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3. NARRATIVIDADE SOFTWARIZADA NA TECNOCULTURA

3.3 Escavações de materiais afins

O progresso da pesquisa se realizou depois de muitas idas e vindas acerca da escolha e delimitação do empírico, do problema, das teorias norteadoras e da metodologia e procedimentos metodológicos. Antes de o Eu sou Amazônia se tornar o foco de análise, olhamos para outras narratividades softwarizadas que possuíam abordagens semelhantes com a trabalhada aqui, isto é, que exibam alguma memória durante de softwares culturais. Dentre estas, destacamos o Surfacing39, que propõe fazer o usuário viajar por uma rede submarina digital; o Rio: Além do mapa40, também produto do Google (Google Arts e Culture), que promete mostrar as favelas do Rio de Janeiro - não mapeadas em globos virtuais - em vídeos de 360° e o jogo “Onde no Google Earth está Carmen Sandiego?41”, incluído, de forma inovadora, no território de mapeamento online. Queremos demonstrar neste segmento que há uma cena de produtos midiáticos preexistentes e contemporâneos ao Eu sou Amazônia, que converge para uma narratividade softwarizada sob diferentes perspectivas e aportando outras disposições e performances para os seus conteúdos. Assim pretendemos escavar esse cenário, tendo o Eu sou Amazônia como o farol principal, que ilumina para trás e para frente, e que porque ele ilumina, também nos dá a ver outros formatos análogos.

Assumimos, assim, praticar uma investida arqueológica a partir do procedimento da escavação para ilustrar que esses materiais correspondem a contextos distintos. Essas nuances sobre a arqueologia da mídia (aprofundadas no capítulo metodológico) tomadas por tantas frentes e apontando para diferentes direções, instiga-nos a pensar em como colocar em prática um agir arqueológico. Segundo Fischer (2015) é preciso inventar o

39 Para acessar o conteúdo entre no link: http://www.surfacing.in/. Última visita em 12 de dezembro de

2019

40 Para acessar o conteúdo entre no link: https://beyondthemap.withgoogle.com/pt-br/. Última visita em 12

de dezembro de 2019

percurso e produzir um caminho (de acordo com cada objeto), e ainda “considerar estratégias desconstrutivistas ou desviantes” (p. 195). Tomando o caminho da ação pela arqueologia das mídias, temos o entendimento que vamos operar em sítios arqueológicos com características distintas, o que incita um olhar preciso para inventar o percurso de acordo com o que o objeto demanda (FISCHER, 2015), o qual, na maioria das vezes, participa da lógica híbrida e estratificada da internet, do hardware e do software. Para escavar os materiais afins ao Eu sou Amazônia buscamos abranger o contexto em que eles convivem, entendendo, como explorado acima, que fazem parte de um ambiente híbrido dentro de uma visada tecnocultural.

Ressaltamos que para esta etapa da pesquisa escolhemos três materiais que podem ser caracterizados como narratividades softwarizadas para detalhar suas particularidades e observar como se manifestam. Escolhemos usar apenas quatro registros (em printscreen da tela) dos movimentos que fizemos usando o computador para que este tópico não se apresente de forma extensa, mesmo que tenhamos percebido outras performances importantes durante a exploração.

Seguindo para os materiais afins, começamos com Surfacing, que corresponde a um produto midiático voltado para uma representação interativa dos cabos de fibra óptica submarinos, que nasceu com o objetivo de demonstrar a sua importância para a comunicação digital transoceânica. No Surfacing encontramos um universo narrativo onde nós somos um sinal viajando pela rede submarina. A viagem começa pela costa, e dependendo do ponto de pouso podemos atravessar o Oceano Pacífico passando pelos nós da rede, tudo isso sendo levado por um cabo submarino. Nesse caminho nos deparamos com histórias da rede de cabos e das empresas que a construíram. A seguir vamos mostrar um pouco da experiência que tivemos escavando esse material.

Figura 14: Perspectivas do Surfacing

Fonte: Elaborado pela autora: http://www.surfacing.in/.

Na escavação que fizemos pelas interfaces do material, encontramos hiperlinks e banco de dados em forma de texto e imagens, geralmente um acompanha o outro. Em alguns momentos as imagens aparecem como se estivessem ilustrando uma área, em um tamanho menor, e se clicarmos nelas somos direcionados para o ambiente representado, em tamanho maior, onde há uma história sobre a evolução dos cabos de rede. O movimento dentro do quadro depende bastante do usuário, tendo como principal ícone para o movimento de aproximação ou distanciamento dos nós, imagens, mapas e textos o “zoom to place”, “zoom to theme”, “zoom to imagem” e “zoom to map”, que fica no canto superior direito da tela, marcado em verde. Marcamos nas imagens o que notamos como prevalente dentro dessa narratividade: imagem (em vermelho), que ora toma conta de toda a tela, ora ela aparece de forma secundária acompanhando o texto em destaque; e texto (em amarelo), que aparece em todas as telas. Não encontramos vídeo dentro do Surfacing durante a escavação, a não ser aquele que se refere ao tutorial e se encontra um tanto escondido no canto inferior direito.

O segundo material escolhido, o “Rio além do mapa”, pretendeu mapear audiovisualmente as favelas do Rio de Janeiro. O nome confronta justamente o mapeamento que se encontrava até 2016 no Google Maps, que mostrava as favelas do

Rio em blocos cinzas, sem possibilidade de navegação com precisão. Não necessitamos observar atentamente as camadas deste material para perceber que o formato privilegiado é o audiovisual, já que mostra do início ao fim detalhes e o cotidiano das favelas através de vídeos em 360° e em realidade virtual.

Figura 15: Perspectivas do Além do mapa

Fonte: Elaborado pela autora: https://bit.ly/2wnX9HC.

As imagens são registradas dando uma experiência altamente imersiva para o usuário, tendemos a passear pelas ruas como se fôssemos a própria câmera, passeamos em maior velocidade, como se estivéssemos em uma moto (frame B) ou apenas caminhando. Durante o trajeto chegamos a locais de intervenção de um possível apresentador (frame C) em que ele nos convida a escolher seguir para algum lugar a partir de ícones animados na tela (frames B e C, marcações em vermelho). As opções podem ser seguir o caminho conhecendo a favela que estamos, conhecer a história de algum morador ou acessar alguma informação histórica. O frame D, por exemplo, chama-nos atenção para o novo conteúdo encontrado, nele vemos uma foto como registro histórico (e banco de dados) do início das migrações para as favelas, no canto superior direito é possível acionar um áudio que contextualiza tal período.

(A) (B)

(C)

O mais recente material que escavamos corresponde ao jogo “Onde no Google Earth está Carmen Sandiego”. Essa adaptação dá uma nova cara para o jogo que foi lançado na década de 1980 e se popularizou no mundo inteiro na década de 1990. Por enquanto apresenta apenas uma missão, mas segundo informações do próprio Google, outras missões serão disponibilizadas ao longo dos anos. De alguma forma o jogo da Carmen Sandiego demonstra que o Google Earth passa por atualizações constantes a fim de incluir um maior número de usuários, ou melhor, um público alvo cada vez mais extenso. O jogo dentro do Google Earth torna viável, dentro das demandas do software, um jogo online e uma nova aparência para um jogo que marcou uma geração.

Figura 16: Perspectivas do Carmen Sandiego no Google Earth

Fonte: Elaborado pela autora: https://bit.ly/2Jtg23S.

Em busca do que e sobre como se configura uma possível narratividade softwarizada ali, identificamos primeiro um conjunto de características visuais e estéticas que remetem a algumas manifestações recorrentes em outros gameplays, como a presença de arte pixelada. Podemos destacar as fontes e balões dos textos de informação dentro do jogo e os ícones que possibilitam avançar pela interface gráfica das camadas. Aqui vemos referências anteriores, algumas similaridades nos fazem pensar que é o jogo popularizado na década de 1990, mas tornado diferente pelo ambiente que se encontra e por

(A) (B)

características atuais e melhor apresentadas dos personagens (como no frame B). O que nos chama atenção para este produto é de também utilizar o mapeamento online próprio do Google Earth para fazer a narrativa avançar e se desenvolver (como vemos no frame C).

A apresentação destes materiais nos faz perceber a diversidade na forma de desenvolvimento de narratividades softwarizadas, partindo do “Surfacing”, passando pelo Rio Além do Mapa e chegando no “Onde no Google Earth está Carmen Sandiego”, vemos que cada uma busca contar histórias sobre assuntos distintos e com recursos e performances diversas. Mesmo com versões divergentes, localizamos nos três produtos uma tendência para uma narratividade espaço/temporal que se dá em toda a extensão da tela (e com perspectiva de fora dela, como no vídeo em 360°) e ainda com uma tendência de sistema de banco de dados, que estavam sempre prontos para fazer evoluir a sequência discursiva. Diante de tal percurso de escavação fazemos conexões com o que tensionamos na teoria e, mesmo que não apareça neste texto, verificamos relações com o Eu sou Amazônia.

Sabemos que desde a escrita e o lançamento do livro “Hamlet no Holodeck” em 1999, de Janet H. Murray, muito se especulou sobre a narrativa produzida nas mídias eletrônicas. Ao mesmo tempo que muitas histórias contadas no ambiente do software se mostraram inovadoras, e elas foram até certo ponto. Muitas trouxeram, de uma forma ou outra, algum recurso diferenciado para despertar o interesse na hora de explorar o conteúdo. A cada produção temos uma promessa de que será um novo meio de imersão na história, isto porque as narratividades no software trazem, de algum modo, uma experiência possível para que se exerça a função de imersão na história projetada, e mesmo que apareçam outras histórias em softwares, há sempre a busca por uma esfera de encantamento sensorial da visão, do som e do movimento (MURRAY, 2003). Nos materiais escavados essa percepção não foi diferente. As interfaces, junto às ferramentas particulares a cada produto, oportunizavam-nos uma experiência estética e sensorial.

Formas híbridas como as materialidades que escavamos correspondem à ideia de que a “tela como o infinito cinematográfico ou do campo como limite do plano fílmico está sendo redefinida pelo surgimento de novas interfaces” (MACIEL, 2006, p. 2). Isso porque ultrapassamos os limites das telas de cinema e da televisão, estamos gerando e consumindo novas formas de produzir sentido narrativo no ambiente digital que apresentam outras dinâmicas em suas formas de interação.

Hoje, as telas não se fixam mais em uma estrutura pré-estabelecida, mas se apropriam do espaço em torno e criam situações imersivas a partir de projeções que associadas ao uso de outros dispositivos, como o GPS, por exemplo, adquirem uma forma topológica. Não estamos mais diante das telas, mas imersos em projeções que se sofisticam na construção de múltiplos espaços (MACIEL, 2006, p. 5).

A noção de audiovisualidades se expande diante desse contexto e das possibilidades de recepção simultânea ou dispersa de narratividades softwarizadas, principalmente porque “o audiovisual transborda os limites formais das mídias quando chega à internet e aos dispositivos móveis: em sua lógica própria – célere e mutante –, escapa à normalização e controle habituados” (KILPP, 2010a, p. 19). Junto aos materiais que recolhemos aqui, há diversos outros que não tratamos como narratividades softwarizadas, mas que são híbridos, diferentes e pretendem ser inovadores para o seu tempo também.

No campo de produção audiovisual para a internet, em territórios como os do software, as circunstâncias de interação tentam ser sempre superadas e assim percebemos nestes projetos um interesse grande em tornar seus conteúdos ainda mais atrativos para o usuário. O Eu sou Amazônia se aproxima bastante dessa proposta, mas, além disto, percebemos potências de narratividade nesse ambiente que contribuíram para a nossa escolha. Por fim, entendemos que várias narratividades softwarizadas aparecem e desaparecem no terreno da web e por isso é importante escavar materiais e perceber travessias e arranjos diversos, mesmo que a exploração para uma análise mais profunda continue com o Eu sou Amazônia e sua base, o Google Earth, para entender a virtualidade narratividade softwarizada ali.