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A “modernização parcial” e a “crise do fumo”

Capítulo 3: O espaço municipal e os antecedentes da agricultura familiar em

3.2. Formas e crises da agricultura familiar

3.2.2. A “modernização parcial” e a “crise do fumo”

Entretanto, se aquelas alternativas não representaram maiores alterações na base técnico-produtiva da exploração familiar, o mesmo não ocorreu posteriormente, a partir da modernização (parcial) da agricultura imposta pela integração agroindustrial do fumo.

Apesar deste sistema de integração ter sido introduzido no sul do estado já no início da década de 50 (PAULILO, 1990), somente a partir da década de 70 é que a atividade começou a se expandir em Santa Rosa de Lima. Embora a cultura já fosse conhecida por causa da produção artesanal do “fumo de corda”, o cultivo do “fumo de estufa” foi introduzido na forma de pacote: a empresa fornecia o crédito, todos os insumos e a assistência técnica através de instrutores.

Muller (op. cit.), constata que os primeiros produtores enfrentaram muitas dificuldades na produção de fumo, haja vista os problemas decorrentes do emprego das novas técnicas, especialmente em relação à aplicação de agrotóxicos. Além disso, a integração agroindustrial do fumo alterou a lógica organizacional da exploração familiar,

especialmente no que se refere ao processo de trabalho, já que a cultura é extremamente exigente em mão-de-obra, principalmente nos meses de colheita.

Se por um lado, esses fatores, dentre outros, explicam a decisão de muitos agricultores em desistir da produção de fumo já nos primeiros anos ou até mesmo de não se engajarem no processo, por outro, incitam a questão formulada pela autora: “Então, porque integrar-se?” A estratégia representou uma opção única na medida em que possibilitava um retorno econômico compensador seja devido à segurança de mercado, já que a integradora assumia a compra da produção, seja pela facilidade de acesso ao crédito agrícola subsidiado e à disponibilidade de assistência técnica.

Convém acrescentar que se num primeiro momento a modernização da base técnico- produtiva se restringiu à cultura do fumo, depois, acabou abrangendo outras culturas e criações. O pacote associado ao cultivo de milho híbrido, difundido – especialmente através da instalação de lavouras demonstrativas – pelos instrutores das fumageiras e pelos extensionistas oficiais, é o exemplo mais emblemático desse processo. Com o incentivo das fumageiras à rotação fumo-milho, outro importante elemento do processo de modernização foi introduzido: o uso de herbicidas; que ao eliminar a necessidade de capinas e reduzir a penosidade do trabalho, acabou sendo adotado também por agricultores não integrados.

Entretanto, apesar do movimento no sentido da modernização do sistema de produção agrícola e, por conseguinte, de transformação das estratégias de reprodução da agricultura familiar, muito dos traços tradicionais foram mantidos: a permanência de variedades de milho comum em grande parte das propriedades, inclusive entre aquelas que cultivam o milho híbrido; a preocupação com a diversidade de culturas/criações e com o autoconsumo; a manutenção de certos laços de solidariedade e de ajuda mútua; o uso maior ou menor de adubação orgânica; o baixo índice de motomecanização (microtrator). Ao mesmo tempo em que esses indicadores, enunciados por Muller (op. cit.), evidenciam que a modernização agrícola foi parcial, sugerem ainda que o agricultor não se coloca no processo como sujeito passivo, uma vez que suas opções também são efetuadas à luz dos próprios critérios, objetivos e possibilidades circunscritas pela lógica interna da exploração familiar.

Mesmo parcial, a alteração da base técnico-produtiva desencadeada com a integração agroindustrial do fumo foi se expandindo, até que nos anos 90 o sistema começa a expressar sinais de estagnação e crise em decorrência de mudanças no contexto econômico e político do país, especialmente em termos de crédito agrícola. Já no início da década de 80, a perda gradual do caráter subsidiário e as mudanças nas regras dos contratos entre os agricultores e os bancos (cobrança de juros e correção monetária sobre os empréstimos, redução do prazo de pagamento das estufas, etc.) inseriam-se, segundo Paulilo (1990), no bojo das restrições gerais e crescentes ao crédito rural.

O fato é que, os sucessivos planos econômicos e as mudanças na política agrícola promoveram um expressivo aumento nas taxas de juros dos financiamentos e nos custos de produção – especialmente em termos de preços dos insumos – sem um acréscimo nos preços dos produtos agrícolas, submetendo os agricultores familiares a substanciais perdas de renda e de poder aquisitivo. Problemas de produção ocasionados por condições climáticas desfavoráveis acrescidas do rigor/arbitrariedade da classificação do produto pelas empresas integradoras foram outros fatores que, conforme Muller (op. cit.), contribuíram para a diminuição da renda dos produtores e para o agravamento da “crise do fumo”, que atingiu seu ápice por volta de meados da década de 90; fazendo com que muitos fumicultores, cada vez mais convencidos das desvantagens (auto-exploração da mão-de- obra familiar, problemas de saúde devido ao uso de agrotóxicos, custos de produção crescentes, dívida bancária, etc.) da integração agroindustrial, desistissem da cultura do fumo.

Esta conjuntura desfavorável à agricultura familiar contribuiu, indubitavelmente, para a intensificação da emigração rural-urbano, especialmente em direção aos municípios da Grande Florianópolis e às cidades do sul do estado (SCHMIDT et alii, 2003).

Para os que permaneceram no campo, o incremento da atividade leiteira foi a opção mais imediata visando a substituição da produção de fumo pela pequena produção familiar. Inicialmente, o produto era transformado em queijo e vendido aos atravessadores, depois, em função da instalação de um laticínio no próprio município, tornou-se mais atrativa a venda do leite in natura. Além da atividade leiteira, outras alternativas produtivas ganham

destaque: a produção de carvão vegetal (a partir de madeira nativa e/ou reflorestada) e o reflorestamento com exóticas (pinus e eucalipto).

Contudo, embora estas alternativas tenham provocado mudanças na dinâmica socioespacial rural, as transformações mais significativas adviriam com as ações em termos de produção, beneficiamento e comercialização de alimentos orgânicos, sobretudo a partir da constituição e atuação da AGRECO.