, sem dúvida, como passaremos a ver nestas últimas obras feitas nos últimos anos em que permanece no Brasil, são os valores cristãos a que mais se encontra ligado e que mais irá desenvolver.

Na primeira obra que referimos neste ponto, “Superação do Protestantismo”, Agostinho da Silva desenvolve as razões porque o catolicismo medieval é posto em causa pela revolução protestante. Legitimando os fins últimos do catolicismo, acentua, antes de mais, que o real significado do mundo se encontra nas contas de um “Juízo Final”, em que de forma individual e coletiva o homem será confrontado com as suas ações de vida; e que o fim único da vida será atingir “a contemplação que virá, na eterni- dade, de um Deus eterno, e por homens eternos.”90

O problema foi que as práticas católicas não se desenvol- veram de acordo com a doutrina que lhe deu corpo e acabaram por gerar descontentamento entre os seus pares. Primeiro, porque não se manteve fiel ao seu espírito de fraternidade, trocando-o por uma “hierarquia opressiva” e por uma “economia antimedieval e anticristã”.91

Com a Reforma Protestante, liderada por Luteranos e Calvinistas, cinde-se a religião católica, tal como se divide o espírito religioso europeu, mais protestante a norte, mais católico

90 Idem: 184 91 Idem: 185 e 186

a sul, e a uma economia medieval de características mais comu- nitárias, abre-se uma legitimação à obtenção do lucro que vem abrir caminho a uma economia de tipo capitalista. O novo padrão económico que se traduz num ciclo de investimento, lucro, investimento, vem trazer outras possibilidades ao mundo, cuja mercantilização e industrialização “possibilitou à Humanidade um avanço técnico e científico que de modo algum se podia ter processado (…) através dos meios restritos que a economia até aí lançara mão.”92

Mas, como não há bela sem senão, o espírito de fraternidade que uma economia mais católica pretendia acaba por se fragilizar com uma economia de poder que vem subalternizar homens entre homens e que submete uns a duros ritmos produtivos para bem de outros. “… o espectáculo da política actual do mundo é o da luta para que uma potência apenas domine o resto das nações, espectáculo coerente com uma ciência que se tornou secreta e estatal e o de uma economia que elimina não a concorrência, mas o concorrente, e que o elimina chamando a si todos os recursos da política, autónoma da moral, e da técnica.”93

Assim, a reforma protestante, trazendo desenvolvimento por um lado, mas falhando nos fins últimos da vida, por outro, fins esses que, todavia, foram preservados pelo catolicismo, faz com que se mantenha a fé numa renovada hegemonia católica que preserve o que de bom aconteceu com o protestantismo, mas que devolva ao mundo a esperança e a qualidade de vida de acordo com os mais elevados princípios que preconiza. Na opinião do nosso autor, não será através de práticas de legitimação do lucro e de exploração do homem pelo homem que se poderá manter a imaculada fé de uma boa saída para a vida humana. Devolvendo a palavra a Agostinho, “Posta assim a ideia de que não seria o catolicismo apenas um momento ou uma parte do cristianismo, como se fixou em história superficial, mas sim o cristianismo um aspecto deste universalismo ou catolicismo que concorda com a

92 Idem: 186 93 Idem: 187

mais estável e profunda essência do homem, cabem a possi- bilidade e a esperança de que venha a definir-se, dando estrutura espiritual aos progressos da Humanidade, uma terceira fase católica, cujo advento histórico se marcaria pelo regresso dos protestantes ao seio da Igreja, como, logicamente, o triunfo do cristianismo deveria ter implicado a conversão dos judeus. (…) Teria de centrar-se no único ponto em que o desenvolvimento individual em nada colide com a fraternidade e a eternidade do grupo: não seriam mais imperativas uma ciência virada à técnica e ao poder, nem uma política virada ao domínio, nem uma economia de divisão e concorrência (…) De um modo essencial se substituiria a tarefa pelo jogo (…) se reuniria a universalidade dos homens naquele consolador, livre e vital universalismo anunciado nas palavras antigas do Evangelho de S. João: o universalismo ou catolicismo do Espírito Santo.”94

À substituição do espírito cristão pelo espírito clássico, os homens do Renascimento, pensando dar passo em frente, deram passo a atrás porque o melhor a fazer seria aumentar a interiorização cristã de cada homem.

O protestantismo ao produzir o capitalismo e, de certa forma, o comunismo soviético, em que uma ciência e técnica promoveram o individualismo que provavelmente nos conduzirá a um colapso civilizacional não nos deixam outra esperança que não seja a de um catolicismo renovado abrace o mundo inteiro com a “sua mensagem de fé, de esperança e de caridade como meios de verdadeira criação.”95

Eis, então, a proposta essencial que Agostinho da Silva vai desenvolver e defender vida fora. O Império enaltecido na “Ilha dos Amores” dos Lusíadas, preconizado por Vieira e por Pessoa, será um Império católico, isto é, de acordo com a etimologia da palavra, universal, e caracteriza-se pelo advento da idade do

94 Idem: 189 95 Idem: 70

Espírito Santo, o consolador da esperança humana, tal como pro- fetizou o evangelista S. João.

Os textos que se seguem pretendem sustentar esta ideia. Vejamos, então.

5.2. “As Aproximações”96

Para Agostinho da Silva o cristianismo é o único acontecimento que depois da queda do homem do Paraíso, conforme nos é dado pelo “Velho Testamento”, implicou uma transformação da Humanidade. Depois da queda, e até Cristo, o homem não era mais que o tal prisioneiro da caverna de Platão, e que só vendo sombras, sem perceber o sentido da vida, vai dando quedas atrás de quedas. Por isso, será preciso clarificar para que serve a vida, de forma que se possa plenamente viver.

Além do mais, a procura da santidade na vida deve ser prática comum de todos os homens. Política e santidade não devem estar separadas entre poder espiritual e poder temporal como foi característico de toda a Idade Média. O que se pretende é que todo o homem possa ser simultaneamente santo e político, ou seja, um homem total. “O que se quer é a totalidade de um homem em potência lutando pela totalidade de um homem em acto; o ser batendo-se pelo seu direito de ser; e continuamente protestando, pela cuidadosa observância dessa sua unidade e dessa sua totalidade, contra os que vêm e, segundo as velhas artes demoníacas, de novo querem separar o que se viu unido.”97

Não se refere, porém, Agostinho à política de grupos e partidos separados entre si, como é habitual de se ver no modelo político atual, mas a uma conceção de política que considere todos os grupos e todos os partidos na totalidade, numa dimensão holística, sendo que só essa se poderá chamar de “política santa”. Para isso há que fazer surgir as figuras de frades-políticos que, de

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Agostinho da Silva, As Aproximações, Lisboa, Guimarães Ed., 1960; Lisboa, Relógio d’Água,

1990; Textos e Ensaios Filosóficos, ed. cit., vol. II, pp. 17-92

resto, não constituem novidade histórica que façam da política “o caminho da ascese mais rigorosa e absoluta da oração contínua e do amor dos homens em Deus e por Deus.”98

Tendo deixado de ser à semelhança de Deus, e de ser parte em vez de ser tudo, logo veio a queda da especialização. Deve o desenvolvimento tecnológico servir para libertar e não para escravizar. “A máquina só servirá para não sermos especialistas na medida em que pela meditação, pela oração e pela acção reafirmemos a nós próprios como um valor positivo a nossa semelhança com Deus neste particular: o de nos recusarmos a qualquer espécie de especialismo.”99

O especialismo a que somos obrigados contraria a nossa tarefa de santidade, só ela capaz de que se possa chegar a uma fusão de tempo e eternidade, possível para quem se cumpre na vontade de Deus. Mas a liberdade de que Deus, possivelmente, é feito, nós não a soubemos gerir de forma acertada, daí a razão da queda. Eis a necessidade do regresso.

Como poderemos regressar? Por um lado pela inteligência, por outro, por pura obediência, nesse caminho que funda tempo e eternidade: o Amor, o caminho de Deus. E como definir e quais os alcances de Deus? Responde Agostinho, “ (…) poderíamos definir Deus, como o ponto de contacto entre o tempo e a eternidade, como o lugar em que tempo e eternidade se fundem nalguma coisa que só o silêncio pode dizer. Ora, de tudo o que nos sucede na terra, alguma coisa existe em que se fundem tempo e eternidade e que também só pelo silêncio se poderia dignamente exprimir; e esse alguma coisa é o amor. (…) Amar alguém ou alguma coisa é primacialmente instalá-lo num clima de plena liberdade, com todos os riscos que a liberdade comporta: desejar é limitar na liberdade; a nós e aos outros. Mas quando verdadei- ramente existe, então realizamos na terra o que há de mais belo e

98 Idem: 29 99 Idem: 28

de mais raro: porque todo o amor que ama o eterno é o amor de Deus amando-se a si próprio.”100

Até aqui temos desenvolvido na Modernidade uma teoria política que separa o corpo do espírito, onde o protestantismo legitimou o lucro e a concorrência económica. Autoridade espiritual e temporal não devem estar separadas, contrariamente ao que sustenta S. Tomás de Aquino, mas juntarem-se numa mesma entidade. Hoje, a Física Quântica aponta-nos para uma realidade mais holística, onde separação de sujeito e objeto não se justificam. Neste sentido, o nosso autor é defensor de um sistema político que seja simultaneamente democrático e teocrático. “A mais perfeita das democracias é ao mesmo tempo a mais perfeita das teocracias.”101

E tal como o diz sobre a Política, da mesma forma o afirma em relação às ciências e à Filosofia: “Filosofia separada da teologia é invenção do Diabo…”102

Tornar a História uma geometria divina, eis o grande passo a dar. “E afinal que aventura de Deus é esta? A muito simples e interminável aventura de ser plenamente o que se é. E de o ser em cada momento como o seria na totalidade das horas; isto é, de unir a cada instante eternidade e tempo como se estivesse mergu- lhado naquele inteiro acto de oração que é a morte e que nenhum facto de vida, social ou não, poderá jamais atingir.”103

Essencial será, não viver feliz, mas ser alegre. Embora o primordial seja que cada um se cumpra, o que muitas vezes inclui desgraça e sofrimento.

Quanto ao trabalho, não dá santidade quem recebe dinheiro por trabalho que não ame. Por outro lado, enquanto houver proprietários de um lado e assalariados do outro não será possível a realização do Reino de Deus.

100 Idem: 85 101 Idem: 31 102 Idem: 81 103 Idem: 35

A oposição de interesses entre classes no sistema de produção capitalista está em plena oposição ao princípio de fraternidade católica. Neste sentido, é o socialista o melhor dos sistemas políticos para que essa fraternidade católica possa vingar, mas obviamente não é possível que o catolicismo possa pactuar com o socialismo laico, materialista. Porque “…não vejo o catolicismo senão como uma instituição de eternidade para a eternidade.”104

Portanto, a produção deverá ser regulada por quem trabalha, tal como a pobreza terá de ser voluntária, para que tudo se combine na possibilidade de todos os homens poderem ser santos. “Temos de passar àquele período, apenas de sonho ou de loucura mesmo para os mais agudos pensadores, em que só haja, pela gratuidade da produção, dádivas de Deus e do Amor. Em que se superem os sistemas para que a natureza triunfe. E em que, triunfante o natural, o homem possa conceber esperanças de sua última e definitiva revolução, a do sobrenatural. A de se transfor- mar a terra e céu nalguma coisa que os supere; a de se casarem tempo e eternidade; a de não haver mais distinção alguma entre o homem e Deus.”105

5.3. “Considerando o Quinto Império”106

Desde o início da nacionalidade até ao auge da expansão ultramarina Agostinho da Silva identifica três grandes erros que acabariam por marcar irremediavelmente, negativamente, o futuro do país: Começar a reconquista do território deixando a Galiza de fora; ter abandonado o mártir Infante D. Fernando preferindo manter o conquistado território de Ceuta; e ter perseguido as outras religiões que existiam no país, mouros e judeus, por uma dispensável hegemonia católica. Assim, se trocou um poder espi- ritual por um poder temporal, se trocou o ser pelo ter.

104 Idem: 92 105

Idem: 89

106 «Considerando o Quinto Império», Tempo Presente, nº17-18, Setembro-Outubro de 1960; Ensaios

Para que seja possível a realização na terra do “Quinto Império” vai ser inevitável ultrapassar os impérios materialistas que, então, vão vigorando, capitalista e socialista, porque é de uma economia de índole espiritual que se tem de procurar. “A ordenação religiosa, e não tomo aqui a palavra num sentido puramente sacramental, vai ser uma necessidade absoluta do mundo futuro. Não poderá, porém, ser uma ordenação de determinada corrente religiosa com exclusão das outras, e aqui acode o espírito português com a sua religião do Espírito Santo, em que entravam mouros e judeus…”107

Só a partir do arrepio do caminho que se tomou a partir dos erros descritos em cima será possível a Portugal recuperar a sua inicial dimensão espiritual que nos poderá conduzir a esse “quinto império”. A flagrância do desastre é bem visível ao verificarmos como o culto do espírito santo quase deixou de se comemorar e foi relegado para “uma espécie de curiosidade folclórica, quando representa o essencial da nossa vivência religiosa, ainda se mostrava que se não esquecera aquela palavra do Evangelho que manda tomar por modelo de vida santa a humildade, a fragilidade, a generosa alegria, a capacidade de imaginação, o gosto do jogo e a inocência dos meninos, e chamo inocência à capacidade que eles têm de não separar seu corpo da sua alma, mas de os viverem num conjunto de espírito.”108

É, portanto, ao exemplo que nos dão a cultura medieval portuguesa e o culto popular do espírito santo, o momento mais alto que a cultura portuguesa viveu e onde temos que nos inspirar, a fim de que possamos rumar a esse pretendido império do espírito, que aqui se designa de “quinto império” ou “Império do Espírito Santo”. “Restaurar a criança em nós e em nós a coroarmos Imperador, eis aí o primeiro passo para a formação do Império”,109

eis a essencial condição para que se rume a esse império do espírito, não sem que antes Agostinho nos chame a

107

Idem, ibidem: 254

108 Idem: 254-255 109 Idem: 255

atenção para o facto de que um terço das crianças do mundo vivem em condições de vida desumanas “com que tão pouco se importa a civilização realmente capitalista e falsamente cristã de nossos dias”.110

O Império do Espírito Santo terá, assim, indispensavelmente uma dupla necessidade, um princípio de organização social que seja de índole religiosa, onde através de uma qualquer metamor- fose ontológica a mentalidade dos homens se subordine ao espírito da criança, onde possa a humanidade reger-se pelos votos fundados “nas três liberdades tradicionais e essenciais de não possuir coisas, de não possuir pessoas e de não se possuir a si próprio”,111

acompanhados pelos votos de “criar beleza, de servir e de rezar”.112

Não há maior vocação entre os homens do que a santidade a que cada um pode chegar. Por isso, a verdadeira importância da oração para todo o santo homem. “Nenhum instrumento de Quinto Império o dará sem a oração.”113

Por ela se eliminará a separação entre homem e Deus e se preparará a entrada no Paraíso. Pela santidade se abrirá uma organização política em que governante e governado se fundem, uma organização económica onde o ideal de economia será que ela se extinga como acontecia antes da inicial queda, onde não haviam escolas nem livros, nem casamentos, e eis que, finalmente, teremos o início de onde tudo se (re)iniciará numa “fusão plena de sujeito e objecto num não pensar”114

que em termos teológicos encontramos tradução numa fusão entre Pai e Filho, ou seja, seu Espírito Santo, o que nos trás de volta a Joaquim de Flora, agora já sem a heresia que se lhe apontou. 110 Idem: 256 111 Idem: 257 112 Idem: 257-258 113 Idem: 259 114 Idem: 260

5.4. “Só ajustamentos”115

Não entender que deve ser a criança a mandar no mundo revela a não compreensão pela máxima de Cristo quando disse que não precisam as crianças de ser ensinadas, precisam que lhes forneçam os meios para aprender, ou talvez melhor, para recordar como sustentava Platão.

Cabe às instituições religiosas fazer lembrar a virtude do voto de ser pobre, de força a que o indivíduo se possa libertar “da mais tirânica de todas as posses, a de si próprio, e da mais enganadora das ideias: a de que é ele quem faz o que realmente vale (…) devemos caminhar para que os mosteiros transbordem de si mesmos e transformem a Humanidade inteira numa ordem religiosa…”116

Entre católicos e islâmicos, houve no ocidente uma deriva que pode não vir a ocorrer no desenvolvimento histórico entre os árabes, esta nossa realidade sociopolítica que adveio da junção de capitalismo e protestantismo. “A fraternidade religiosa dos muçulmanos tem sinais visíveis, digamos assim, muito mais poderosos do que a fraternidade religiosa dos católicos: as mesmas preces, às mesmas horas com os mesmos gestos e as mesmas palavras em todo o mundo árabe; o não existir pela ausência de sacramentos, a dignidade sacerdotal, o que faz de cada homem um sacerdote.”117

Outros aspetos existem em que o catolicismo poderá contribuir decisivamente para uma organização económica que se deseja, em que está muito à frente do islão:

a) um regime de não-propriedade, via rápida para o alcance da santidade;

b) a dignidade da mulher, ainda tão imperfeita, e aqui muito à frente dos muçulmanos;

115

Agostinho da Silva, Só Ajustamentos, Bahia, Imprensa Oficial da Bahia, 1962; Textos e Ensaios Filosóficos, ed. cit., vol. II, pp. 93-144.

116 Idem: 96

c) a ideia de paz, sendo que a ideia de guerra santa e ordens militares são invenção árabe que, absolutamente, os desacredita. Num mundo cada vez mais negativamente agitado começa a reconhecer-se, de forma crescente, a necessidade de juntar contemplação e ação. Ação que, bem entendido, não é de agitação ou de trabalho que se trata, “mas de lançar mão a uma tarefa que, inteligentemente e claramente, nos apareça como essencial”.118

O ideal será que as duas instâncias se fundam e sirvam todos os homens do mundo, e não só uma minoria, o que será possível com o pleno desenvolvimento da técnica que liberte o homem da coação do trabalho.

O número de horas de trabalho diário a que os assalariados estão sujeitos tem vindo a diminuir com o passar do tempo. Quando da Revolução Francesa reivindicou-se que não se devia trabalhar mais de 17h por dia. Depois passou às 12h e agora as 8h de trabalho diário são uma referência genericamente aceite.

No documento Agostinho da Silva (páginas 73-101)