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Capítulo 2: A Geografia (rural), os termos de análise e os procedimentos de

2.3. Procedimentos de pesquisa

Como se sabe, o contexto que constitui objeto de nossa análise está vinculado à AGRECO, responsável pela implantação de uma série de estratégias de desenvolvimento voltadas à reprodução da agricultura familiar numa escala local e até certo ponto microrregional.

Por se tratar de um estudo de caso, é óbvio que a investigação empírica – balizada continuamente pelo levantamento bibliográfico8 – apresentou-se indispensável ao

atendimento dos propósitos da pesquisa. Neste plano, a coleta de dados envolveu três procedimentos metodológicos distintos, porém, simultâneos e complementares: entrevista,

pesquisa documental e observação. Desse modo, nos valemos, na medida do possível, tanto dos

discursos e representações quanto das ações e práticas, tanto do que os sujeitos “dizem” como do que “fazem”.

Antes de caracterizarmos as referidas etapas, é importante salientar que a pesquisa de campo foi conduzida sob uma abordagem qualitativa por entendermos que a mesma permite uma compreensão mais aprofundada da realidade socioespacial, precisamente porque remete a uma “teia de significados”, de difícil recuperação através de estudos de corte quantitativo, que tendem à reduzí-la a expressões numéricas. O que não quer dizer que não se tenha recorrido, quando se fez necessário, a instrumentos quantitativos.

Não obstante, considerando o foco de análise, o tipo de abordagem e as diversas limitações (cumprimento de prazos relacionados ao curso e ao próprio cronograma de pesquisa, recursos financeiros limitados, distância em relação à área do estudo de caso) a que a pesquisa ficou sujeita, deve-se ressaltar que o levantamento empírico concentrou-se no município de Santa Rosa de Lima (sede da AGRECO), haja vista que nessa escala o contexto objeto da pesquisa apresenta resultados mais substanciais.

2.3.1. A entrevista

Esta estratégia baseou-se na coleta de declarações, depoimentos ou relatos dos agricultores familiares filiados à AGRECO e, eventualmente, de alguns técnicos da Entidade que também são produtores; o que significa dizer que através das entrevistas apreendemos os discursos e as “representações” e “atitudes” que os constituem, isto é, privilegiamos a leitura, o conhecimento e o posicionamento daqueles sujeitos sobre o sentido das mudanças socioespaciais em curso.9

Extensão Rural de Santa Catarina – EPAGRI e, principalmente, do acervo do próprio autor; assim como do acesso a textos obtidos em diversos sites da Internet.

9 Observe-se que no presente estudo, estamos tomando a noção de “representação social” e de

Neste sentido, a entrevista semi-estruturada mostrou-se um instrumento adequado por valorizar a intervenção do pesquisador ao mesmo tempo em que oferece as oportunidades para que o informante possa se expressar com uma certa liberdade e espontaneidade. Caracterizando minimamente a estrutura do roteiro utilizado (ver anexo, p. ...), deve-se mencionar que a parte inicial, como de praxe, serviu para caracterizar os informantes, a segunda para levantar dados sobre as unidades agroindustriais e a terceira para levantar as questões sobre as estratégias de desenvolvimento implementadas pela AGRECO: associativismo, ecologização da produção, agroindustrialização de pequeno porte, agroturismo, comercialização coletiva e cooperativismo de crédito.

Convém salientar que a maior parte das questões que integram o roteiro foram submetidas a um pré-teste, efetuado em campo durante a primeira quinzena de outubro de 2002. Na ocasião, foram entrevistadas cinco pessoas (3 agricultores e 2 agricultoras) com o intuito de testar a validade do questionário em atender os propósitos da pesquisa.

Tratando da questão da amostra, justificamos que para o tipo de estudo aqui proposto a realização de 30 entrevistas mostrou-se suficiente; primeiro porque adotamos critérios eminentemente qualitativos para o levantamento e tratamento dos dados obtidos e segundo porque consideramos este número como representativo do conjunto das famílias de produtores filiados à AGRECO (aproximadamente 40).

A escolha dos informantes, por sua vez, não seguiu parâmetros pré-estabelecidos, sendo balizada apenas pela percepção do próprio pesquisador (“amostra intencional”) na medida em que privilegiou a qualidade dos informantes em termos da possibilidade deles fornecerem dados ricos, variados e suficientes para compor o horizonte da problemática de pesquisa.

Dentre os aspectos que permitem traçar um certo perfil dos entrevistados sobressaem-se: i) a divisão em termos de gênero compreende 22 homens (18 agricultores e 4 possuem da realidade e a segunda como um posicionamento tomado em relação a algo. Desse modo, estamos interessados naquilo que o(s) sujeito(s) considera(m) sobre um determinado tema e que pode ser apreendido, dentre outros modos, através dos discursos verbais. Se por um lado, representações e atitudes comungam o fato de influenciarem os comportamentos e atividades cotidianas, por outro, é preciso observar

técnicos) e 8 mulheres (agricultoras); ii) a faixa etária apresentou-se com 30% dos entrevistados entre 24 e 35 anos, 40% entre 36 e 45 anos, 30% entre 46 e 57 anos; iii) a classificação por nível de escolaridade informa que 40% dos informantes têm formação incompleta no ensino fundamental (condição que predomina entre as pessoas de idade mais avançada), 30% tem formação no ensino médio (condição que predomina entre os mais jovens) e apenas 10% têm formação no ensino superior (situação que prevalece entre os técnicos entrevistados); iv) a estrutura familiar dos entrevistados é basicamente nuclear (em média dois filhos), sendo que apenas 4 agricultores (mais jovens) se encontravam solteiros por ocasião do levantamento; v) em termos ocupacionais, além da classificação agricultores/técnicos, uma outra diferenciação merece ser feita em relação ao grupo de agricultores, haja vista que dos 26 entrevistados, apenas 7 pessoas (4 homens e 3 mulheres) estão vinculadas ao agroturismo, além das outras estratégias;10 vi) quanto à propriedade

fundiária, todos os entrevistados são proprietários, sendo que 32% possuem áreas de até

10ha, 44% de 10-50ha e 24% de 50-90ha.

As entrevistas foram realizadas ao longo do mês de março de 2003, tiveram duração média de uma hora e meia e foram registradas utilizando-se gravação magnética com posterior transcrições literais das fitas.

2.3.2. A pesquisa documental

Esta estratégia consistiu no levantamento de informações junto aos boletins informativos, atas de assembléias e de reuniões, planilhas de controle e outros documentos produzidos pela AGRECO. Foi executada com o intuito de obter informações sobre eventos passados e recentes, de forma a caracterizar as principais questões e construir um histórico da Entidade e de sua dinâmica socioespacial.

10 Cabe observar que a diferenciação das unidades de produção familiar associadas à AGRECO com

base na forma como se apropriaram das estratégias de desenvolvimento vai ao encontro do pressuposto ratificado por alguns autores (NEVES, 2000; WANDERLEY, 1995; CARNEIRO, 2000) de que as formas sociais de produção revelam mais posições ocupadas a partir de determinadas alternativas do que situações estruturais e definitivas.

É importante lembrar que a maior parte do levantamento foi efetuado nos arquivos existentes no escritório da própria Entidade, de forma intercalada com a realização das outras estratégias metodológicas (entrevistas e observações em campo).

Além dos períodos de pré-teste (primeira quinzena de outubro de 2002) e de realização das entrevistas (março de 2003), o levantamento documental contou com um terceiro momento (última semana de novembro de 2003), realizado com o intuito de atualizar dados e retificar informações levantadas anteriormente.

2.3.3. A observação

Esta estratégia aproximou-se da técnica definida como “observação assistemática”. Por esse viés, entende-se que o envolvimento do pesquisador com a realidade estudada oferece condições privilegiadas para que o processo de observação, mesmo que realizado aleatoriamente, levante dados que permitem tanto compor informações novas como avaliar a veracidade daquelas informações obtidas de outras fontes e que serão manipuladas analiticamente.

Em nosso caso, o processo incluiu a observação de situações e fatos da vida cotidiana dos sujeitos entrevistados: no caso dos agricultores familiares, estas circunstâncias envolveram principalmente a participação em atividades relacionadas à produção primária e ao beneficiamento nas agroindústrias; no caso dos técnicos, estas situações incluíram o convívio durante os períodos destinados à pesquisa documental (escritório da AGRECO) e a participação em assembléias, reuniões e seminários de planejamento coordenados pelos mesmos. Deste modo, foi possível confrontar e complementar dados através da apreensão de significações mais profundas de certas atitudes, condutas e episódios, que de um ponto de vista exterior poderiam permanecer obscuras ou inacessíveis.

A fim de registrar os dados para as análises posteriores, muitas observações efetuadas foram anotadas numa caderneta de campo.

Partindo do pressuposto de que tudo que é dito ou escrito pode ser submetido a uma

análise de conteúdo, declaramos que alguns procedimentos fornecidos por esta técnica – ou

melhor, por este conjunto de técnicas empregadas no estudo das “comunicações” – foram utilizadas na análise, sistematização e interpretação dos dados obtidos em campo.

Em se tratando das informações obtidas através da pesquisa documental, é importante observar que elas serviram – juntamente com aquelas da pesquisa bibliográfica (estudos sobra a AGRECO) – à montagem de um histórico da trajetória da AGRECO e da evolução do contexto de desenvolvimento, indispensável à construção da segunda parte do texto da tese, sobretudo do capítulo 4.

No que se refere às entrevistas, depois de transcritas as mesmas foram submetidas a (re)leituras que aos poucos foram permitindo a re-categorização e re-tematização do material discursivo – haja vista que os tópicos e questões do próprio roteiro de entrevistas são o resultado de categorias e temas pré-estabelecidos.11 Esta interpretação, juntamente

com os dados da pesquisa documental e observacional, serviu à construção dos capítulos, seções e itens que constituem a terceira parte da tese. Nesse caso, a fala dos entrevistados foi empregada como “expressões chaves” (LEFÉVRE e LEFÉVRE, 2000) na medida em que são transcrições literais que ilustram o essencial do conteúdo de cada segmento do texto.

Finalmente, poderíamos considerar que o enfoque assumido pelo texto é descritivo na medida em que ele visa mais freqüentemente sugerir do que concluir, no entanto, somos tributários do entendimento de que “descrição e explicação são inseparáveis” (SANTOS, 1997), haja vista que o que deve estar no alicerce da descrição é a vontade de explicação.

11 É preciso lembrar que a análise propriamente dita recai sobre as unidades básicas de relevância,

denominadas unidades de significação ou de registro. BARDIN (1977), ratifica o “tema” como uma unidade de significação complexa e que pode ser desenvolvida em várias afirmações; sendo uma das unidades de registro mais adequada à análise de entrevistas. A categorização consiste no desmembramento e classificação das unidades de registro, previamente codificadas e interpretadas em suas correspondentes unidades de contexto.

ÚLTIMAS (RE)CONSIDERAÇÕES

Esperamos ter ficado claro que o debate assumido pelas ciências sociais em torno da questão rural hoje, se desenvolve cada vez mais com base no evidenciamento de uma “complexificação do espaço rural e da ruralidade”, que por sua vez, vem se expressando na diversidade temática e analítica que caracteriza as disciplinas que estudam o campo. Isto é, nossa intenção foi demonstrar que nas últimas décadas, as transformações estruturais do capitalismo mundial aliada ao evidenciamento dos impactos socioeconômicos e ambientais do modelo de desenvolvimento e de agricultura hegemônicos – centrado no imperativo economicista e produtivista –, têm levado, à recomposição e a diversificação socioespacial; que em muitos contextos surge acompanhada de um processo de revitalização dos sistemas de objetos e de ações que constituem o meio rural.

De um lado, dito processo trouxe implicações analíticas inovadoras. No nosso entendimento, a valorização do “rural” como uma construção social e enquanto categoria (histórico-geográfica) para se (re)pensar e representar o mundo contemporâneo acrescido do reconhecimento de que toda e qualquer realidade rural – mesmo aquelas influenciadas mais diretamente por processos externos, macroestruturais ou globais – sempre revela heterogeneidades, traduz-se numa premissa indispensável ao tratamento analítico da ruralidade hoje. Por isso, insistimos no fato de que o campo não está passando por um processo único de transformação, isto é, assim como existem espaços rurais dinâmicos e em permanente mutação, há zonas desfavorecidas e bloqueadas de possibilidades de desenvolvimento.

Nosso intento de resumir as transformações recentes nos países de capitalismo avançado seguido do levantamento de certas características do rural brasileiro vai ao encontro deste entendimento. Aliás, foi possível demonstrar que nossas especificidades históricas e conjunturais não dão suporte para que possamos pensar a dinâmica das transformações do espaço rural nos mesmos termos do que está em curso naqueles países.

elemento chave para entender o meio rural em geral como o referido processo se apresenta bem mais pontual e desigual; aqui mais do que lá, o peso da agricultura familiar (número de estabelecimentos, emprego rural, participação na produção agropecuária, receptividade à adoção de formas de agricultura sustentáveis, contribuição à segurança alimentar, vocação à pluriatividade e multifuncionalidade agrícola etc) torna urgente a formulação e implantação efetiva de políticas públicas diferenciadas que promovam a construção de contextos de desenvolvimento inovadores.

De outro lado, vimos que na esteira deste processo está a emergência de estratégias que focalizando a dimensão multisetorial e espacial do desenvolvimento rural, visam superar as limitações do modelo hegemônico (“desigual e combinado”) e integrar grupos e espaços desfavorecidos e/ou excluídos à dinâmica socioeconômica. Desenvolvimento local e territorial representam, portanto, estratégias que expressam a preocupação com as muitas dimensões do processo de transformação das sociedades humanas e que vêm sendo difundidas como capazes de promover a valorização e apropriação dos recursos (naturais e sociais) inerentes aos espaços ou territórios ocupados por cada coletividade.

Sobre as possibilidades e limitações desses instrumentos em se tornarem catalisadores de contextos de diversificação e revitalização do rural e da ruralidade, estamos certos de que somente poderão ser reconhecidas mediante esforços de análise (estudos locais e regionais) preocupados com o campo em seus modos atuais de reestruturação; esforços esses que se tornam ainda mais necessários quando levamos em conta o caráter incipiente e a diversidade de iniciativas existentes.

Daí a pertinência do estudo proposto; baseado num estudo de caso e numa abordagem de corte qualitativo. Acreditamos que os propósitos da pesquisa possam ser atendidos mediante o enquadramento do espaço rural como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de ações relacionadas ao campo (englobando o agrícola e o não agrícola), e, sobretudo, por uma perspectiva de análise (geográfica) baseada na descrição locacional dos sistemas de objetos e de ações implementados num contexto de desenvolvimento rural confrontada com a atitude ou comportamento da agricultura familiar que aí tem lugar. Deste modo, o espaço rural torna-se o resultado de “(...) uma conjunção

particular de processos materiais e de processos de significação” (LAGOPOULOS, citado

Segunda Parte

O CONTEXTO DE DESENVOLVIMENTO:

A AGRECO E A DIVERSIFICAÇÃO/REVITALIZAÇÃO

DO ESPAÇO RURAL

Até aqui, já é do nosso entendimento que a questão do desenvolvimento rural, que se apresenta sob a forma de pequenos e grandes desafios, quotidianamente e nas mais diferentes escalas, faz com que os atores se vejam confrontados com necessidades que passam fundamentalmente pela (re)produção do espaço enquanto fundamento da ruralidade.

Estamos convencidos de que o esforço de contextualização a partir da bibliografia consultada servirá também para evidenciar que o contexto de desenvolvimento que constitui nosso estudo de caso, apesar de se realizar como uma iniciativa num pequeno município do interior do estado de Santa Catarina, está sintonizado com as atuais tendências de recomposição e complexificação do espaço rural e da ruralidade.

Nesta segunda parte, buscamos tornar visível os sistemas de objetos e de ações (pretéritos e

recentes) que integram o contexto de desenvolvimento protagonizado pela AGRECO a fim de qualificar sua dinâmica espacial.

Desde já, é preciso dizer que além dos fatores socioespaciais mais recentes, provenientes de diferentes escalas, parte das determinações que perpassam o referido contexto somente pode ser apreendida se considerarmos as condições pretéritas relacionadas à evolução da agricultura familiar no município de Santa Rosa de Lima (Capítulo 3).

Por outro lado, ao inventariar os sistemas de objetos e de ações introduzidos a partir da Entidade – possíveis graças à criação de possibilidades (sociais, econômicas e políticas) diferenciadas para a agricultura familiar – podemos reconhecer que as estratégias de desenvolvimento implementadas vêm promovendo a reorganização, diversificação e revitalização do espaço rural, sobretudo no âmbito ocupado pelas unidades familiares de produção engajadas no processo (Capítulo 4).

Desse modo, partiremos do lugar/local como referência, como materialidade de processos que vem operando em outras escalas (CARLOS, 1996).