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Sentidos que emergem dos aspectos gráficos do ESA

5. TRAVESSIAS CARTOGRÁFICAS: PRIMEIRAS ANÁLISES SOBRE O OBJETO

6.1 A Amazônia Audiovisualizada

6.1.2 Sentidos que emergem dos aspectos gráficos do ESA

Ao relatarmos a primeira travessia da camada Amazônia audiovisualizada, ressaltamos que umas das questões norteadoras era o de olhar também para a composição gráfica enquanto imagem e estética produtoras de sentidos. Assim, a cena de superfície trabalhada aqui foi retirada da travessia anterior, feita após a reflexão sobre a construção do “Eu sou”, tendo a proposta de escavar como ele, enquanto estilo gráfico, incita algum modo peculiar de ver a Amazônia. No Laboratório de travessias, enquanto olhávamos e construíamos a cena de superfície da moldura homepage do ESA, olhamos o lettering do Eu sou Amazônia com maior cuidado. Retiramos um dos frames de seu contexto, demos zoom in e percebemos certos detalhes. Nas nossas escavações, ainda no laboratório, colocamos em contato todos os ambientes que apresentam o lettering do projeto ESA e criamos uma cena de superfície. Ressaltamos, inclusive, que nem todos os temas exibem esse modo de abertura54. Observe a cena de superfície a seguir:

Figura 31:Lettering do Projeto Eu sou Amazônia

Fonte: Elaborado pela autora: https://bit.ly/2Zib4MH.

O projeto gráfico do Eu sou Amazônia remete a uma ideia de que as letras são feitas à mão, com um pincel e tinta branca. Olhando cuidadosamente para cada letra,

54 Na cartografia de entradas no ESA demonstramos em um dos sitemaps alguns padrões e formatos

desviantes nas camadas dos temas. É possível perceber que alguns exibem a primeira página com uma apresentação gráfica do tema e outros introduzem uma espécie de cartaz com alguma frase sobre o conteúdo que vamos encontrar naquele ambiente.

vemos que elas parecem ser pintadas, por traços rápidos, mas com certa habilidade. Trazemos essa ideia de pintura porque é possível ver dentro das letras as cores das imagens por trás. Essa textura deixada intencionalmente nas letras, leva-nos para uma ideia de efeito de tinta, que quando se é usada deixa algumas partes mais transparentes e outras mais concentradas com tinta. É inevitável que pensemos que a construção de uma ideia que sugere algo mais artesanal está presente na concepção gráfica do projeto.

Com a reflexão de que há uma estética correspondente a algo mais artesanal e pintado, recordamos e conectamos, a partir de nossas experiências, produtos e técnicas artísticos reconhecidamente produzidos na Amazônia. Um desses produtos é a cerâmica e grafismo marajoaras55, que é uma representação artística consolidada principalmente pelos povos indígenas que viviam na ilha do Marajó, Pará. Com uma ideia de que o grafismo marajoara poderia ser referência para o lettering do ESA, escavamos imagens e estudos que demonstravam o que seria esse estilo. Encontramos no “Catálogo de Cerâmica Marajoara”, disponibilizada pelo Museu Emílio Goeldi56 informações e imagens precisas sobre essa arte. Observe a imagem a seguir:

Figura 32: Exemplos de cerâmica e grafismo marajoaras disponibilizados pelo catálogo do Museu Paraense Emílio Goeldi

Fonte: Museu Paraense Emílio Goeldi: https://www.museu-

goeldi.br/assuntos/imprensa/downloads/catalogo-ceramica-marajoara.pdf/view

55 A arte Marajoara é reconhecida por ser uma das mais antigas produções de cerâmicas das Américas. Para

saber mais, é possível acessar o site: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo5353/arte-marajoara. Última visita em 20 de dezembro de 2019.

56 É possível acessar aqui: https://www.museu-goeldi.br/assuntos/imprensa/downloads/catalogo-ceramica-

No catálogo, encontramos informações de que a arte marajoara é representada por produtos de cerâmica, pintura e traços gráficos simétricos, contendo grande variação de estilo e de formatos decorativos. Na figura 32, vemos duas urnas funerárias de cerâmica marajoara que, segundo Amorim (2010), eram feitas para cerimônias fúnebres, podendo ter grafismo (como mostrado na figura acima) que identificassem que o indivíduo falecido ocupava uma posição de destaque naquela sociedade.

Buscamos compreender se haveria relação entre o lettering do título com tais grafismos e estilos decorativos. Colocamos a arte marajoara e o lettering juntos e tentamos observar as semelhanças e disparidades. A arte Marajoara tem algo mais ligado à própria produção da cerâmica e adornos, mas temos um aspecto junto desse universo, que se tornou potente enquanto pesquisa para arqueólogos, sociólogos, entre outros: os traços análogos a várias etnias indígenas, não apenas da Amazônia brasileira. Percebemos, assim, que o lettering do Eu sou Amazônia não representa as formas do grafismo marajoara, mas há traços mais próximos aos grafismos indígenas.

Há, como na cerâmica marajoara, manifestações artísticas e gráficas que pertencem a grupos indígenas da Amazônia, com estilos e técnicas diversas. Esses grafismos não são, especificamente, identificados como arte de povos indígenas da Amazônia, mas identifica o que nela também consegue resistir: a arte indígena. Observe a montagem que fizemos a seguir:

Figura 33: Modelos de traços indígenas da face entre os Kayapó-Xikrin, do Cateté e imagem do ESA no Viajante

Fonte: Vidal (2000) e Google Earth

As imagens acima foram retiradas, respectivamente, de um estudo sobre a pintura corporal e a arte gráfica na etnia indígena Kayapó-Xikrin, do Caeté e do feed da aba cultura da ferramenta “Viajante”, do GE. Há na arte gráfica, da etnia Kayapó-Xikrin, o que o autor (VIDAL, 2000) chama de idioma-código, com alto valor sociocultural. Sabemos que, pelas várias etnias existentes pelo mundo, há uma diversidade iconográfica que representa tais grupos, mas há também representações que podem se repetir no grafismo indígena da maioria das etnias. É o que (LANGDON, 2000, p. 81) chama de elementos básicos, como círculo, linha, quadrado, forma em “V”; para ele, “esses elementos básicos são combinados para produzir outros, como linha quebrada, losango, triângulo e outras combinações”.

Desse modo, observando elementos gráficos básicos, presentes em muitas manifestações iconográficas de diferentes etnias, percebemos algumas semelhanças de traços em relação ao lettering utilizado para o projeto ESA. Esse projeto gráfico possui uma composição feita com linhas simétricas, com uma tendência para o uso do “V”, por exemplo, nos “As” de Amazônia. A imagem do ESA, utilizada no Viajante (figura 33), também traz as cores vermelho e branco, normalmente usadas nas pinturas corporais e nas cerâmicas marajoaras. Elas são presentes na vida dos indígenas por serem pigmentos de origem vegetal e mineral (VELTHEM, 2000, p. 56). Além disso, é utilizada uma representação indígena feminina com o rosto pintado em um estilo iconográfico que nos remete às cores e traços destacados acima.

Escavando outros modos de enxergar o lettering do Eu sou Amazônia, enquanto imagem gráfica e que emoldura outros significados, percebemos analogias com os estilos de traços indígenas. Podemos dizer, então, que a tentativa de representar a arte indígena, que circula por muitas produções audiovisuais, persiste no ESA e, essa estética, enquanto modo de apresentar o projeto, de fazer parte do primeiro contato com a Amazônia, do Google Earth, parece ir no fundo da cultura daquela região e trazer à tona traços, memórias e representação de um povo.

6.1.3 A voz over e o vídeo-propaganda do ESA