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5. TRAVESSIAS CARTOGRÁFICAS: PRIMEIRAS ANÁLISES SOBRE O OBJETO

6.1 A Amazônia Audiovisualizada

6.1.1 A moldura homepage do Eu sou Amazônia

[Travessia 152- Esta é uma de muitas travessias feitas no LABTICS. Percebemos que, antes de fazermos qualquer busca no navegador Google, nos concentramos naquilo que queremos encontrar. Nos damos conta disso de súbito e entendemos que isso acontece porque já entramos e saímos várias vezes do ambiente do GE e ESA. Apesar disso, o que nos traz de volta é a tentativa de enxergar o que ainda não foi visto, sendo que, nesta travessia, queremos enxergar o que seria uma Amazônia audiovisualizada no GE. Já passeamos em muitos ambientes do ESA, mas há uma necessidade de voltar para o mesmo lugar e ver o que no objeto ainda não foi visto. Em meio a isso nos deparamos com o momento em que sempre nos perguntamos qual caminho tomar para explorar o projeto ESA, visto que sabemos que existem alguns caminhos de entrada (como visto na cartografia). Para chegar até o ESA, escolhemos entrar no navegador Google, buscar pelo Google Earth, seguir pela ferramenta “Viajante” e, na aba cultura, rolar a barra até encontrar a imagem com o lettering "Eu sou Amazônia"53. Na travessia apresentada aqui, vamos observar a "abertura" ou homepage do ESA. Algumas perguntas norteiam o momento da travessia com vistas a pensar essa Amazônia Audiovisualizada na homepage do ESA: o que se apresenta como composição de imagem? Quais os planos cinematográficos podemos encontrar nessa apresentação? O que eles me dizem sobre o que nós vamos encontrar nas camadas do projeto? Esse lettering nos diz algo sobre a cultura Amazônica (esse questionamento nos fez criar outra cena de superfície)? Quais os contatos textuais se apresentam? Que temporalidades temos aqui?]

A cena de superfície que abre a seção da camada Amazônia audiovisualizada, feita a partir da travessia narrada anteriormente, corresponde ao primeiro contato com o ESA, enquanto produto integrado ao GE. Nesse primeiro contato, nos deparamos com um vídeo que supõe histórias, memórias, temporalidades e conhecimento sobre a Amazônia. Observe a cena de superfície a seguir:

52 É possível assistir ao vídeo da travessia no link: https://www.youtube.com/watch?v=kVZtBQb3xIs. 53 Demonstramos esse modo de entrada no objeto no capítulo 5, na cartografia de múltiplas entradas no

Figura 29: Cena de superfície da moldura homepage do ESA

Fonte: Elaborado pela autora: https://bit.ly/2Zib4MH.

No capítulo anterior, relatamos que essa seria a porta de entrada para acessar o produto ESA, sabendo que há muitas formas de entrar, mas essa se constrói explicitamente como ponto de entrada (de uma narrativa das audiovisualidades), o que nos fez chamar de moldura homepage. Sabemos que no capítulo anterior analisamos brevemente essa moldura, mas vimos que havia outras abordagens para fazer na cena de superfície. Por isso, trazemos na figura acima todas as imagens que aparecem no vídeo da moldura homepage, a fim de tentar extrair possíveis sentidos desse conjunto de imagem, colocado para caracterizar o início do ESA.

Nessa cena de superfície, temos uma composição variada do que encontraremos no produto, elas imprimem pessoas, natureza e animais, de modo geral, que fazem parte do território amazônico. No frame a, temos como imagem que parece ser feita através drone, de uma floresta verde e abundante que cerca o rio, e este faz curvas como uma serpente por elas. No frame b, vemos um homem descendo da árvore com seu cacho de açaí, uma prática comum entre amazônidas e a principal forma colher a fruta no Pará. Ressaltamos que, em seguida, a fruta se transforma normalmente em um dos alimentos essenciais no almoço. O frame c tem como protagonista uma família indígena reunida. A mise-en-scène nesse frame é representada por mulheres cantando no primeiro plano e outras pessoas se alimentando atrás delas. Eles parecem estar reunidos à noite, debaixo de um céu estrelado. Nos frames d e e, vemos primeiro nuvens carregadas, como prenúncio de chuva em uma cidade que pode ser alguma capital dos estados da Amazônia e, segundo, vemos árvores sendo queimadas e levantando fumaça. No frame f, vemos um plano aberto focando o chão e a presença de um solo árido. No frame g, há bois que

(a) (c) (d)

(e) (f) (g) (h)

correm velozmente para algum lugar. No frame h, temos um céu iluminado, com raios solares que parecem ficcionais.

Observamos, nessa cena de superfície, uma representação da Amazônia que se constrói pela contradição de um território rico em biodiversidade, mas passível de desastres ambientais. A figura de bois correndo aciona uma ideia de que, entre tantos animais exóticos na Amazônia, são expostos, nesses quadros, os animais que servem a uma indústria alimentícia, que se utiliza de territórios da Amazônia para a agropecuária (ligado a essa ideia temos imagens também de uma terra árida). O desmatamento também é representado nesse primeiro contato com as imagens da Amazônia, sendo este uma das principais pautas nas mídias sobre a Amazônia. Na mesma cena de superfície, temos representações de riquezas naturais e povos tradicionais.

Enquanto qualidade técnica audiovisual, a primeira percepção que temos com as imagens de abertura, ilustradas na figura 29, é que tem sempre algo em movimento e emitindo som. Assim, quando não é algum protagonista da cena que se encontra em movimento, a câmera faz um travelling suave pelo território filmado ou apresentando uma visão de cima, como se fosse de drone. Acreditamos que esse primeiro contato com imagens em movimento seja para mostrar que encontraremos diferentes experiências cinematográficas, e não só no formato de mapas do GE, a partir desse momento, uma vez que esse é o primeiro contato com o ESA. Vemos um resgate do audiovisual clássico nas abordagens, com montagens de som e vídeo que remetem à Amazônia já visitada antes por outros produtos audiovisuais, atualizadas pelo contexto tecnocultural em que o ESA se encontra. Demonstramos, no capítulo 2, que a maioria das produções audiovisuais tenta demonstrar a imensidão territorial, destacando principalmente sua floresta e rios, e vimos que na abertura do ESA esses enquadramentos e movimentos de câmera voltam para nos lembrar dessa ideia de Amazônia.

Notamos que essa cena de superfície se constrói, enquanto representação do ESA, pela qualidade cinematográfica. É desenvolvido um trabalho cuidadoso com as imagens, sons e montagens mais do tipo temporal do que espacial. Eisenstein (2002) trata a montagem como colisão, a junção de duas peças opostas colocadas em conflito. O autor lembra ainda que “O conteúdo de cada quadro das cenas independentes é reforçado pela crescente intensidade da ação” (p. 27), a colisão entre cenas opostas intensifica uma superposição de cenas, uma tensão que dá ritmo para aquele conjunto de imagens. Assim também acontece com os sons justapostos que acompanham as imagens, eles ganham força especialmente nesse primeiro contato com o ESA a partir do que Chion (2011) fala,

de sons de efeito empático, capazes de dar o tom e ritmo à situação, trazendo-nos sensações de diversos tipos, principalmente porque o que vemos e ouvimos nesse primeiro momento não se trata só de uma apresentação harmônica da beleza da Amazônia, mas das contradições políticas e culturais. Assim, estamos diante de uma apresentação da Amazônia que, pelas imagens, sons e montagem, emolduram-se sentidos de um lugar de conflito, um território marcado pela extensão e grandeza da biodiversidade e cultura, que não está livre dos interesses políticos e econômicos.

Há uma segunda reflexão sobre a Amazônia Audivisualizada nessa cena de superfície da moldura homepage do ESA. Com essa reflexão, pretendemos compreender que ethicidades são emolduradas a partir dos elementos gráficos dentro desse vídeo síntese de abertura, tendo em destaque frases como “Eu sou Amazônia”, “Uma experiência interativa entre você e a floresta” e “Descubra sua conexão” (molduradas em vermelho da figura a seguir). Kilpp (2003, p. 27), ao falar das ethicidades enquanto subjetividades virtuais, compreende que elas “atualizam-se enunciativamente em certas e diferentes molduras e moldurações, e seus sentidos são negociados (emoldurados) em diferentes instâncias entre emissor e receptor (ou consumidor, ou espectador, tanto faz)”, podendo assim compartilhar, de modo diverso, imaginários que “tornam sentidos comunicáveis”. Retiramos um frame, ampliamos, e colocamos a seguir para que os aspectos textuais fiquem visíveis.

Figura 30: Aspectos textuais da homepage do ESA

Fonte: Google Earth: https://bit.ly/2Zib4MH.

O lettering com o título do projeto permanece em todos os cenários. Os quadros passam rápido, as vozes, os ruídos e o silêncio despertam uma curiosidade para saber o

que vamos encontrar em seguida. O título do projeto e de quase todos os temas do ESA, não aparece apenas na homepage, mas na abertura da maioria dos temas também. Eles tentam conduzir a uma ideia de que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, pode se identificar com a grandeza que é a Amazônia. E fazer parte de um universo de experiências tendo uma conexão razoável, um dispositivo e um Chrome instalado no hardware. Essa regra se desvia no último tema, o qual se chama apenas “Terras indígenas”, dispensando o “Eu sou”.

Essa reiteração do “Eu sou” por todo o projeto, e não apenas no título, emolduram sentidos de solidariedade, coparticipação em questões ambientais, sociais e políticas, ou seja, o universo do qual a Amazônia faz parte. Mas como audiovisualizar esse poder de corresponsabilidade que, afinal, a tecnocultura pode criar para o usuário? Há uma intenção de nos tornar parte disso tudo, das consequências, negligências e da riqueza ambiental e cultural. E esses sentidos tendem a evoluir a cada “passo” dado (ou montagens feitas nas travessias) dentro daquele ambiente. A memória do que é ser Amazônia se atualiza e pode durar pelas imagem-interfaces do ESA, no software. Elas são múltiplas, cheias de informação sobre a Amazônia e estão prontas para serem desveladas pelo próprio usuário, porque, afinal, ele (nós), ser (es) da Amazônia do software, pode (mos) agora desbravar um território longínquo pelo Google Earth.

O sentido do "Eu sou" constrói um instigante movimento sobre olhar e ser olhado (KILPP, 2010). É como se, em dois extremos, estivesse de um lado o usuário e do outro a Amazônia, um olha para o outro para, em busca de um reflexo, como em um espelho, mas, no meio desse movimento de quem olha para quem, há o que atravessa os dois, que, para esta reflexão, é o software e, por extensão, a interface. Daí nasce uma parte da ideia de ter como uma camada de narratividade softwarizada o “Soft reader na interface”, que será explorado adiante.

Assim, a Amazônia parece querer dizer o que ela é para o usuário, tanto pelas imagens de um ambiente cheio de contradições, quanto pelo próprio título do projeto. Isto é, em meio a cena de superfície da homepage, nós intuímos que pertencemos a algo grandioso (Eu sou), porém, repleto de disputas políticas e econômicas. E, no “entre lugar”, temos o Google nos indicando o que ele é, enquanto nós, que somos viajantes no Google Earth e navegantes no Google, ficamos entre uma camada e outra, buscando no nosso repertório de usuário do Google e de identificação com a Amazônia.